— Imaginem quão indefesos os Primitivos devem ser. Preocupam-se com um homem que mata o próprio avô porque não entendeu a verdade sobre a Realidade. Tomemos um caso mais provável e mais facilmente analisado e consideremos o homem que em suas viagens através do Tempo encontra consigo mesmo…
— Que é que tem o homem que encontra consigo mesmo? — interveio Harlan estridentemente.
O fato de Harlan ter interrompido um Computador era, em si, uma falta de polidez. Seu tom de voz piorou a falta, tornando-a de alcance escandaloso, e todos os olhos fixaram-se no Técnico de modo repreensivo.
Sennor agitou-se, mas falou no tom forçado de alguém determinado a ser polido apesar das dificuldades quase insuperáveis. Continuando sua sentença quebrada e assim evitando a aparência de responder diretamente à pergunta descortês que lhe fora dirigida, ele disse:
— E as quatro subdivisões na qual tal ato pode cair. Chamamos de A o homem anterior em fisiotempo, e o posterior, de B.
Subdivisão um: A e B podem não ver um ao outro, ou fazer qualquer coisa que afete significantemente um ao outro. Neste caso, eles não se encontraram realmente, e podemos rejeitar esse caso como trivial.
— Ou B, o indivíduo posterior, pode ver A enquanto A não vê B. Aqui, também, não se precisa esperar por conseqüências sérias. B, vendo A, vê-o numa posição e empenhado numa atividade da qual já tem conhecimento. Não há nada de novo envolvido.
— As possibilidades três e quatro são que A vê B enquanto B não vê A, e que A e B vêem-se um ao outro. Em cada possibilidade, o ponto sério é que A viu B; o homem, num estágio anterior de sua existência fisiológica, vê a si mesmo num estágio posterior. Observem que ele percebeu que estará vivo na idade aparente de B. Sabe que viverá o tempo suficiente para desempenhar a ação que presenciou. Agora, um homem, sabendo seu futuro em seu pormenores, pode influenciar esse conhecimento e conseqüentemente mudar seu futuro. Segue-se que a Realidade deve ser mudada a ponto de não permitir que A e B se encontrem ou, no mínimo, de evitar que A veja B. Então, desde que nada pode ser detectado numa Realidade tornada não-Real, A nunca encontrou-se com B. Similarmente, em todos os aparentes paradoxos da viagem no Tempo, a Realidade sempre muda para evitar o paradoxo, e chegamos à conclusão de que não há paradoxos na viagem no Tempo e que não pode haver nenhum.
Sennor parecia bem satisfeito consigo mesmo e com sua exposição, mas Twissell levantou-se.
— Creio, cavalheiros — disse Twissell — que o tempo urge.
Muito mais subitamente do que Harlan teria imaginado, o almoço estava terminado. Cinco dos membros do subcomitê retiraram-se em fila, acenando-lhe com a cabeça, com o ar daqueles cuja curiosidade, branda, no melhor dos casos, havia sido satisfeita. Somente Sennor estendeu a mão e acrescentou ao aceno um áspero — bom dia, jovem.
Com sentimentos mistos, Harlan observou-os sair. Qual teria sido o propósito do almoço? Mais que tudo, por que a referência aos homens se encontrando? Eles não haviam feito menção a Noys. Teriam eles estado ali, então, apenas para estudá-lo? Examiná-lo da cabeça aos pés e deixá-lo para o jugo de Twissell?
Twissell retornou à mesa, agora sem alimentos e talheres. Ele estava sozinho com Harlan agora e, como se para simbolizá-lo, brandia novo cigarro entre os dedos.
— E agora ao trabalho, Harlan — disse ele. — Temos um bocado a fazer.
Mas Harlan não podia, não esperaria mais. — Antes de fazermos qualquer coisa — disse ele de modo categórico — tenho algo a dizer.
Twissell pareceu surpreso. A pele de seu rosto contraiuse em torno dos olhos sumidos, e ele bateu a cinza do cigarro pensativamente.
— Sem dúvida, fale, se quiser — disse ele — mas primeiro sente-se, sente-se, rapaz.
O Técnico Andrew Harlan não se sentou. Andou para lá e para cá ao lado da mesa, mastigando suas sentenças para não deixá-las esquentar e efervescer em incoerência.
A cabeça em forma de maçã amadurecida do Computador Sênior Laban Twissell virava para trás e para a frente, à medida que ele seguia os passos nervosos do outro.
— Durante semanas estive vendo filmes sobre a história da matemática — disse Harlan. — Livros de diversas Realidades do século 575. As Realidades não importam muito.
A matemática não muda. A ordem de seu desenvolvimento não muda também. Não importa quanto a Realidade se altere; a história da matemática continua quase a mesma. Os matemáticos mudaram; matemáticos diferentes fizeram descobertas, mas os resultados finais… De qualquer forma, consegui com esforço entender um bocado a respeito. O que lhe parece isso?
Twissell franziu os sobrolhos e disse: — Uma ocupação estranha para um Técnico.
— Mas não sou apenas um Técnico — disse Harlan.
— O senhor sabe disso.
— Continue — disse Twissell, fitando o relógio que usava. Os dedos que seguravam o cigarro brandiam-no com nervosismo incomum.
— Houve um homem chamado Vikkor Mallansohn que viveu no século 24 — disse Harlan. — Este século faz parte da época primitiva, o senhor sabe. A coisa pela qual ele é mais conhecido é o fato de que foi o primeiro a construir com êxito um Campo Temporal. Isso significa, naturalmente, que ele inventou a Eternidade, desde que esta é somente um tremendo Campo Temporal em curto-circuito com o Tempo comum e livre das limitações do mesmo.
— Foi-lhe ensinado isso quando Aprendiz, rapaz.
— Mas não me foi ensinado que Vikkor Mallansohn poderia não ter inventado o Campo Temporal no século 24. Nem ninguém mais poderia. Suas bases matemáticas não existiam.
As equações fundamentais de Lefebvre não existiam; nem poderiam ter existido antes das pesquisas de Jan Verdeer, no século 27.
Se havia algum sinal pelo qual o Computador Sênior Twissell pudesse demonstrar completo assombro, era o de soltar o cigarro. Ele o soltou então. Até mesmo seu sorriso se foi.
— Foram-lhe ensinadas as equações de Lefebvre, rapaz? — perguntou ele.
— Não. E não digo que as entendo. Mas elas são necessárias para o Campo Temporal. Isso eu aprendi. E não foram descobertas até o século 27. Sei disso, também.
Twissell inclinou-se para apanhar seu cigarro e fitou-o indeciso. — E daí se Mallansohn tivesse descoberto por acaso o Campo Temporal sem estar consciente da justificação matemática? E daí se fosse simplesmente uma descoberta empírica? Têm havido muitas iguais.
— Pensei nisso. Mas depois que o Campo foi inventado, levou-se três séculos para elaborar suas implicações e, findo esse prazo, não houve sequer uma maneira pela qual o Campo de Mallansohn pudesse ser aperfeiçoado. Isso não poderia ser coincidência. Por centenas de maneiras, o projeto de Mallansohn mostrou que ele deve ter usado as equações de Lefebvre. Se ele as conhecesse ou as tivesse desenvolvido sem o trabalho de Verdeer, o que é impossível, por que ele não o teria dito?
— Você insiste em falar como um matemático — disse Twissell. — Quem lhe contou tudo isso?
— Estive vendo filmes.
— Nada mais?
— E pensando.
— Sem treinamento matemático avançado? Eu o estive observando cuidadosamente durante anos, rapaz, e não teria adivinhado esse seu talento particular. Continue.
— A Eternidade nunca poderia ter sido estabelecida sem a descoberta do Campo Temporal por Mallansohn. Mallansohn nunca poderia tê-lo concluído sem um conhecimento de matemática que existia somente em seu futuro. Este é o número um. Entrementes, aqui na Eternidade, neste momento, há um Aprendiz que foi escolhido como Eterno contra todas as regras, desde que era idoso demais e, além disso, casado. O senhor o está educando em matemática e em sociologia Primitiva.
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