— Potter, entre, depressa!
Ele obedeceu sem hesitação: os três se precipitaram pela porta aberta.
— Suba, não dispa a capa, fique quieto! — murmurou um vulto alto que passou por eles e saiu, batendo a porta.
Harry não fazia idéia de onde estavam, mas agora via, à luz vacilante de uma única vela, o bar sujo com o piso forrado de serragem do Cabeça de Javali. Eles correram para trás do balcão e por uma segunda porta que levava a uma escada bamba, que eles subiram o mais rápido que puderam. Desembocaram em uma sala de visitas com um tapete puído e uma pequena lareira, no alto da qual estava pendurado um grande retrato a óleo de uma garota loura que contemplava a sala com um ar de meiguice apática.
Os gritos na rua chegavam aos seus ouvidos. Ainda usando a Capa da Invisibilidade, eles foram, pé ante pé, até a janela suja e espiaram para baixo. Seu salvador, que Harry agora reconhecia como o barman do Cabeça de Javali, era a única pessoa que não estava usando um capuz.
— E daí? — berrava ele para um dos rostos encapuzados. — E daí? Vocês mandam dementadores para a minha rua, e jogo um Patrono contra eles. Não vou admitir que se aproximem de mim, já lhes disse, não vou admitir isso!
— Aquele não era o seu Patrono! — contestou um Comensal da Morte. — Era um veado, era o do Potter!
— Veado! — rugiu o barman, sacando a varinha. — Veado! Seu idiota... Expecto patronum !
Um bicho enorme e chifrudo irrompeu da varinha, e, de cabeça baixa, avançou para a rua principal e desapareceu de vista.
— Não foi isso que vi... — retrucou o Comensal da Morte, embora com menos convicção.
— O toque de recolher foi violado, você ouviu o barulho — disse um dos seus colegas ao barman. — Alguém estava na rua contrariando o regulamento...
— Se eu quiser pôr o meu gato para fora, porei, e dane-se o seu toque de recolher!
— Você disparou o Feitiço Miadura?
— E se disparei? Vai me mandar para Azkaban? Me matar por meter o nariz fora da minha própria porta? Então faça isso, se é o que quer! Mas espero, para seu bem, que não tenham tocado na Marca Negra para convocá-lo. Ele não vai gostar de ser chamado para ver a mim e o meu velho gato, ou será que vai?
— Não se preocupe conosco — respondeu um dos Comensais da Morte —, preocupe-se com o seu desrespeito ao toque de recolher!
— E onde é que gente de sua laia irá traficar poções e venenos quando fecharem o meu bar? Que irá acontecer com os seus bicos?
— Você está nos ameaçando...?
— Não abro a boca, é por isso que vocês vêm aqui, não é?
— Continuo dizendo que vi um veado Patrono! — gritou o primeiro Comensal da Morte.
— Veado? — rugiu o barman. — É um bode , idiota!
— Tudo bem, nos enganamos — disse o segundo Comensal da Morte. — Desrespeite o toque de recolher outra vez e não seremos tão indulgentes!
Os Comensais da Morte voltaram para a rua principal. Hermione gemeu de alívio, desvencilhou-se da capa e se sentou em uma cadeira de pernas bambas. Harry fechou bem as cortinas, depois retirou a capa de cima dele e de Rony. Ouviram o barman no andar térreo trancar a porta do bar e, em seguida, subir a escada.
Um objeto sobre o console da lareira chamou a atenção de Harry: um pequeno espelho retangular aprumado ali, logo abaixo do retrato da garota.
O barman entrou na sala.
— Seus idiotas infelizes — disse, rispidamente, olhando de um para outro. — Que idéia foi essa de virem aqui?
— Obrigado — disse Harry —, não sabemos como lhe agradecer. Salvou nossas vidas.
O barman resmungou. Harry se aproximou dele, estudando o seu rosto, tentando ver sob a cabeleira e barba grisalhas e grossas. Ele usava óculos. Por trás das lentes sujas, os olhos eram muito azuis e penetrantes.
— É o seu olho que tenho visto no espelho.
Fez-se silêncio na sala. Harry e o barman se fitaram.
— Você mandou Dobby.
O barman assentiu e olhou para os lados, procurando o elfo.
— Pensei que ele estivesse com você. Onde o deixou?
— Está morto — disse Harry. — Belatriz Lestrange o matou.
O rosto do barman não demonstrou emoção. Passado um momento, ele disse:
— Lamento saber. Eu gostava daquele elfo.
Ele se virou, acendendo as luzes com toques de varinha, sem olhar para nenhum dos garotos.
— Você é Aberforth — disse Harry para as costas do homem.
Ele não confirmou nem negou, mas se curvou para acender a lareira.
— Como conseguiu isso? — perguntou Harry, atravessando a sala até o espelho de Sirius, a duplicata do que ele quebrara quase dois anos antes.
— Comprei-o de Dunga mais ou menos há um ano — disse Aberforth. — Alvo me disse o que era. Tenho tentado manter um olho em você.
Rony ofegou.
— A corça prateada! — exclamou. — Foi você também?
— Do que está falando? — perguntou Aberforth.
— Alguém mandou uma corça Patrono até nós!
— Com um cérebro desses, você poderia ser Comensal da Morte, filho. Não acabei de provar que o meu Patrono é um bode?
— Ah — disse Rony. — É... bem, estou com fome! — acrescentou justificando-se, e sua barriga deu um enorme ronco.
— Tenho comida — disse Aberforth, e saiu da sala, reaparecendo momentos depois com uma grande forma de pão, queijo e uma jarra de metal com hidromel, que depositou em uma mesinha à frente da lareira. Famintos, eles comeram e beberam, e por algum tempo o silêncio foi quebrado apenas pelos estalidos do fogo na lareira, o tilintar de taças e o som de mastigação.
— Certo — disse Aberforth, quando eles terminaram de comer, e Harry e Rony se afundaram, sonolentos, nas poltronas. — Precisamos pensar na melhor maneira de tirá-los daqui. Não pode ser à noite, vocês ouviram o que acontece se alguém sai à rua depois do escurecer: dispara o Feitiço Miadura, e eles cairão sobre vocês como tronquilhos em ovos de fadas mordentes. Não acho que consiga passar um bode por um veado uma segunda vez. Esperem amanhecer, quando é suspenso o toque de recolher, então, podem tornar a vestir a capa e partir a pé. Saiam direto de Hogsmeade, subam a montanha e poderão desaparatar de lá. Talvez vejam Hagrid. Está escondido com Grope em uma caverna desde que tentaram prendê-lo.
— Não vamos embora — respondeu Harry. — Precisamos entrar em Hogwarts.
— Não seja idiota, moleque — disse Aberforth.
— Temos que entrar.
— O que têm de fazer — retorquiu Aberforth, inclinando-se para frente — é ir para o mais longe que puderem.
— Você não está entendendo. O tempo é curto. Precisamos entrar no castelo. Dumbledore, quero dizer, o seu irmão, queria que nós...
A luz das chamas deixou as lentes sujas dos óculos do bruxo momentaneamente opacas, de um branco forte e chapado, e Harry se lembrou dos olhos cegos de Aragogue, a aranha gigantesca.
— Meu irmão Alvo queria muitas coisas, e as pessoas tinham o mau hábito de saírem feridas enquanto ele executava os seus planos grandiosos. Afaste-se da escola, Potter, e saia do país, se puder. Esqueça o meu irmão e seus esquemas imaginosos. Ele foi para um lugar onde nada disso pode atingi-lo, e você não lhe deve nada.
— Você não está entendendo — repetiu Harry.
— Ah, será que não? — replicou Aberforth, mansamente. — Você acha que eu não compreendia o meu próprio irmão? Acha que conhecia Alvo melhor do que eu?
— Não foi isso que quis dizer — respondeu Harry, cujo cérebro estava lento de exaustão e excesso de comida e vinho. — É que... ele me deixou uma tarefa.
— Deixou, foi? Uma tarefa boa, espero? Agradável? Fácil? O tipo de coisa que se esperaria que um garoto bruxo ainda não qualificado pudesse realizar sem muito esforço?
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