— Na realidade, — disse Michel — tu nos propões uma ditadura.
— Uma ditadura? Não, apenas um governo forte.
— Não vejo, muito claramente, a diferença, — disse eu — mas creio que com efeito é necessário. Teremos oposição…
— O Senhor cura… — aventurou Michel.
— Não é certo. — cortou Louis — É inteligente, e como nós não vamos, de modo algum, meter-nos em questões religiosas, podemos tê-lo do nosso lado. Os camponeses?
Terão tanta terra quanto possam cultivar. Não há nada no coletivismo moderado que estou projetando, exclusivamente para a indústria, que possa inquietá-los. Não, as dificuldades virão do espírito de rotina. Ao menos num futuro próximo. Mais tarde, dentro de algumas gerações, o problema poderá ser outro. Hoje se trata da subsistência.
E se começamos a brigar ou a permitir que reine a desordem…
— Tudo bem, estou de acordo.
— Eu também. — disse Michel — Nunca pensei que faria parte de um Diretório!!
A primeira reunião do Conselho dedicou-se à distribuição das «pastas».
— Comecemos pela Educação Nacional. — disse Michel — Proponho que o Senhor Bournat seja nosso Ministro das Ciências. Não podemos, sob propósito algum, deixar que nossa herança seja perdida. Cada um de nós, «os cientistas», deverá escolher, entre os alunos da escola, aqueles que nos pareçam mais aptos. Lhes ensinaremos primeiramente o aspecto prático de nossas respectivas especialidades. A teoria será ensinada aos mais capazes, se houver. Será mister, também, escrever os livros necessários para completar a biblioteca do observatório, que é, afortunadamente, vasta e eclética, e a da escola também.
— Muito bem. — disse Louis — Proponho para a Indústria ao Senhor Estranges; O Senhor Charnier, Agricultura; tu, Jean, ficarás com o cargo das Minas, cargo de muita importância. O Senhor cura terá a administração de Justiça e Paz, e o Senhor mestre as Finanças, já que ele estudou economia política, era seu passatempo. Seria necessário estabelecer uma moeda o qualquer meio de câmbio.
— E eu? — perguntou Michel.
— Tu podes dirigir a polícia.
— Eu? Policial?
— Sim, um cargo difícil: o censo e padronização, requerimentos, Ordem Pública, etc. Tu és popular, isto te ajudará.
— Não vou durar muito tempo! E tu, que cargo terás?
— Um momento. Marie Presle se ocupará da Saúde Pública, assistida pelo Doutor Massacre e pelo Doutor Juillet. Para mim, se concordarem, o Exército.
— O Exército? E porque não a Frota?
— Quem sabe o que este planeta nos reserva? Não me surpreenderia muito se nosso habitante do castelo não faça alguma das suas muito em breve.
Louis não podia estar tão certo. No dia seguinte, numerosos exemplares de um cartaz «impresso» apareceu por nossas ruas. Seu texto era o seguinte: «Cidadãos e camponeses: um pretenso comitê de Saúde Pública empunhou o poder sob a aparência de democracia. Quem compõe este Conselho? Cinco estrangeiros entre nove membros! Um operário, três intelectuais, um engenheiro e um mestre.
Total de seis votos contra três votos camponeses e o do Senhor cura, arrastado nesta aventura. Que pode saber esta Junta de vossas legítimas aspirações? Quem, ao contrário, melhor que eu, grande proprietário rural, poderia compartilhá-las? Vinde comigo e poremos para correr toda essa quadrilha! Podeis encontrar-me no castelo Assinado: JOAQUIN HONNEGER.
Louis cantou vitória.
— Eu lhes disse, temos que tomar medidas.
A primeira delas foi a de requisitar todas as armas e distribuí-las entre uma guarda selecionada entre os elementos de confiança. Organizou-se com cinquenta homens sob o comando de Simon Beauvin, tenente da reserva. Este embrião de exército era, apesar de tudo, uma força apreciável.
Por aqueles dias, tivemos a confirmação da nossa solidão. Os engenheiros, ajudados por Michel e por meu tio, conseguiram montar um aparelho emissor de bastante potência, Radio Tellus. Havíamos designado o nome Tellus, designação latina de Terra, em homenagem ao nosso antigo mundo. A lua maior foi Febo, a segunda, Selene e a terceira Ártemis. O sol azul foi Helios, o sol vermelho, Sol; sob estes nomes vós os conheceis.
Com emoção, Simon Beauvin lançou as ondas ao espaço. Por quinze dias seguidos repetimos a experiência em uma gama muito variada de longitude de onda. Não chegou resposta alguma. Visto que o carvão escasseava, fomos espaçando nossas chamadas até somente uma por semana. Tivemos que nos resignar: ao nosso redor não havia nada mais que solidão. Ou talvez alguns pequenos grupos sem radio.
Além de outros pasquins do mesmo estilo, rapidamente destruídos, Honneger não voltou a manifestar-se. Não pudemos pegar com a mão na massa os que pregavam os cartazes, porém o dono do castelo deveria, muito em breve, recordar-nos da sua existência de uma maneira trágica.
Recordam de Rose Ferrier, a moça que salvamos, no primeiro dia, das ruínas da sua casa? Embora muito jovem, — ela tinha então dezesseis anos — era a mais bonita do povoado. O mestre havia nos advertido que antes do cataclismo Charles Honneger lhe fazia a corte muitas vezes.
Uma noite vermelha, fomos despertados por uns disparos. Michel e eu saltamos da cama, precedidos, apesar de tudo, por Louis. Ao sair de casa topamos com pessoas excitadas, correndo na semi-noite púrpura. Pistola na mão, marchamos a toda pressa na direção dos disparos. O piquete da guarda já estava lá, e pudemos ouvir os fuzis de caça, misturados ao «craques» da «Winchester» do velho Boru, o qual fora designado como sargento, na guarda.
Produziu-se um resplendor, que foi aumentando: uma casa estava ardendo. A batalha parecia confusa. Quando chegamos à praça do poço, as balas silvavam ao nosso redor, seguidas pelos estalos de uma arma automática: os assaltantes tinham metralhadoras Subindo, nos juntamos a Boru.
— Peguei um. — nos disse ele satisfeito — Novo. Como fazia com as camurças, nos outros tempos — Quem? — inquiriu Michel.
— Não sei. Um desses porcos que nos atacam.
— Soaram entretanto alguns disparos, seguidos por um grito de mulher: — Socorro, me ajudem!
— Rose Ferrier! — disse Louis — Este canalha do Honneger a levou!
Uma rajada de fuzil metralhadora nos obrigou a baixar a cabeça. Os gritos decresciam na distância. Um carro se pôs em marcha.
— Espera um pouco, porco. — gritou Michel.
Uma risada de mofa lhe respondeu.
Perto do incêndio vimos alguns mortos e um ferido que se arrastava. Ante nossa estupefação reconhecemos o alfaiate. Ele havia sido atingido na coxa, e encontramos um carregados de metralhadora nos seu bolso.
Levou-se a cabo um rápido interrogatório. Pensando em salvar a pele, ele contou ou planos de Honneger, ou menos o que ele sabia: Ao amparo das armas automáticas e apoiado por um bando de uns cinquenta bandidos, tinha a intenção de apoderar— se do povoado e ditar sua lei a este mundo.
Afortunadamente para nós, seu filho, que há muito tempo desejava Rose, não tinha tido a paciência de aguardar e havia vindo raptá-la com um cortejo de doze bandidos.
O alfaiate era o seu espião e deveria ter seguido com eles. Ajudado pelo dono do Bar Principal, Juillet Maudru, era ele que pregava os cartazes. Ele foi enforcado naquela mesma noite, junto com seu cúmplice, no ramo de um carvalho.
Este episódio nos custou três mortos e seis feridos. Três moças, Rose, Micheline Audry e Paquita Presle, sobrinha de Marie, haviam desaparecido. Em compensação, esse ataque alinhou conosco todo os povoado e os camponeses.
Os bandidos tiveram dois mortos, além dos cúmplices justiçados.
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