Lorenzo Longo - Crónicas Eróticas, Irónicas, Um Pouco Espaciais

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Lorenzo Longo

Lorenzo Longo

C RÓNICAS ERÓTICAS, IRÓNICAS, UM POUCO ESPACIAIS.

tradução: Aderito Francisco Huo

© Lorenzo Longo 2019

Espaço-tempo

Estava no comboio que me levava para Milano, respirava o habitual ar do comboio, um misto de depressão e solidão, muito próximos à Puglia para não sentir a falta dos amigos e lugares, muito distante do destino para se sentir eufóricos no regresso a “casa”. Em cada estação o mesmo espectáculo: namoradinhos que beijocavam-se antes de separar-se, famílias que acompanhavam o papá, grupos de trabalhadores empenhados com sacos e mãos com dedos grossos como pepinos, grupos de trabalhadores de qualidade que esconjuravam o seu evidente estado de emigrantes vestindo elegantemente e manejando as últimas novidades da electrónica e sobretudo trazendo na mão uma reserva para um confortável beliche e não um simples lugar para sentar.

Eu, sempre a balançar entre a observação e a vida do presente modulava as minhas emoções passando dum ao outro estado, após a primeira hora de viagem sentia-me projectado numa outra dimensão espácio-temporal: o comboio desengatava-se dos carris e voava como naquele cartão/desenhos animados Galaxi Express 999 e presentemente todos os hóspedes sentiam-se projectados numa realidade com regras, hábitos, vários desejos.

A minha viagem tinha algumas paragens fixas: no principio lia o meu livro procurando evitar de bater papo com os outros passageiros, depois ficava fora do compartimento no corredor reparando e perscrutando novas chegadas, deslocações, depois um demorado passeio nos outros vagões à procura de rostos conhecidos ou caras femininas… a novidade do beliche para as mulheres tinha povoado os comboios de raparigas mas fechavam-se de novo no seu bunker ciumentas do seu estado de apartheid, depois havia os vagões dos lugares sentados, também eles povoados de rapazes e raparigas, sobretudo estudantes, corajosas, impávidas dos riscos do comboio nocturno, habituadas à vida dura dos deslocados. Naquela noite tinha um lugar para sentar e preferia-o, as incríveis mudanças da população do comboio da noite excitava-me e muito cedo o observador deixava o lugar a um cínico pesquisador de vicissitudes humanas.

A minha técnica era sempre a mesma: no princípio lia, abstraia-me à chegada dos viajantes que partilhariam o meu compartimento. Depois quando se enchia e a gente queria começar a dormir (incrível como a vontade de dormir torna-se forte no comboio) eu saia com o meu livro para ler à luz fraca no corredor do comboio, realmente os meus sensores punham-se à escuta de qualquer emoção, sensação, desejo que passasse nas proximidades… Esperava a passagem de alguma rapariga que tivesse o prazer de esfregar-se passando pelo corredor estreito (pouquíssimas), esperava nalguma pausa nas minhas proximidades dalguma mulher graciosa para poder talvez falarmo-nos e namoricar.

Depois dalguns minutos eis que uma para nas proximidades, um sorriso, um movimento irregular do comboio e aqui estamos próximos a desculparmo-nos e logo depois a falar. Estuda arquitectura, em Torino, Loredana, ultimo ano, o namorado está em Puglia e ela volta regularmente para encontrá-lo. Conversamos muito de todos os assuntos, concordamos sobre diversos assuntos, cresce a simpatia, enquanto falamos deixamos passar passageiros com malas gigantes e muitas vezes infiltrávamo-nos contra as paredes para deixar-lhes passar, dêmo-nos cúmplices, começamos a murmurar intimamente e a criticar para direita e para esquerda quaisquer passos mesmo a 1 quilómetro de distância, vimo-nos outra vez quase possuídos daquela que em Monopólio chama-se “aperta-lhe” uma condição semelhante à embriaguez, pelo qual ri-se por nada mas em simbiose.

Toco-lhe os ombros, ela pega-me as mãos, as bocas ficam a 20 cm de distância, as pernas tocam-se, sempre um sobressalto da locomotiva empurra-me contra ela. Encontramos a desculpa que estamos a incomodar aqueles que dormem para irmos num lugar mais calmo, mas não achamos, enquanto íamos sem rumo nenhum lugar nos satisfaz, talvez estão todos bastante cheios, encosto-a ali quase por brincadeira, o ímpeto não me permite de reflectir que já tenho em mente um desenho bem definido: “e se fossemos na casa de banho?”.

Risadas, e como por brincadeira entramos, mal fechada a porta explodimos num beijo apaixonado, é baixinha, por isso tenho que inclinar muito, sem pensar duas vezes baixa as minhas calças e com um simples gesto tendo uma saia leve despiu as cuecas virou e inclina ligeiramente, penetro-a com um empurrão ligeiro. Cessamos de rir, desfrutamos intensamente, não é lindíssima mas uma incrível essência de comboio paira no ar, vejo-a muito sexy, os seus gestos inseridos no contexto são intensos, excitantes, pego-a com o verdadeiro prazer, penso que no comboio os valores em campo modificam-se, a estética deforma-se como impressionada pela força dum buraco preto, que revira, plasma, molda com novos cânones. É verdade estou a desfrutar há muitos e intensos minutos, não tenho vontade de esperar nem um instante, mas o meu orgasmo tem os seus habituais tempos por isso prossigo concentrado sobre mim mesmo e vejo-a no espelho opaco da casa de banho do comboio desvairada e sonhadora, a sua vontade lhe manifestou inesperada e agora presa entre os fogos da paixão, do sexo, do forte sentimento do inesperado e do desconhecido desfruta também morde-se os lábios para não deixar-se ouvir. A posição não é das mais confortáveis por causa de muitos cm de diferença mas em certas ocasiões a altura, não sei como, consegue sempre para não ser um problema, dalgum modo, segurando-lhe ora uma perna, ora segurando-se ela mesma sobre algum ponto de apoio, a penetração procedia fluida, intensa, viva, progressiva. De repente, incidente dramático, toca o seu celular.

Como se estivesse no teletransporte da Enterprise e tivesse sido, a dado passo, teletransportada numa outra dimensão vejo-a desmaterializar-se, durante algum instante pela inércia continua a mover-se ao meu ritmo mas já está ausente, outros poucos empurrões e se subtrai à penetração, a esfrega continua da saída provoca-lhe talvez alguma ultima e intensa manifestação de prazer mas o sente o corpo não a cabeça, rapidamente vestiu-se, arrumou-se, como se o namorado não estivesse ao telemóvel mas fora da casa de banho, e com um gesto fulminante sai deixando-me semi-nu, com o pénis vermelho rubro todo molhado pelo seu desejo mas enfim abandonado, triste e desolado…

Não a vi mais durante toda a noite, nem procurei nela, sabia que tinha feito parte durante uma hora da minha viagem mas enfim aquele sonho tinha esmorecido, inútil procurar lembrá-lo, consciente destas regras de ferro parti de novo donde tinha deixado, nas proximidades do meu compartimento.

São 23:00, enfim a maioria dorme, passamos quase todas as cidades da Puglia onde acontece a copiosa subida de passageiros, falta Foggia, ou não? Não sei, em todo o caso o movimento no corredor terminou, as brincadeiras foram feitas, agora não resta que esperar num golpe de sorte no interior do compartimento.

Entro, já estão ocupados 3 lugares, o meu é o 44, estou no meio entre a janelinha e o corredor, máxima possibilidade de estar próximo a uma mulher. O lugar a frente está desocupado, os 2 perto da janelinha ocupados, um rapaz e uma rapariga, casal de namorados, talvez. Aproximaram-se aos 2 lugares frontais e estenderam-se: a rapariga é protegida no meio contra a janelinha, um homenzarrão pelo contrário ocupa o lugar perto do corredor, uma sacola desportiva mas na realidade tido como prenda com a colecção de pontos Q8 dá-se ares de importante nos respectivos espaços. Dorme, ultrapasso-o saltando-o com calma e atenção e penso ao coitado que dormirá em frente dele: onde vai colocar as pernas? Ajeito-me no meu lugar, visto que estou sozinho e vista a hora deito-me no meu lugar e naquele frontal, aqui está a minha cama, bastante curta para ser cómodo mas suficientemente alargado para colocar-se na horizontal. Para o resto correu mal, seja para direita como para esquerda nada que possa transmudar-se em oportunidade…

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