Trey, Patru, Tano e Sitha?
Outra impossibilidade. Os dois pares de sóis ficavam em lados opostos de Kalgash; sempre que um par estava no céu, o outro estava escondido atrás do planeta. Uma vez ou outra, os quatro sóis apareciam juntos no céu, mas Onos estava sempre visível nessas ocasiões. Havia os famosos dias de cinco sóis, que correspondiam aos igualmente famosos dias de um único sol (Dovim) no hemisfério oposto. Eles ocorriam uma vez a cada dois ou três anos.
Trey sem Patru? Tano sem Sitha?
Teoricamente, era possível. Quando um dos pares de sóis estava próximo ao horizonte, durante um breve período, um dos sóis do par podia ficar acima do horizonte e o outro abaixo. Entretanto, isso não era um evento astronômico significativo, mas apenas uma aberração momentânea. Os sóis continuavam a formar um par, ainda que separados temporariamente pela linha do horizonte.
Todos os seis sóis no céu ao mesmo tempo? Impossível!
Pior do que isso… impensável!
No entanto, tinha acabado de pensar nesta possibilidade. A ideia o fez estremecer. Se os seis sóis estivessem ao mesmo tempo acima do horizonte, não restaria nenhum sol para iluminar o hemisfério oposto. Escuridão! Escuridão! Mas a Escuridão era desconhecida em Kalgash, a não ser como um conceito abstrato. Não era possível que os seis sóis se reunissem em uma região do céu, deixando metade do planeta mergulhada em total Escuridão. Isso era inconcebível. Era mesmo?
Beenay parou para pensar. Ouviu mais uma vez a voz grave de Theremon repetindo as previsões dos Apóstolos: “… os sóis vão desaparecer… as Estrelas vão despejar fogo do céu negro…” Sacudiu a cabeça. Tudo que conhecia a respeito dos movimentos dos sóis no céu ia contra a ideia de que os seis se reunissem de um lado de Kalgash ao mesmo tempo. Aquilo simplesmente não podia acontecer, a não ser por milagre. Beenay não acreditava em milagres. Da forma como os sóis se moviam no céu, qualquer ponto da superfície de Kalgash tinha que ser iluminado, a cada instante, por pelo menos um sol.
Esqueça a hipótese dos seis sóis aqui, Escuridão ali. Que restava?
Dovim sozinho, pensou. O pequeno sol vermelho sozinho no céu?
Sim, isso acontecia, se bem que raramente. Nos dias de cinco sóis, em que Tano, Sitha, Trey, Patru e Onos eram vistos no mesmo hemisfério, restava apenas Dovim para iluminar o outro lado do mundo. Beenay imaginou se aquela seria a Escuridão anunciada pelos Apóstolos.
Seria possível? Dovim era um sol relativamente fraco, com uma luz vermelho-arroxeada que as pessoas poderiam confundir com a Escuridão.
Não, não fazia nenhum sentido. Mesmo o pequeno Dovim fornecia iluminação suficiente para que as pessoas não se assustassem com a falta de luz. Além do mais, Dovim aparecia sozinho no céu uma vez a cada dois ou três anos. Era um evento incomum, mas não chegava a ser extraordinário. Se os efeitos psicológicos de ver apenas um sol vermelho no céu fossem sérios, todos na certa estariam aguardando com apreensão a próxima ocorrência do fenômeno, que estava prevista para dali a um ano e pouco.
A verdade, porém, é que ninguém estava preocupado com o assunto.
Por outro lado, se Dovim estivesse sozinho no céu e alguma coisa acontecesse, alguma coisa realmente rara, para bloquear a luz do pequeno sol…
Thilanda apareceu a seu lado e disse, secamente:
— Beenay, seu programa está pronto. Não foi preciso limitar as projeções a um período finito. Faro me ajudou e montamos o programa de tal forma que você pode calcular as posições dos sóis desde a criação do universo até o final dos tempos.
— Ótimo. Transfira o programa para o computador que estou usando, está bem? E peça a Faro para vir aqui.
O pequeno e gorducho aluno de pós-graduação se aproximou com os olhos brilhando de curiosidade. Era evidente que gostaria de fazer mil perguntas acerca do que Beenay estava fazendo. Entretanto, em respeito à relação professor-aluno, ficou em silêncio, esperando que Beenay se pronunciasse.
— O que tenho aqui na tela — começou Beenay — é a órbita proposta pelo Dr. Athor para Kalgash Dois. Vou supor que se trata da órbita correta, já que o Dr. Athor disse-nos que explica perfeitamente as perturbações na órbita do nosso planeta. Tenho também aqui, ou por outra, terei quando Thilanda terminar a transferência, o programa que você e ela acabaram de escrever, que calcula as posições dos sóis a qualquer instante. O que vou fazer agora é verificar se existem ocasiões em que a presença de apenas um sol no céu coincide com a maior aproximação de Kalgash Dois, de modo que…
— De modo que talvez torne possível calcular a frequência de eclipses? — perguntou Faro. — É isso, professor?
A pergunta era tão pertinente que deixou Beenay desconcertado.
— Na verdade, era nisso que eu estava pensando. Você também se interessa por eclipses?
— Comecei a me interessar no dia em que o Dr. Athor nos falou pela primeira vez a respeito de Kalgash Dois. Simbron, como o senhor talvez se lembre, mencionou o fato de que o estranho satélite poderia esconder por algum tempo a luz de alguns dos sóis. O senhor disse que esse fenômeno seria chamado de eclipse. Comecei então a pensar em algumas das possibilidades. Mas o Dr. Athor interrompeu-me antes que eu pudesse dizer alguma coisa, declarando que estava cansado e precisava dormir um pouco.
— E desde aquele dia você não investigou mais o assunto?
— Não — disse Faro.
— Pois agora chegou a sua oportunidade. Vou transferir tudo que está na memória do meu computador para o seu. Nós dois vamos trabalhar separadamente, mas com o mesmo objetivo. O que procuramos é um momento muito especial, em que Kalgash Dois está passando pelo ponto de máxima aproximação do nosso planeta, e ao mesmo tempo só existe um sol no céu.
Faro assentiu e correu para o seu computador. Beenay nunca o vira se dedicar a um problema com tanta sofreguidão. Beenay não esperava ser o primeiro a terminar os cálculos. Faro era um ás em matéria de computadores. A ideia, porém, era duplicar os resultados, para reduzir a possibilidade de erro. Assim, algum tempo depois, quando Faro deixou escapar uma exclamação de triunfo e começou a dizer alguma coisa, Beenay silenciou-o com um gesto e continuou a trabalhar. Os embaraçosos dez minutos a mais que levou lhe pareceram uma eternidade.
Depois, os números começaram a aparecer na tela. Se todos os dados que colocara no computador estavam corretos (a órbita do satélite invisível, os movimentos dos seis sóis no céu), não era provável que houvesse jamais um dia de Escuridão. A única possibilidade era a de ocorrer um eclipse em um dia em que apenas Dovim estivesse no céu. Entretanto, a probabilidade de Kalgash Dois vir a eclipsar Dovim parecia remota. Os dias em que Dovim estava sozinho no céu eram tão raros, que a probabilidade de que isso ocorresse e ao mesmo tempo Kalgash Dois estivesse passando pelo ponto de máxima aproximação devia ser infinitamente pequena.
Seria mesmo?
Não. Não era infinitamente pequena.
Pelo contrário. Olhou de novo para os números na tela. Parecia haver uma pequena possibilidade de convergência. Os cálculos ainda não estavam completos, mas as coisas pareciam caminhar na direção certa à medida que o computador determinava as posições dos sóis no instante de máxima aproximação de Kalgash-Kalgash Dois. Duas conjunções no período de 420O anos de investigação. Cada vez que Kalgash Dois completava uma órbita, chegava às proximidades de Kalgash cada vez mais perto de um dia em que apenas Dovim estaria no céu. Os números continuaram a aparecer, enquanto o computador calculava órbita após órbita.
De repente, ali estava. Os três corpos exatamente alinhados. Kalgash, Kalgash Dois, Dovim!
Читать дальше