Multidões já se haviam reunido mesmo antes da nave aterrissar, e Alvin ficou a imaginar como seus conterrâneos o receberiam. Podia ler facilmente as expressões em seus rostos, vistas na tela, mesmo antes de abrir a câmara de descompressão. A emoção dominante parecia ser a curiosidade — coisa, aliás, também nova em Diaspar. De mistura com a curiosidade, havia apreensão, ao passo que aqui e ali viam-se sinais inconfundíveis de medo. Ninguém, pensou Alvin com certa mágoa, parecia satisfeito em revê-lo.
O Conselho, por outro lado, recebeu-o decididamente com agrado, embora não por pura amizade. Embora fosse ele o causador da atual crise, nenhuma outra pessoa poderia fornecer os fatos sobre os quais a futura política deveria basear-se. Ouviram com profunda atenção sua descrição do vôo aos Sete Sóis e do encontro com Vanamonde. Depois, respondeu várias perguntas, com uma paciência que provavelmente surpreendeu seus interrogadores. O que predominava neles, Alvin logo descobriu, era o medo dos Invasores, ainda que nunca mencionassem esse nome e se mostrassem claramente desgostosos quando abordou o assunto diretamente.
— Se os Invasores ainda se encontrassem neste Universo — disse Alvin ao Conselho —, certamente os teria encontrado em seu centro. Mas não existe vida inteligente entre os Sete Sóis, já havíamos adivinhado isso antes de Vanamonde confirmá-lo. Creio que os Invasores partiram há eras. Decerto Vanamonde, que parece ser pelo menos tão velho quanto Diaspar, nada sabe a respeito deles.
— Tenho uma sugestão — disse um dos Conselheiros de repente. — Vanamonde pode ser um descendente dos Invasores, de um modo que ultrapassa nosso conhecimento presente. Ele se esqueceu de sua origem, mas isso não significa que um dia não possa voltar a ser perigoso.
Hilvar, que estava presente apenas como espectador, não esperou permissão para falar. Aquela foi a primeira vez que Alvin o viu furioso.
— Vanamonde contemplou a minha mente — disse — e eu tive um vislumbre da dele. Meu povo já aprendeu muito sobre ele, ainda que até agora não tenha descoberto o que ele é. Mas uma coisa é certa: ele é cordial e ficou feliz por encontrar-nos. Nada temos a temer dele.
Houve um breve silêncio após essa explosão, e Hilvar ficou um tanto embaraçado. Era visível que a tensão na Câmara do Conselho diminuiu a partir daí, como se uma nuvem tivesse sido tirada do espírito dos presentes. Evidentemente, o Presidente não fez nenhuma tentativa, como devia fazer, de censurar Hilvar por essa interrupção.
Tornou-se claro para Alvin, enquanto escutava o debate, que três escolas de pensamento faziam-se representar no Conselho. Os conservadores, que estavam em minoria, ainda nutriam esperanças de que o relógio pudesse andar para trás e que a velha ordem fosse de alguma maneira restaurada. Contra toda razão, apegavam-se à esperança de que Diaspar e Lys pudessem ser persuadidas a se esquecerem uma da outra.
Os progressistas formavam igualmente uma pequena minoria, o fato de existirem, contudo, agradava e surpreendia Alvin. Não estavam exatamente satisfeitos com essa invasão por parte do mundo exterior, mas mostravam-se resolvidos a aproveitá-la ao máximo. Alguns deles chegaram a sugerir que talvez houvesse meio de romper as barreiras psicológicas que por tanto tempo haviam confinado Diaspar com eficiência ainda maior que as barreiras físicas.
A maioria dos Conselheiros, refletindo com exatidão o estado de espírito da cidade, havia adotado uma atitude de cautela vigilante, enquanto esperava ver o que aconteceria no futuro. Os Conselheiros compreendiam que não podiam traçar planos gerais, nem tentar pôr em prática qualquer política definida, até a tempestade haver passado.
Jeserac foi ter com Alvin e Hilvar quando a sessão terminou. Parecia haver mudado desde a última vez em que se haviam encontrado — e se despedido — na Torre de Loranne, com o deserto estendendo-se à sua frente. A mudança não era aquela que Alvin esperara, ainda que fosse uma mudança que ele viria a encontrar com freqüência cada vez maior nos dias vindouros.
Jeserac parecia mais jovem, como se o fogo da vida houvesse encontrado combustível novo e estivesse ardendo com mais força em suas veias. Apesar de sua idade, era um dos capazes de aceitar o desafio que Alvin lançara sobre Diaspar.
— Tenho novidades para você, Alvin — ele disse. — Você conhece o Senador Gerane, não?
Alvin ficou perplexo por um momento, mas depois se lembrou.
— Claro… foi um dos primeiros homens que conheci em Lys. Ele não faz parte da delegação?
— Sim. Já nos conhecemos bastante bem. É homem brilhante, e conhece melhor a mente humana do que eu teria julgado possível… ainda que me diga que para os padrões de Lys é apenas um incidente. Aproveitando sua estada aqui, deu início a um projeto que você apreciará bastante. Espera conseguir analisar a compulsão que nos mantém na cidade, e acredita que, quando houver descoberto como foi imposta, será capaz de eliminá-la. Uns vinte de nós já estão cooperando com ele.
— E você é um deles?
— Sou — respondeu Jeserac, mostrando na fisionomia a expressão mais parecida com modéstia que Alvin já vira ou jamais veria. — Não é fácil, e decerto não é agradável… mas é estimulante.
— Como é que Gerane trabalha?
— Ele está operando através das Sagas. Fez com que fosse construída toda uma série delas, e estuda nossas reações enquanto as estamos vivendo. Nunca imaginei que, em minha idade, eu voltaria às recreações de minha infância!
— O que são as Sagas? — quis saber Hilvar.
— Mundos oníricos imaginários — explicou Alvin. — Pelo menos, na maioria elas são imaginárias, ainda que algumas provavelmente sejam baseadas em fatos históricos. Há milhões delas gravadas nas células de memória da cidade, você pode escolher entre qualquer espécie de aventura ou experiência que desejar, e ela lhe parecerá profundamente real, enquanto os impulsos estiverem sendo alimentados em sua mente. — Alvin voltou-se para Jeserac. — A que espécie de Sagas o Senador Gerane os conduz?
— A maioria delas está relacionada, como seria de esperar, com sair de Diaspar. Algumas nos conduziram às nossas vidas mais antigas, bem perto da época da fundação da cidade. Gerane acredita que, quanto mais próximo conseguir chegar à origem dessa compulsão, mais fácil será para ele destruí-la.
Alvin sentiu-se animado com as notícias. Seu trabalho ficaria pela metade se houvesse aberto as portas de Diaspar e verificasse que ninguém se dispunha a transpô-las.
— Você quer realmente poder sair de Diaspar? — perguntou Hilvar, astutamente.
— Não — respondeu Jeserac, sem hesitação. — Fico aterrorizado só em pensar nisso. Mas compreendo que estávamos completamente enganados em pensar que Diaspar representava todo o mundo que era importante, e a lógica me diz que alguma coisa deve ser feita para corrigir o erro. Emocionalmente, ainda sou inteiramente incapaz de deixar a cidade, talvez venha a sentir isso para sempre. Gerane acha que poderá fazer com que alguns de nós o acompanhe a Lys, e quero ajudá-lo na experiência… ainda que em parte eu espere que ela fracasse.
Alvin olhou para seu velho tutor com novo respeito. Já não desdenhava o poder da sugestão, nem subestimava as forças capazes de compelir um homem a agir contrariamente à lógica. Não podia deixar de comparar a calma coragem de Jeserac com a fuga espavorida de Khedron para o futuro — ainda que, com sua nova compreensão da natureza humana, já não se dispusesse a condenar o Bufão pelo que havia feito.
Gerane, tinha certeza, poderia realizar aquilo a que se propunha. Jeserac podia ser idoso demais para romper hábitos de toda uma vida, por mais que desejasse começar tudo de novo. Isso, porém, não importava, pois outros teriam êxito, com a orientação arguta dos psicólogos de Lys. E assim que alguns houvessem fugido ao padrão de um bilhão de anos, seria apenas questão de tempo antes que os restantes os seguissem.
Читать дальше