James White - Médico espacial

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— Suspender — disse Conway numa voz rouca.

Durante longo tempo ninguém falou, Prillica tremia como se um vento forte soprasse na sala. O Tralthano afadigava-se com todo o equipamento, os quatro olhos focados num trabalho sem importância. O’Mara olhava intensamente para Conway, também de um modo calculador e com urna forte quantidade de simpatia nos seus firmes olhos cinzentos. A Simpatia era porque ele sabia reconhecer quando um homem estava genuinamente aflito, e o cálculo era devido à dificuldade que tinha em saber se o problema se devia ou não a alguma falta de Conway.

— Que aconteceu, Doutor? — disse ele suavemente.

Conway abanou a cabeça, furioso. — Não sei. Ontem o paciente não respondeu à medicamentação, hoje não responde à cirurgia. As suas reacções a qualquer coisa que tentemos fazer por ele são loucas, impossíveis! E agora a nossa tentativa para aliviar cirurgicamente o seu estádio desencadeou qualquer coisa que aprofunda essas raízes o bastante para penetrar os órgãos vitais dentro de minutos se a sua presente rapidez de crescimento se mantiver, e sabem o que isso representa…

— A sensação de angústia do paciente está a diminuir — disse Prilicla. — Ainda está empenhado em pensamento objectivo.

O Tralthano juntou-se à conversa. Disse: — Notei factos peculiares sobre essas raízes que unem os pedaços de pele doente ao corpo. O meu simbiota tem uma visão extremamente sensível, como sabem; e informa que as raízes estão bem presas de ambos os lados, de modo que é impossível saber se a pele está a agarrar-se ao corpo ou se é o corpo que está a agarrar propositadamente a pele ao corpo.

Conway abanou a cabeça distraidamente. O caso estava cheio de contradições loucas e impossibilidades absolutas. Para começar, nenhum paciente, por muito mal que estivesse mentalmente, seria incapaz ide anular os efeitos de uma droga suficientemente poderosa para produzir a cura completa em meia hora, e isso apenas em alguns minutos. Além disso a ordem natural das coisas era a de que uma criatura com uma área doente da pele se libertasse dela e a substituísse com tecido novo, e não agarrar-se a ela, desesperadamente, houvesse o que houvesse. Era um caso pasmoso e desesperado.

No entanto, quando o paciente chegara, parecera um caso simples — Conway sentira-se mais preocupado com o passado do doente do que com a doença, cuja cura considerara uma questão de rotina. Mas ignorara qualquer coisa, durante o caminho. E por causa desse pecado de omissão o doente iria provavelmente morrer dentro de poucas horas. Talvez ele tivesse feito um diagnóstico apressado, por se sentir demasiado seguro de si próprio. Fora criminosamente descuidado.

Eira verdadeiramente horrível perder um paciente em qualquer momento, e no Geral do Sector perder um paciente era uma ocorrência extremamente rara. Mas perder um cujo estado seria considerado muito grave, em qualquer parte da Galáxia civilizada… Conway praguejou fortemente, mas deteve-se porque não tinha as palavras necessárias para descrever como ele se sentia em relação a si próprio.

— Calma, filho.

Era O’Mara, apertando-lhe o braço e falando como um pai. Normalmente, O’Mara era um tirano mal-humorado e com uma voz de toiro, que, quando alguém se dirigia a ele pedindo auxílio, começava a fazer comentários sarcásticos enquanto a pessoa atingida se afligia e desavergonhadamente resolvia os seus próprios problemas. O seu presente comportamento, incaracterístico, indicava alguma coisa. Indicada que Conway tinha um problema que não era capaz de resolver.

Mas na expressão de O’Mara havia mais alguma coisa que simples preocupação por Conway, e no fundo o psicólogo estava um tanto ou quanto satisfeito por as coisas terem decorrido assim. Conway sabia que se o major estivesse na sua posição teria tentado com a mesma energia, ou talvez com mais, curar o paciente, e ter-se-ia sentido igualmente desanimado com o resultado. Mas ao mesmo tempo o Psicólogo-Chefe devia ter estado desesperadamente preocupado com a possibilidade de uma criatura de grandes e desconhecidos poderes, que estava mentalmente desequilibrada, ficar à solta no Hospital. Além do que O’Mara devia também perguntar a si próprio se, ao lado de um EPLH, consciente e vivo, ele não pareceria um rapazinho pequenino e ignorante…

— Tentemos começar outra vez pelo princípio — disse O’Mara, interrompendo os seus pensamentos. — Descobriu alguma coisa na história do doente que o possa levar a querer destruir-se a si próprio?

— Não! — Disse Conway com veemência, — Pelo contrário! Ele queria desesperadamente Viver. Estava a ser submetido a tratamentos de rejuvenescimento não selectivos, o que significa que toda a estrutura celular do seu corpo era regenerada periodicamente. Como o processo de armazenagem da memória é um produto do envelhecimento das células cerebrais, isso devia praticamente deixar a sua mente em branco depois de cada tratamento…

— É por isso que esses livros gravados parecem memórias técnicas — disse O’Mara. — É exactamente o que eles são. Mesmo assim, prefiro o nosso método de rejuvenescimento, mesmo pensando que não vivemos tanto tempo, regenerando apenas os órgãos danificados e deixando o cérebro intocado…

Conway interrompeu-o, perguntando a si próprio qual seria a razão por que o taciturno O’Mara se tornara tão falador, — Bem sei. Mas o efeito dos tratamentos de longevidade continuados, como sabe, é o de dar ao seu possuidor um medo crescente de morrer. Apegar dia solidão, do aborrecimento e da existência nada natural, o medo aumenta sem cessar, com o decurso do tempo. Era por isso que ele viajava sempre com o seu médico particular — estava desesperadamente receoso de contrair doenças ou de um acidente que pudesse ocorrer entre os tratamentos, e é por isso que eu posso simpatizar até certo ponto com os sentimentos dele quando o médico que o devia manter de boa saúde o deixara adoecer. Ainda que aquela coisa de ele o ter devorado depois…

— Portanto você está do lado dele — disse O’Mara, secamente.

— Ele podia fazer uma bela exposição de defesa — retorquiu Conway. — Mas eu dizia que ele tinha um receio desesperado de morrer, de modo que devia estar a tentar constantemente encontrar um médico melhor… Oh! — Oh, o quê? — disse O’Mara.

Foi Prilicla, o sensitivo das emoções, quem respondeu: — O Dr. Conway acaba de ter uma ideia.

— Que é? Não há necessidade alguma de manter segredo! — A voz de O’Mara perdera o seu suave tom paternal e havia um brilho no seu olhar que dizia que ele estava contente por essa suavidade já não ser necessária. — O que é que há?

Sentindo-se feliz e excitado mas ao mesmo tempo muito pouco seguro de si, Conway dirigiu-se ao intercomunicador e ordenou algum material muito pouco vulgar, verificou de novo se o paciente estava bem preso, ao ponto de não poder mover um; músculo, e depois disse: — Creio que o paciente está perfeitamente são e nos temos estado a deixar enganar por uma série de engodos psicológicos. No fim, o mal está em qualquer coisa que ele comeu.

— Tinha apostado comigo próprio em como você acabaria por dizer isso — confessou O’Mara. Parecia agoniado.

O material chegou: uma vara de madeira, aguçada, e um mecanismo que a empurraria para baixo, segundo um certo ângulo, e a uma velocidade determinada. Com o Tralthano a ajudá-lo, Conway montou tudo e colocou a aparelhagem em posição. Escolheu uma parte do corpo do paciente que continha alguns órgãos vitais que, no entanto, estavam protegidos por quase quinze centímetros de músculos e tecidos adiposos. Depois colocou a vara em movimento. Estava a tocar a pele e descia à velocidade de cerca de cinco centímetros por hora.

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