A jovem Leslie sentou-se no chão, encostou-se num sofá e reprimiu um sorriso. Apoiou o queixo nos joelhos.
— Temos alguma influência nesse nosso amor, ou se trata de um destino irrecorrível?
— Boa pergunta — disse Leslie. — Vamos lhes contar aquilo de que nos lembramos do que aconteceu. — Fez uma pausa, concatenando as idéias. — Depois vocês deverão fazer o que julgarem acertado.
O que nós lembramos, pensei. Lembro-me deste lugar, lembro-me de ter visto Leslie por acaso no elevador, ficar depois anos sem revê-la. Mas não me lembro de nenhum encontro aqui neste apartamento com futuras Leslies, nem de nenhum futuro Richard me mandando arrumar as coisas.
O jovem Richard sentou-se numa cadeira, olhando para a jovem Leslie. Para ele, a beleza física dela raiava o limiar da dor. Ele se sentia acanhado diante de mulheres bonitas, e nem por um momento lhe passou pela cabeça que ela estivesse tão acanhada quanto ele. Não era de admirar que tivessem passado anos antes que começassem a se conhecer.
— Quando nos conhecemos, as aparências nos bloquearam, outras pessoas nos impediram inclusive de tentar conhecer um ao outro — disse Leslie. — Aconteceram-nos coisas terríveis durante anos, antes de nos reencontrarmos.
— Cometemos, separados, erros que jamais teríamos cometido juntos — acrescentei. — Mas, agora, que vocês sabem… não percebem? Não precisam cometer os mesmos erros!
— Quando nos reencontramos — prosseguiu Leslie —, tinham-se passado anos. Tudo que podíamos fazer era juntar os pedaços e rezar para que conseguíssemos construir a vida bela que víamos que podíamos ter juntos. Se tivéssemos nos conhecido antes, não precisaríamos passar por toda aquela recuperação. É claro que nos encontramos antes, vimo-nos no mesmo elevador em que vocês subiram. Só que não tivemos coragem ou perspicácia suficiente… — Leslie sacudiu a cabeça. — Não tínhamos aquilo quer era preciso ter para sabermos o que poderíamos ser um para o outro.
— Por isso, achamos que vocês são malucos por não caírem um nos braços do outro agora mesmo — continuei —, dar graças a Deus por terem se encontrado e começar a modificar a vida de vocês, para ficarem juntos. Desperdiçamos tanto tempo quando éramos vocês, passamos por cima de tantas oportunidades de fugir de desastres e seguirmos juntos.
— Desastres? — perguntou Richard.
— Isso mesmo — confirmei. — Vocês estão no meio de vários neste exato momento. Só que ainda não sabem.
— Você sobreviveu — disse ele. — Acha que sabe todas as respostas?
Por que ele assumia uma atitude tão defensiva? Caminhei um pouco, olhando para ele.
— Temos algumas respostas, mas o importante para você é saber que ela sabe a maioria dessas respostas e que você tem respostas para ela. Juntos, nada conseguirá parar vocês!
— Parar-nos como? — perguntou a jovem Leslie, surpresa com a intensidade de meus sentimentos, desconfiando, finalmente, de que talvez aquilo não fosse um sonho.
— Impedir que vocês vivam o amor supremo — disse minha mulher —, impedir que alcancem juntos uma vida tão maravilhosa aue ficarão incapazes de imaginar um sem o outro!
Como era possível que aqueles dois resistissem à dádiva imensa que lhes oferecíamos? Quantas vezes temos a oportunidade de conversar com as pessoas em quem nos transformaremos, aquelas que conhecem cada um dos erros que haveremos de cometer?
Minha mulher estava sentada no chão, ao lado de Leslie, como uma gêmea mais velha.
— Na privacidade deste quarto, onde estamos a sós, precisamos lhes dizer uma coisa: apesar de todos os seus erros, cada um de vocês é uma pessoa extraordinária. Vocês têm se apegado a um senso de dever, a uma ética interior, mesmo quando proceder assim é difícil, perigoso, ou quando as pessoas consideram vocês esquisitos. É essa esquisitice que os distingue. Ela os toma solitários. Além disso, faz com que cada um seja perfeito para o outro.
Os dois escutavam com tamanha atenção que eu nada con seguia perceber em seus rostos.
— Ela não tem razão? — perguntei. — Digam-nos para sumir se isto é absurdo. Se não for verdade, podemos ir embora, Temos nosso próprio probleminha para resolver…
— Não! — disseram os dois, em uníssono.
— Uma coisa vocês já nos disseram — comentou a jovem Leslie. — É que vamos viver mais 16 anos! Não haverá guerras, não chegará o fim do mundo. Mas… talvez seja essa a pergunta que quero fazer. Nós sobrevivemos a esta época, ou melhor, vocês sobreviveram?
— Pensam que sabemos o que está acontecendo? — perguntei.
— Errado! Sequer sabemos se estamos mortos ou vivos. Tudo que sabemos é que, por alguma razão, é possível, sem que o universo se desmorone, que nós, vindos do futuro de vocês, os encontremos, chegados de nosso passado.
— Queremos uma coisa de vocês — disse Leslie.
A jovem ergueu os olhos, os mesmos olhos tão bonitos.
— O que é?
— Somos nós que viemos procurá-los, somos nós que pagamos por nossos erros, que tiramos proveito do esforço de vocês. Somos nós que nos orgulhamos de suas melhores escolhas e que nos entristecemos com as errôneas. Somos os melhores amigos de vocês, além de vocês mesmos. Independentemente do que acontecer, não se esqueçam de nós, não nos traiam!
— Sabem o que aprendemos? — perguntei. — Tranqüilidade a curto prazo, em troca de problemas a longo prazo, não é boa coisa. O caminho fácil não é o melhor. — Virei-me para meu ego mais jovem.
— Sabe quantas propostas assim hão de lhe acontecer entre sua idade e a nossa?
— Muitas?
— Isso mesmo — assenti.
— Como é que evitamos as escolhas erradas? — perguntou ele.
— Tenho a impressão de que já segui pelo caminho fácil algumas vezes.
— É de se esperar — respondi. — As opções erradas são tão importantes quanto as corretas. Às vezes, ainda mais.
— Não são muito agradáveis — retrucou ele.
— Não, mas elas…
— Vocês são o único futuro que temos? — perguntou a jovem Leslie de repente, interrompendo-se na ânsia de fazer a pergunta, e sem motivo aparente senti uma pontada de medo.
— Vocês são nosso único passado? — perguntou minha mulher.
— É claro… — disse Richard.
— Não! — Olhei para ele, atônito. — Claro que não! É por isso que não nos lembramos de qualquer um de nós no Holiday Inn de Carmel! Não lembramos porque isso não aconteceu a nós, aconteceu a vocês!
As implicações dispararam como feixes de laser por todos no apartamento, modificaram-nos para o resto de nossas vidas. Estávamos ali dando aos dois o melhor do que tínhamos, mas seria possível que fossem apenas um de nossos passados, um dos caminhos que conduziam às pessoas que somos? Por um instante havíamos significado segurança para eles, tínhamos confirmado que sobreviveriam. Mas, seria crível que não fôssemos o inevitável futuro que os esperava, que podia haver outras opções para eles, caminhos diferentes dos que tínhamos seguido?
— Não importa que sejamos o futuro de vocês ou não — disse minha mulher. — Não virem as costas para o amor que… — Leslie parou no meio da frase, olhando para mim com um ar de susto. O quarto estremecia, um ronco surdo sacudia o edifício.
— Terremoto? — sugeri.
— Não. Não é um terremoto — disse a jovem Leslie. — Não estou sentindo nada. Richard?
O rapaz balançou a cabeça.
— Nada.
Para nós, o apartamento inteiro se sacudia agora, em freqüências baixas que se aceleravam a cada segundo.
Minha mulher pôs-se de pé num salto, em pânico. Tendo sobrevivido a dois grandes terremotos, não estava nada interessada num terceiro. Peguei-lhe a mão.
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