Saí do banho sentindo-me bem-disposto e descansado, vesti roupa limpa, desci e jantei sozinho, sem pedir nenhuma bebida alcoólica. Álcool nunca antes de um jogo de pôquer.
Tive o cuidado de pôr o dólar de prata no bolso, quando Hale veio apanhar-me. Nunca conheci um jogador, morto ou vivo, que não fosse supersticioso.
Com ou sem dólar de prata, Hale quase nos matou a caminho do hotel em Georgetown, onde todas as semanas tinha lugar o jogo dos sábados à noite. Avançou um sinal fechado sem olhar e ouviu-se uma freada brusca de um Pontiac, ao mesmo tempo que alguém gritava, incompreensivelmente:
– Malditos negros!
Nos tempos da faculdade, Hale guiava cuidadosamente.
– Desculpe – disse ele. – Sábado à noite, as pessoas guiam como loucas. – "Se o jogo tivesse esse efeito sobre mim", pensei, "não jogaria." Mas não disse nada.
Havia uma grande mesa redonda coberta por um pano verde numa das pequenas salas de jantar particulares do hotel, e no canto um carrinho cheio de garrafas, copos e gelo, tudo sob uma luz forte. Tudo muito profissional. A noitada prometia. Já havia três homens na sala e uma mulher, de pé e de costas para a porta, preparando um drinque. Hale apresentou-me primeiro aos homens. Mais tarde, descobri que um deles era um conhecido colunista, outro, um deputado pelo Estado de Nova York, parecido com Warren Gamaliel Harding, cabelos brancos e um ar benévolo, falsamente presidencial. O terceiro jogador era um jovem advogado chamado Benson, que trabalhava no Departamento de Defesa. Era a primeira vez que me apresentavam a um colunista ou a um deputado. Eu estaria subindo ou descendo na escala social?
Quando a mulher se virou para nos cumprimentar, vi que era Evelyn Coates. O fato não me surpreendeu.
– Já conheço o Sr. Grimes – disse ela sem sorrir, quando Hale começou a nos apresentar. – Acho que nos conhecemos no coquetel em sua casa, Jerry.
– Isso mesmo! – disse Hale. – Acho que estou ficando louco. – E, realmente, parecia esquisito. Reparei que não parava de esfregar o queixo com a palma da mão, como se tivesse uma coceira qualquer. Apostei comigo mesmo como ele perderia, essa noite.
Evelyn Coates vestia uma calça azul-escura, não muito justa, e um suéter bege, solto. Roupas de trabalho, pensei. Provavelmente, quando adolescente, tinha jogado futebol com os garotos do bairro. Fiquei pensando se a sua colega de apartamento lhe teria falado a meu respeito.
Ela era a única, na sala, com um drinque na mão quando nos sentamos à mesa e começamos a contar as fichas. Com mãos compridas e ágeis, de dedos pálidos e unhas pintadas de claro, começou a empilhar as fichas.
– Evelyn – disse Benson, quando o deputado começou a jogar as cartas para o primeiro ás -, esta noite você precisa ser misericordiosa.
– Sem medo ou favor – replicou ela.
Reparei que o advogado parecia gozar de um relacionamento especial com ela. Procurei tirar aquilo da cabeça. Não gostava da voz dele, redonda e satisfeita. Mas que tinha eu com isso? Estava ali para jogar pôquer.
Todo mundo levava o jogo muito a sério e quase ninguém conversava, exceto as costumeiras lamentações entre as rodadas. Hale tinha me dito que o jogo ia ser moderado. Ninguém jamais perdia acima de mil dólares, acrescentara. Se ele não estivesse casado com uma mulher rica, duvido que achasse isso moderado.
Evelyn Coates era uma parceira perigosa e imprevisível. Ganhou a segunda maior bolada da noite com um par de oitos. Se os tempos fossem outros, dir-se-ia que ela jogava como um homem. Sua expressão era a mesma, ganhasse ou perdesse: fria e calma. Ao vê-la em frente a mim, era-me difícil recordar que eu tinha dormido com ela.
Ganhei a maior bolada da noite num low straight. Nunca tivera tanto dinheiro para me garantir num jogo, mas, fora disso, joguei como sempre jogara. Minha recente fortuna não se refletia em minhas apostas.
O colunista e o deputado eram os eternos inocentes de que Hale falara. Jogavam com esperança e otimismo, mais nada. Inevitavelmente, isso me fez duvidar da sua visão em outros campos. Sabia que, dali por diante, leria o colunista com grandes reservas, e esperava que o deputado não tomasse parte em importantes decisões legislativas.
O jogo era amistoso e os perdedores não perderam o bom humor, apesar da má sorte. Quanto a mim, era um prazer voltar a jogar pôquer, após um hiato de três anos. Teria gostado ainda mais se Evelyn Coates não estivesse presente. Esperava um piscar de olhos, um sorriso conspirador… que nada! Não pude deixar de me sentir menosprezado. Não permiti que isso afetasse meu jogo, mas fiquei muito satisfeito quando ganhei dela.
Ela e eu éramos os únicos ganhadores às duas da manhã, quando demos o jogo por encerrado. Enquanto o deputado, na qualidade de banqueiro, fazia as contas, eu tocava no dólar de prata em meu bolso.
Um garçom trouxera alguns sanduíches e atiramo-nos a eles enquanto o deputado fazia as contas. Fiquei pensando em como aquilo tudo era agradável, um jogo todos os sábados, na mesma sala, com os mesmos amigos, todo mundo se conhecendo. Com quem estaria eu na semana seguinte, para quem ousaria telefonar, com quem estaria jogando? Por um momento, tive a tentação de dizer que contassem comigo no próximo jogo, para lhes dar uma chance de ganhar o seu dinheiro de volta. De enraizar-me num jogo de cartas, no seio do governo. Tinha tanta pressa assim de fugir? Se Evelyn Coates me tivesse socorrido, acho que teria proposto isso. Mas ela nem sequer olhou em minha direção.
Para lhe dar a oportunidade de falar comigo sem que os outros ouvissem, dirigi-me a uma janela na extremidade da sala e abri-a, fingindo sentir calor e estar incomodado com a fumaça dos cigarros, mas nem assim ela fez um gesto em minha direção, como se não tivesse reparado em mim.
"Bruxa", pensei, "não lhe darei o prazer de lhe telefonar quando voltar ao meu hotel." Imaginei-a no seu apartamento com o jovem advogado e o telefone tocando e ela dizendo: "Ora, deixe tocar!", sabendo que era eu e sorrindo secretamente para si mesma. Eu não estava acostumado a mulheres duras. A nenhuma espécie de mulher, para ser sincero. "Uma coisa que vou fazer", decidi, enquanto fechava a janela, "é aprender a lidar com as mulheres."
O colunista e o advogado iniciaram uma longa discussão sobre o que estava acontecendo em Washington. O colunista acusava o presidente de procurar destruir a imprensa americana, aumentando as tarifas postais para levar jornais e revistas à falência, metendo repórteres na prisão por não revelarem suas fontes, ameaçando tirar os canais das estações de televisão que mostravam coisas desagradáveis para o governo, tudo repetição do que eu já lera nas suas colunas. Mesmo eu, que quase não lia jornais, exceto o Jornal do Jóquei, especializado em corridas de cavalos, ficava exposto a todas as opiniões possíveis. Não entendia como as demais pessoas naquela sala, confrontadas por todos os lados com argumentos, conseguiam votar sim ou não sobre qualquer assunto. O deputado, ocupado com as contas, a testa suada pelo esforço, nem sequer levantava a cabeça. Mostrara-se um homem amável durante o jogo e eu imaginei que votaria segundo lhe mandassem, sua atenção sempre atenta às instruções do partido e às próximas eleições. Nada dissera que indicasse se era republicano, democrata ou partidário de Mao.
Quando Evelyn Coates trouxe à baila o escândalo Watergate e disse que ele ainda traria graves problemas para o presidente, o colunista retrucou:
– Bobagem. Ele é demasiado esperto para isso. Tudo vai ser abafado. Guardem minhas palavras. Daqui a alguns meses, todo mundo vai dizer: "Watergate? Que vem a ser isso?" Podem ter certeza – acrescentou o colunista, num tom de voz e numa maneira de falar de quem está acostumado a que lhe dêem sempre atenção – de que estamos assistindo aos primeiros passos na direção do fascismo.
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