Francisco Abreu - A Revolução Portugueza - O 5 de Outubro (Lisboa 1910)

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Vejamos agora outro ponto do regicidio muito discutido até pelas proprias testemunhas do acto: quem atirou primeiro sobre a carruagem real? Foi Alfredo Costa ou o professor Buiça? Tentemos esmiuçal-o.

Assim que a familia real, vinda de Villa Viçosa, desembarcou na ponte dos vapores do Sul e Sueste, o rei Carlos approximou-se do tenente-coronel Dias, que dirigia no local o serviço da policia fardada, e perguntou-lhe á queima roupa:

Isto … como vae?

( Isto era a situação da população lisbonense, o estado da opinião publica após o famoso decreto de morte civil ).

O tenente-coronel Dias hesitou um momento antes de responder, mas, quando se decidiu a fazel-o, disse peremptoriamente ao monarcha:

– Meu senhor, isto vae muito mal!..

D. Carlos encolheu os hombros n'um significativo desdem e foi falar ao primeiro ministro que, dir-se-hia, esfregava as mãos de contente pelo que a publicação do tal decreto representava de força do ministerio e de provocação altiva, ironica, de desafio insolente á ralé insubordinada . Não sabemos o teor d'essa conversa; mas é de crer que o monarcha houvesse interrogado o dictador de modo identico ao do tenente-coronel Dias, e que o dictador, emphatico, lhe tivesse respondido de modo differente do do mesmo tenente-coronel. O primeiro ministro, n'essa altura, ainda desprezava a agitação da escumalha , considerando-a incapaz de ferir o poder real, que elle procurava engrandecer.

D'ahi a instantes, a familia real sahiu da estação do Sul e Sueste e tomou logar n'uma carruagem descoberta. A multidão formava alas pouco compactas para a ver passar. Em frente das arcadas do ministerio da fazenda, um homem que até então se conservara immovel e sereno do lado da Praça do Commercio, olhou para um outro que se especára mais aquem e transmittiu-lhe um imperceptivel signal de cabeça. O segundo fez um gesto affirmativo e o primeiro, saltando para o meio da rua, desembaraçou-se do varino que tinha dependurado dos hombros e, apontando uma carabina á capota da carruagem real, desfechou-a. Esse homem, o professor Buiça, fizera tudo isso n'um relampago. O rei Carlos agonisou… Quasi ao mesmo tempo, a carruagem real era atacada de flanco pelo outro homem empunhando uma pistola Browning. Alfredo Costa, correndo por diante d'um antigo kiosque da Praça do Commercio, conseguira alcançal-a na volta para a rua do Arsenal. O principe Luiz Filippe ergueu meio corpo no vehiculo e, tambem de pistola em punho, tentou attingir o regicida. Mas feriram-n'o de morte como ao rei Carlos. A rainha Amelia, vendo a curta distancia da carruagem um terceiro individuo em attitude hostil, quiz sacudil-o, ameaçando-o com o ramo de flores que tinha na mão, mas n'esse momento o panico já era enorme e, dentro de segundos, o Terreiro do Paço transformava-se em verdadeiro campo de batalha, onde os defensores do regimen disparavam á tôa e a maioria dos populares fugia em diversas direcções, confusos, medrosos, sem atinar com a importancia do facto que acabavam de presenciar.

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Em 1891, por occasião da revolta do Porto, não succedeu assim. «Para o paço de Belem havia desde manhã cedo enorme affluencia de personagens officiaes» – dissemol-o no 31 de Janeiro. – «Todos á porfia accorriam á regia morada». Quasi vinte annos depois, no instante do perigo, fugiam d'ella…

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