Mas tinha que ser uma fada de verdade. Estava na hora do oitavo postulado…
Começou a digitar os cálculos de Yimot. Várias vezes, os dedos trêmulos o traíram, e ele cometeu um erro. Sua mente, porém, ainda era lúcida o suficiente para informá-lo, na mesma hora, de que apertara a tecla errada, e ele voltou atrás e corrigiu o engano. Duas vezes, enquanto trabalhava, quase perdeu os sentidos com a intensidade do esforço. Entretanto, forçou-se a prosseguir.
Você é a única pessoa no mundo capaz de resolver este problema, disse para si mesmo enquanto trabalhava. Por isso, não pode desistir.
Talvez estivesse procedendo como um tolo vaidoso ou mesmo um pouco insano. Talvez não fosse verdade. Entretanto, no estado de exaustão em que se encontrava, a única coisa que lhe dava forças para prosseguir era se considerar insubstituível. Era o único que tinha na cabeça todos os conceitos básicos do projeto. Tinha que prosseguir até conseguir fechar o último elo da cadeia. Até…
Pronto. Entrara no computador o último dos números de Yimot. Athor apertou a tecla que permitia visualizar ao mesmo tempo as duas órbitas na tela do meio e apertou a outra que integrava o novo número aos padrões existentes.
A elipse vermelha que representava a órbita teórica original, sofreu ondulações e mudanças e desapareceu da tela. O mesmo aconteceu com a elipse amarela da órbita observada. Agora havia uma única curva na tela, uma elipse laranja, gerada pela superposição exata das duas curvas, até o último algarismo significativo.
Athor soltou uma exclamação. Examinou a tela por alguns momentos; depois, fechou os olhos e descansou a cabeça no tampo da mesa. A elipse laranja brilhava como um anel de fogo nas suas pálpebras fechadas.
Sentia uma curiosa mistura de triunfo e apreensão. Conseguira uma resposta agora. Tinha certeza de que a hipótese encontrada resistiria aos testes mais rigorosos. Afinal de contas, a Teoria da Gravitação Universal estava certa A cadeia de deduções que o tornara famoso continuava de pé. Ao mesmo tempo, porém, sabia agora que o modelo do sistema solar com o qual havia trabalhado todo esse tempo estava incompleto. O fator desconhecido que estivera buscando, o gigante invisível, o dragão no céu, era real. Athor achava isso profundamente desagradável, embora salvasse sua teoria. Há muitos anos se convencera de que compreendia perfeitamente o ritmo dos céus; agora tinha consciência de que esse conhecimento era imperfeito, de que existiam coisas estranhas no universo, de que as coisas não eram exatamente como pensava que fossem. Era difícil, na sua idade, aceitar isso.
Depois de algum tempo, Athor levantou a cabeça. A tela continuava igual. Apertou algumas teclas e nada mudou. Via apenas uma órbita, não duas.
Muito bem, disse para si próprio. Então o universo não é exatamente como você pensava. É melhor você tratar de reorganizar seus pensamentos. Porque certamente não pode reorganizar o universo.
— Yimot! — chamou. — Faro! Beenay! Venham todos!
O pequeno gordo Faro foi o primeiro a chegar, seguido de perto por Yimot e o resto do departamento de astronomia: Beenay, Thilanda, Klet, Simbron e outros. Eles se aglomeraram na porta do escritório. Athor percebeu pela expressão de surpresa no rosto dos auxiliares que devia estar com um aspecto assustador, desgrenhado e com a barba por fazer, os cabelos brancos em desalinho, o rosto pálido, com toda a aparência de um velho à beira de um colapso.
Era importante dissipar sem demora os temores de sua equipe. Não era hora para melodramas. Disse para eles, em tom neutro:
— Sim, estou cansado e sei disso. Provavelmente estou com um aspecto horrível. Mas acabei encontrando alguma coisa que funciona.
— A hipótese da lente gravitacional? — quis saber Beenay.
— A hipótese da lente gravitacional não levou a nada respondeu Athor, friamente. — O mesmo se aplica ao sol apagado, à dobra no espaço, à zona de massa negativa e a outras ideias com que estivemos brincando a semana inteira. São todas ideias muito interessantes, mas que não resistem a uma análise mais acurada. Entretanto, encontrei uma que sobreviveu a todos os testes.
Os olhos dos assistentes se arregalaram.
Voltando-se para o terminal, começou de novo a digitar os parâmetros do Oitavo Postulado. Enquanto trabalhava, seu cansaço se dissipou: desta vez, não entrou com nenhum número errado. A cabeça tinha parado de doer. Estava momentaneamente imune à fadiga.
— O que estamos supondo — disse — é que existe um corpo planetário não-luminoso semelhante a Kalgash, que está em órbita, não em torno de Onos, mas em torno de Kalgash. Esse corpo possui uma massa considerável, da mesma ordem de grandeza que a massa de Kalgash, e suficiente para exercer uma força gravitacional sobre nosso planeta capaz de explicar as perturbações descobertas por Beenay.
Athor apertou uma tecla e um diagrama do sistema solar apareceu na tela do terminal: os seis sóis, Kalgash e o suposto satélite de Kalgash. O velho professor olhou para os assistentes. Estavam todos se entreolhando, nervosos. Embora tivessem metade da sua idade, ou menos, deviam estar encontrando tanta dificuldade quanto ele para aceitar a ideia de que havia um outro astro no universo de cuja existência jamais alguém havia suspeitado. Ou então estavam achando que tudo não passava de devaneios de uma mente senil, que, de algum modo, havia deslizado em erros nos cálculos.
— Os dados que apóiam o Oitavo Postulado estão corretos — disse Athor. — E o postulado resistiu a todos os testes que consegui imaginar.
Olhou para eles com ar de desafio, como que para lembrar-lhes que era o mesmo Athor 77 que legara ao mundo a Teoria da Gravitação Universal e que ainda se encontrava no perfeito domínio de suas faculdades.
— Professor, por que não conseguimos observar este satélite? — perguntou Beenay, timidamente.
— É fácil explicar — respondeu Athor. — Como Kalgash, este astro não tem luz própria. Se supusermos que sua superfície contém rochas azuladas, uma hipótese geologicamente plausível, a luz refletida por ele ocuparia uma posição tal no espectro luminoso que o brilho eterno dos seis sóis, combinado com as propriedades de nossa atmosfera, o tornaria totalmente invisível. Em um céu perpetuamente iluminado como o nosso, seria impossível observá-lo.
— Contanto que este satélite gire em torno do nosso planeta a uma distância muito grande, não é mesmo, professor? — disse Faro.
— Isso mesmo. — Athor apertou outra tecla. — Aqui está uma vista mais ampliada. Como podem ver, nosso satélite desconhecido e invisível descreve uma enorme elipse que o leva a enormes distâncias de Kalgash. Não tão grandes que não possamos detectar os seus efeitos gravitacionais, mas suficientes para nos impedir de observá-lo a olho nu e tornar improvável sua observação ao telescópio.
— Agora, que sabemos que ele existe, podemos tentar observá-lo no telescópio — disse Thilanda 191, cuja especialidade era a astrofotografia.
— Claro que vamos fazer isso — disse Athor. Estavam começado a aceitar a ideia, pensou. Todos eles. Conhecia-os suficientemente bem para saber que o estavam levando a sério. — Se bem que a busca pode ser mais difícil do que vocês pensam. Vai ser como procurar uma agulha no palheiro. Mesmo assim, vale a pena tentarmos.
— Professor, eu tenho uma pergunta — disse Beenay.
— Pode falar.
— Se a órbita é tão excêntrica como o senhor supõe, e se este seu satélite, se este… este Kalgash Dois, se é que podemos chamá-lo assim… se Kalgash Dois está muito distante de nós em certos trechos de sua órbita, é evidente que em outros trechos da órbita estará muito mais próximo. Existe uma variação, mesmo na mais perfeita órbita, assim, no caso de órbitas excêntricas, como as deste satélite, é provável que exista uma grande diferença entre os pontos de maior e menor aproximação.
Читать дальше