— Doente, não. Farto de tudo. Do senhor. De mim. Doente, não. O medidor. Veja o senhor mesmo.
— O medidor?
A agulha do medidor estava no século 27, firme contra o extremo direito.
— O que aconteceu? — a alegria desapareceu de seu semblante. O horror a substituía.
Harlan tornou-se vulgar. — Dissolvi o mecanismo de fechamento, libertei o controle de impulso.
— Como você conseguiu…
— Eu tinha um chicote neurônico. Desmontei-o e usei sua micro-pilha em raios, como um maçarico. Aí está o que restou dele.
Ele apontou um pequeno monte de fragamentos de metal num canto.
Twissell não estava entendendo. — No século 27? Você quer dizer que Cooper está no século 27…
— Não sei onde está ele — disse Harlan bruscamente. — Acionei o controle de impulso para baixo, mais abaixo do que o século 24. Não sei para onde. Não olhei. Então eu o puxei de volta. Não olhei, também.
Twissell fitou-o, o rosto com uma cor amarelada, pálida e doentia, o lábio inferior tremendo.
— Não sei onde ele está agora — disse Harlan. — Está perdido no Primitivo. O círculo está rompido. Pensei que tudo terminaria quando eu fizesse a coisa. No tempo zero. Isso é tolice. Temos de esperar. Haverá um momento em fisiotempo em que Cooper compreenderá que está no século errado, em que ele fará algo contra a autobiografia, em que ele… — ele se interrompeu e então caiu numa risada forçada e rangente. — Qual a diferença? É somente um atraso, até que Cooper faça o rompimento final no círculo. Não há maneira de se evitar isso. Minutos, horas, dias. Qual a diferença? Já que o atraso está feito, não haverá mais Eternidade. O senhor está me ouvindo?
Este será o fim da Eternidade.
— Por quê? Por quê?
Twissell olhou desamparadamente do medidor para o Técnico, seus olhos refletindo a frustração embaraçada de sua voz.
Harlan levantou a cabeça. Tinha apenas uma palavra a dizer. — Noys!
— A mulher que você trouxe para a Eternidade? — perguntou Twissell.
Harlan sorriu com amargura e nada disse.
— O que tem ela a ver com isso? — perguntou Twissell.
— Grande Tempo! Não o entendo, rapaz.
— O que há para entender? — Harlan ardeu de tristeza.
— Por que o senhor finge ignorância? Tive uma mulher. Fui feliz e ela também. Não fizemos mal a ninguém. Ela não existia na nova Realidade. Que diferença isso teria feito para alguém?
Twissell tentou em vão interrompê-lo.
Harlan gritou. — Mas há normas na Eternidade, não há? Eu as conheço a todas. Ligações exigem permissão; ligações exigem computações; ligações exigem status; ligações são coisas complicadas. O que o senhor estava planejando para Noys quando tudo isso estivesse terminado? Um assento num foguete por colidir? Ou uma posição mais confortável como dama da sociedade para Computadores dignos? O senhor não realizará seus planos, agora, creio.
Ele terminou numa espécie de desespero, e Twissell dirigiu-se rapidamente à Comunitela. Sua função de transmissor havia sido obviamente restabelecida.
O Computador gritou nela até que conseguiu uma resposta. Então disse: — É Twissell. Não permitam a entrada de ninguém aqui. Ninguém, ninguém. Entendeu?… Então cuide disso. Isso se refere aos membros do Conselho Geral. Refere-se a eles, particularmente.
Ele se voltou novamente para Harlan, dizendo distraidamente: — Eles farão isso porque sou velho e membro sênior do Conselho, e porque me acham excêntrico e esquisito. Eles concordam comigo porque sou excêntrico e esquisito.
Por um momento ele caiu num silêncio ruminativo. Então disse: — Você me acha esquisito? — e seu rosto pareceu prontamente a Harlan o de um macaco enrugado.
Grande Tempo, pensou Harlan, o homem está louco. O choque deixou-o louco.
Deu um passo para trás, automaticamente horrorizado com o fato de estar preso com um louco. Então, acalmou-se. O homem, por mais louco que fosse, estava fraco, e mesmo a loucura terminaria em breve.
Em breve? Por que não imediatamente? O que retardava o fim da Eternidade?
Twissell disse (não tinha nenhum cigarro nos dedos; sua mão não fez nenhum movimento para tirar um), numa voz bem insinuante: — Você não me respondeu. Você me acha esquisito? Suponho que sim. Esquisito demais para se conversar. Se me achasse amigo, ao invés de um velho excêntrico, extravagante e imprevizível, você teria me falado abertamente de suas dúvidas. Não teria assumido o modo de agir que assumiu.
Harlan franziu a testa. O homem achava que Harlan estava louco! Era isso!
— Meu modo de agir foi o mais correto — disse ele irritadamente. — Estou completamente são.
— Eu lhe disse que a garota não estava em perigo, você sabe — disse Twissell.
— Fui um idiota em acreditar nisso, mesmo por um instante. Fui um idiota em acreditar que o Conselho seria justo com um Técnico.
— Quem lhe disse que o Conselho sabia algo sobre isso?
— Finge sabia e mandou ao Conselho um relatório a respeito.
— E como você sabe disso?
— Arranquei de Finge à ponta de um chicote neurônico. A ponta ativa de um chicote elimina a comparação de status.
— O mesmo chicote que fez isto? — Twissell apontou para o medidor com a bolha de metal fundido e retorcido pousada sobre o mostrador.
— Sim.
— Um chicote ativo — então, com voz mais alta — sabe por que Finge levou isto ao Conselho, ao invés de cuidar pessoalmente do assunto?
— Porque me odiava e queria ter certeza de que eu perderia minha posição. Ele queria Noys.
— Você é ingênuo! — disse Twissell. — Se ele quisesse a garota, poderia ter arranjado uma ligação facilmente. Um Técnico não teria atrapalhado. O homem odiava a mim, rapaz. (Nada de cigarro, ainda. Ele parecia esquisito, sem um deles, e o dedo manchado que levou ao peito quando pronunciou o último pronome pareceu quase indecentemente nu.)
— O senhor?
— Há coisas, rapaz, tais como política de Conselho. Nem todo Computador é nomeado para o Conselho. Finge queria uma nomeação. Finge é ambicioso e desejava isso ardentemente.
Evitei isso porque eu o achava emocionalmente instável. Tempo, nunca avaliei bem quanta razão eu tinha… Olhe, rapaz, ele sabia que você era um protegido meu. Ele me viu tirar você do serviço de Observador e torná-lo um Técnico superior. Viu você constantemente trabalhando para mim. Que maneira melhor para vingar-se de mim e destruir minha influência? Se conseguisse provar que meu Técnico preferido era culpado de um crime terrível contra a Eternidade, isso refletiria em mim. Isso poderia forçar minha demissão do Conselho Geral, e quem você supõe que seria então o sucesso lógico?
Sua mão vazia moveu-se para a boca, e como nada aconteceu, ele olhou inexpressivamente para o espaço entre o dedo e o polegar.
Ele não está tão calmo como tenta aparentar — pensou Harlan. Não pode estar. Mas por que fala todos esses absurdos agora! com a Eternidade terminando?
Então, em agonia: Mas por que ela não termina, então? Agora!
— Quando permiti que você procurasse Finge, bem recentemente — disse Twissell — quase suspeitei de perigo. Mas as memórias de Mallansohn diziam que você estava fora no último mês e não se oferecia nenhuma outra razão natural para a sua ausência. Felizmente, Finge jogou mal a sua cartada.
— Em que aspecto? — perguntou Harlan, enfastiado. Ele não se importava, realmente, mas Twissell falava cada vez mais, e era mais fácil tomar parte do que tentar expulsar o som de seus ouvidos.
Twissell disse: — Finge etiquetou seu relatório: “A respeito da conduta antiprofissional do Técnico Andrew Harlan”. Ele estava sendo o Eterno conciencioso, você vê, sendo frio, imparcial, calmo. Estava deixando que o Conselho se enfurecesse e se atirasse contra mim. Infelizmente para si próprio, ele não sabia sua real importância.
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