— Você tem que prometer que não contará nada a ele sobre esta nossa conversa, Beenay!
— A Theremon? Claro que não vou contar! Você ainda não publicou suas descobertas. Seria falta de ética comentá-las com outras pessoas. Mas Theremon é um homem de caráter.
A arqueóloga relaxou a pressão, mas só um pouco.
— Às vezes dois amigos trocam comentários confidenciais… mas acredite, Beenay, para pessoas como Theremon, não há nada confidencial. Se achar que um assunto merece ser abordado em suas reportagens, vai abordá-lo, sejam quais forem as circunstâncias em que obteve as informações. Ou por mais caráter que você pense que ele tenha.
— Ora… talvez…
— Acredite em mim. Se Theremon descobrir o que acabo de contar para você, pode apostar que no dia seguinte estará nas páginas da Crônica. E isso me arruinaria profissionalmente, Beenay. Já imaginou, passar para a história como a cientista que forneceu aos Apóstolos as provas de que necessitavam para suas teorias absurdas? Os Apóstolos me repugnam, Beenay. Jamais lhes ofereceria qualquer tipo de ajuda e, com certeza, não quero dar a impressão de que concordo com as loucuras que pregam.
— Não se preocupe — disse Beenay. — Não direi uma palavra.
— Acho bom. Como já disse, isso me arruinaria. Voltei à universidade para tentar conseguir novas verbas para minha pesquisa. As descobertas de Thombo já estão provocando uma grande controvérsia no departamento, porque não estão de acordo com o ponto de vista tradicional de que Beklimot é a comunidade urbana mais antiga. Se, além de tudo, Theremon associar meu nome aos Apóstolos do Fogo…
Beenay tinha deixado de prestar atenção. Ele compreendia o problema de Siferra e certamente não faria nada que pudesse prejudicá-la. Theremon não saberia de nada por seu intermédio. Assim, seus pensamentos se voltaram para outras coisas, coisas aterrorizantes. Algumas frases que, segundo Theremon, faziam parte da doutrina dos Apóstolos, continuavam a lhe martelar a memória:
“Daqui a quatorze meses, os sóis vão todos desaparecer… … as Estrelas vão despejar fogo do céu negro… a hora exata da catástrofe pode ser determinada cientificamente… ”
… céu negro…
… os sóis vão desaparecer…
— A Escuridão! — murmurou Beenay. — Será possível? Siferra tinha continuado a falar, mas o comentário do astrônomo a fez interromper o que estava dizendo.
— Você não está prestando atenção, Beenay!
— Eu… o quê? Oh. Oh. Claro que estou prestando atenção! Você estava dizendo que não podemos deixar que Theremon tome conhecimento do que você descobriu, porque sua reputação poderia sofrer e… escute, Siferra, acha que podemos continuar esta conversa em outra hora? Esta noite, ou amanhã de tarde, ou quando for possível? Está na hora de eu voltar para o Observatório.
— Então não devo prendê-lo por mais tempo — disse ela, friamente.
— Não fique ofendida, Siferra. Sua descoberta é extremamente interessante. Na verdade, pode ter uma importância ainda maior do que você imagina. Mas eu preciso verificar uma coisa. Alguma coisa diretamente relacionada ao que você me contou.
A arqueóloga olhou para ele, desconfiada.
— Você parece excitado. Seus olhos estão brilhando. De repente, ficou estranho. Seus pensamentos parecem estar a milhares de quilômetros daqui. Que está acontecendo?
— Eu lhe conto mais tarde — disse Beenay, a caminho da porta. — Mais tarde! Prometo!
Àquela hora, o Observatório estava praticamente deserto. Não havia ninguém ali, a não ser Faro e Thilanda. Para alívio de Beenay, Athor 77 ainda não havia voltado.
Ótimo, pensou Beenay. O esforço para explicar os desvios na órbita do planeta, que levara a hipótese de Kalgash Dois, deixara o velho astrônomo extenuado, melhor poupar-lhe novas preocupações.
O fato de encontrar Faro e Thilanda havia sido uma feliz coincidência. Faro tinha o tipo de raciocínio rápido, sem preconceitos, de que Beenay estava precisando. E Thilanda, que passara tantos anos esquadrinhando os recantos vazios do céu com seu telescópio e sua câmera, talvez pudesse fornecer as informações de que Beenay necessitava no momento.
— Estive revelando chapas o dia inteiro — disse Thilanda, à guisa de saudação. — Mas não adianta. Agora posso afirmar com convicção: não há nada lá em cima no céu, a não ser os seis sóis. Será que o velho perdeu o juízo?
— Acho que não, Thilanda.
— Como explica, então, os meus resultados? Há vários dias que estou fotografando todos os quadrantes do universo. É um programa meticuloso. Fotografar, desviar alguns graus, fotografar de novo. Uma varredura sistemática de toda a esfera celeste. Veja o resultado, Beenay. Uma pilha de fotografias do vazio!
— Se o satélite desconhecido é invisível, Thilanda, o que a faz pensar que pode ser fotografado?
— Invisível a olho nu, talvez. Mas as fotos deviam mostrar…
— Escute, vamos deixar isso de lado por enquanto. Preciso da ajuda de vocês dois em uma questão puramente teórica. Tem a ver com a nova teoria do Dr. Athor.
— Mas se o satélite desconhecido não existir… — protestou Thilanda.
— Não quero discutir isso agora — Beenay a interrompeu. — E não gostaremos quando ele aparecer de não sei onde, bem na nossa cara. Vai me ajudar ou não?
— Bem…
— Ótimo. O que quero que faça é calcular no computador as posições dos seis sóis em um período 420O anos.
— Você disse quatro mil e duzentos anos? — repetiu Thilanda, surpresa.
— Sei que nossos registros cobrem um período muito menor. O que eu quero, Thilanda, é uma projeção das órbitas, com base nas posições conhecidas. Vocês dispõem de pelo menos cem anos de observações confiáveis, não é mesmo?
— Mais do que isso.
— Melhor ainda. Extrapole as órbitas, a partir desses dados, para o passado e para o futuro. Faça o computador dizer onde estavam os sóis a cada dia durante os últimos 21 séculos e onde estarão durante os próximos 21 séculos. Se não puder fazer isso sozinha, estou certo de que Faro concordará em ajudá-la a escrever o programa.
— Acho que dá para fazer o que você quer — disse Thilanda, em tom glacial. — Mas se importa de explicar do que se trata? O Observatório vai publicar um calendário?
— Depois eu explico a você — disse Beenay. — Prometo.
Ele deixou a jovem astrônoma soltando fumaça e foi até o escritório de Athor, onde se sentou diante das três telas que Athor havia usado para chegar à teoria de Kalgash Dois. Ficou olhando por muito tempo para a tela central, que mostrava a órbita de Kalgash, levando em conta as perturbações causadas pelo hipotético Kalgash Dois.
Depois, apertou uma tecla e a suposta órbita de Kalgash Dois apareceu na tela, uma elipse excêntrica que ocupava um espaço muito maior do que a órbita de Kalgash, mais compacta e quase circular. Examinou-a por alguns instantes; depois, apertou as teclas que faziam os sóis serem mostrados na tela. Passou quase uma hora experimentando diferentes configurações: Onos no céu com Tano e Sitha, Onos com Trey e Patru, Onos e Dovim com Trey e Patru, Dovim com Trey e Patru, Dovim com Tano e Sitha, Patru e Trey sozinhos… Aquelas eram as configurações normais.
E as configurações anormais?
Tano e Sitha sozinhos? Não, isso não podia acontecer. As trajetórias dos astros eram tais que Tano e Sitha nunca podiam aparecer naquele hemisfério, a menos que Onos, Dovim ou ambos estivessem visíveis ao mesmo tempo. Talvez isso fosse possível há centenas ou milhares de anos, pensou, embora fosse pouco provável. No momento, porém, era impossível.
Читать дальше