— Sim, Administrador? O senhor tem algo a tratar comigo?
O Administrador não pareceu de forma alguma incomodado pela agressividade da pergunta. — Você tem uma entrevista com o Computador Sênior Twissell? — perguntou ele.
— Bem?
— Estou aqui para informá-lo de que está atrasado. Harlan fitou-o. — Que negócio é esse? O senhor não é do 575, é?
— Minha estação é o século 222 — respondeu o outro friamente. — Assistente de Administração Arbut Lemm. Estou encarregado dos arranjos e estou tentando evitar demasiada excitação, deixando de lado a notificação oficial através da Comunitela.
— Que arranjos? Que excitação? Que negócio é esse? Ouça, tive entrevistas com Twissell antes. Ele é meu superior. Não há excitação envolvida.
Um olhar de surpresa passou momentaneamente pela falta de expressão estudada que o Administrador até então tinha conservado no rosto. — Você não foi informado?
— Do quê?
— Ora, de que um subcomitê do Conselho Geral está presidindo sessão aqui no século 575. Este lugar, disseram-me, está animado com as notícias há horas.
— E eles querem ver-me?
Tão logo perguntou isso, Harlan pensou: É claro que querem ver-me. A respeito de que mais poderia ser a sessão, senão de mim.
E ele entendeu o divertimento do Computador Júnior na noite anterior, diante da porta de Twissell. O Computador sabia da reunião programada do comitê e divertiu-lhe pensar que um Técnico poderia possivelmente esperar ver Twissell uma hora como aquela. Bastante engraçado, pensou Harlan amargamente.
— Tenho minhas ordens — disse o Administrador. — Nada mais sei.
Então, ainda surpreso: — Você não ouviu nada a respeito?
— Os Técnicos — disse Harlan sarcasticamente — levam vidas camufladas.
Cinco, além de Twissell! Todos os Computadores Sêniores, nenhum deles com menos de trinta e cinco anos como Eterno.
Seis semanas antes, Harlan teria sido dominado pela honra de sentar-se à mesa com tal grupo, teria tido a língua atada pela combinação de responsabilidade e poder que eles representavam. Eles lhe teriam parecido possuir duas vezes o tamanho natural.
Mas agora eles eram seus antagonistas; pior ainda, juizes. Ele não tinha tempo de ficar impressionado. Precisava planejar sua estratégia.
Eles poderiam não saber de que ele estava consciente de que tinham Noys. Poderiam não saber, a menos que Finge lhes falasse de seu último encontro com Harlan. Na clara luz do dia, entretanto, ele estava mais que convencido de que Finge não era o tipo de homem para espalhar publicamente que havia sido intimidado e insultado por um Técnico.
Parecia aconselhável para Harlan, então, resguardar essa possível vantagem, por enquanto, e deixar que eles fizessem o primeiro movimento, que dissessem a primeira sentença que iniciaria o verdadeiro combate.
Eles não pareciam apressados. Fitaram-no placidamente por sobre um almoço abstêmio como se ele fosse um espécime interessante, preso, de membros abertos contra um plano de força, por leves repulsores. Harlan olhou para trás em desespero.
Conhecia todos eles por reputação e reproduções tridimensionais nos filmes fisiomensais de orientação. Os filmes coordenavam os desenvolvimentos por todos os vários Setores da Eternidade e suas projeções eram requeridas por todos os Eternos com grau de Observador para cima.
August Sennor, o careca (nem mesmo sobrancelhas ou cílios), naturalmente atraiu mais a Harlan. Primeiro, porque a estranha aparência daqueles olhos escuros e fixos contra pálpebras e testa nuas era notadamente mais forte em pessoa do que sempre parecera em tridimensional. Segundo, porque estava inteirado de colisões passadas de pontos de vista entre Sennor e Twissell. Finalmente, porque Sennor não se limitava a observar Harlan. Lançava-lhe perguntas em voz clara.
Na maior parte, suas perguntas foram irrespondíveis, tais como: — Como é que você veio a interessar-se pela primeira vez em tempos Primitivos, jovem? Acha o estudo compensador, jovem?
Finalmente, ele pareceu acomodar-se em sua cadeira. Empurrou seu prato casualmente para a rampa de transporte e afivelou despreocupadamente os grossos dedos diante dele. (Harlan notou que não havia pelos nas costas das mãos.)
Há algo que eu sempre quis saber — disse Sennor, — Talvez você possa me ajudar.
Certamente, agora, é o momento, pensou Harlan.
Em voz alta ele disse: — Se eu puder, senhor.
— Alguns de nós, aqui na Eternidade — não direi todos, ou mesmo vários (e lançou um rápido olhar ao rosto cansado de Twissell, enquanto os outros se aproximavam para ouvir) mas alguns, de qualquer forma, estão interessados na filosofia do Tempo. Talvez você saiba o que quero dizer.
— Os paradoxos da viagem no Tempo, senhor?
— Bem, se quer referir-se a isso melodramaticamente, sim. Mas isto não é tudo, é claro. Há a questão da verdadeira natureza da Eternidade, a questão da conservação de energia em massa durante Mudanças de Realidade e assim por diante. Agora nós da Eternidade estamos influenciados em nossa consideração de tais coisas por sabermos os fatos da viagem no Tempo. Suas criaturas da era Primitiva, entretanto, nada sabiam a respeito. Quais eram os pontos de vista deles quanto ao assunto.
O sussurro de Twissell espalhou-se pela extensão da mesa. — Armadilha!
Mas Sennor ignorou aquilo. — Quer responder minha pergunta, Técnico? — disse ele.
— Na verdade — disse Harlan — os Primitivos não pensaram na viagem no Tempo, Computador.
— Não a consideravam possível, hem?
— Creio que seja isso.
— Nem mesmo especulavam?
— Bem, quanto a isso — disse Harlan, incerto — creio que havia diversas especulações em alguns tipos de literatura escapista. Não estou bem informado a respeito, mas creio que um tema recorrente era aquele do homem que voltava no Tempo para matar seu próprio avô quando criança.
Sennor pareceu encantado. — Magnífico! Magnífico! Afinal, esta é pelo menos uma expressão do paradoxo básico da viagem no Tempo, se presumirmos uma Realidade indesviável, hem? Agora os seus Primitivos, aventuro-me a declarar, nunca presumiram nada senão uma Realidade indesviável. Estou certo?
Harlan esperou para responder. Ele não via o que visava a conversa ou quais eram os propósitos mais profundos de Sennor, e isso o enervava. — Não sei o suficiente para responder-lhe com certeza, senhor — disse ele. — Creio que possam ter havido especulação quanto a caminhos alternados de tempo ou planos de existência. Não sei.
Sennor empurrou para fora o lábio inferior. — Estou certo de que você se engana. Você pode ter sido iludido por ler seu próprio conhecimento em várias ambigüidades por que pode ter passado. Não, sem verdadeira experiência de viagem no Tempo, as complexidades filosóficas da Realidade estariam totalmente além da mente humana.
Por exemplo: por que a Realidade possui inércia? Todos nós sabemos que possui. Qualquer alteração em seu fluxo deve alcançar uma certa dimensão, antes que uma Mudança, uma verdadeira Mudança, seja efetuada. Mesmo então, a Realidade tem uma tendência a fluir de volta à sua posição original.
— Por exemplo, suponha uma Mudança aqui no século 575. A Realidade mudará, com efeitos crescentes talvez até o século 600. Este mudaria, mas com efeitos continuamente menores até talvez o século 650. Depois disso, a Realidade não será mudada. Todos nós sabemos que é assim, mas algum de nós sabe por que é assim? O raciocínio intuitivo sugeriria que qualquer Mudança de Realidade aumentaria seus efeitos sem limite, à medida que os séculos passassem; contudo, não é assim.
— Tomemos outro ponto. O Técnico Harlan, conforme me foi dito, é excelente em escolher exatamente a Mínima Mudança Requerida para qualquer situação. Aposto como ele não consegue explicar como se decide quanto às suas próprias escolhas.
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