Lorenzo Longo - Crónicas Eróticas, Irónicas, Um Pouco Espaciais

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Mesmo o homenzarrão consegue deixar visionar o seu documento de viagem e prontamente remete-se a dormir, o fiscal, com falsa educação apaga a luz e deseja precisamente “boa noite!” eu com negligência posiciono-me de costas aos dois, espero que não tenha visto que antes da entrada do fiscal estava no outro sentido. Continua a observar-me, depois o cérebro começa a mandar-lhe sinais de calma, a realidade apoderava-se dele, a paranóia aparente o abandona e dócil volta a dormir, mas como uma gazela que controla a chegada de alguns predadores abaixa-se por último, quando está convicto de ter visionado cada detalhe da savana circunstante.

Eu enfim destrocei os receios duma reacção, mas sinto também um profundo ressentimento pela situação e por aquele maldito fiscal, estragou-me o jogo no momento mais importante, assim que começo a pensar na cena de poucos minutos antes excito-me mas não ouso virar-me, enfim mesmo este encantamento fica rompido… resolvo de colocar-me serenamente a dormir… mas passam os minutos, passam as horas e os meus olhos estão dramaticamente escancarados, as expectativas ausentes, ou talvez o perigo evitado, mantenho-me acordado e não há como adormecer. Dissipo as reservas e vou dar dois passos no corredor. O relógio mostra 3:00, estou no coração da noite, não há esperança de encontrar alguém, todavia prossigo… percebo que passamos Rimini e aproximamo-nos a Bolonha, dentro duma hora a primeira sessão de tristes e sonolentos passageiros descerá para começar uma outra inevitável semana de trabalho. Começo a viagem na viagem, atravesso os vagões como assoalhadas duma casa, dou uma olhadela ali onde está aberta a porta, aproximo ao vidro até vencer o reflexo onde está fechada, muitos dormem ou tentam fechar os olhos, alguns falam porque já convencidos que não conseguem dormir por isso tanto vale… nos compartimentos fechados consomem os segredos do comboio nocturno, eu sei, basta procurar, me servem dois ou três vagões e aqui está um interessante, dois jovens beijam-se, ele enfia as mãos debaixo da blusa mas ela interrompe-o, passo seguindo em frente, não queria ser visto a espiar, o seu grau de atenção é bastante elevado. Passo outros vagões e a vista fica sempre atenta, oiço umas estrondosas risadas, num compartimento existe 3 raparigas e 3 rapazes, máxima probabilidade de acasalamento, se sabem brincar e não esquecem a teoria de Nash pelo menos um número de telefone o recuperam, mas no comboio não vão concluir nada… os rapazes dão o melhor de si, são simpáticos, competem para criar gracinhas divertidas. O macho sendo banal e inferior consegue conquistar uma mulher com ironia, a sedução, um toque quente. A mulher desce do seu pedestal de altivez e ajoelha-se para abeberar-se da inferioridade masculina, para provar o instinto ainda tão vivo nele, tão evidente, tão descoberto, pelo contrário nele vai ser descoberto de novo, desmascarado… enquanto faça estas altíssimas reflexões passo diante dum compartimento perfeitamente encerrado, não consigo visualizar dentro porque as cortinas estão cuidadosamente fechadas, mas de imediato descubro um buraco, um homem e uma mulher fazem sexo, ela está por cima dele e deixa-se baloiçar pelo movimento estouvado pelo comboio, parece estar a participar com muita paixão, desfruta e parece estar a desfrutar pela primeira vez, mexe-se mas não demasiado, não precisa para passar o limiar do prazer, fica sem razão, está apaixonada pelo seu homem, deseja-o e acolhe-o voluptuosa dentro de si. O seu tronco mostra uns ombros robustos pouco femininos mas ao mesmo tempo dois poderosos seios fazem uma pausa prolongada na boca e nas mãos do seu homem, que lhes plasma, lhes anela com tudo a si mesmo, ela pelo contrário está toda concentrada no seu clítoris, empurra para frente o corpo para embater contra a bacia dele que não percebe mas prossegue por instinto, de vez em quando levanta-se nas coxas e lhe esbarra na cara com os seios, depois cai em baixo como um peso morto e retoma o bailado. A luz avara consegue iluminar os seus olhos de gelo, cintilar na noite quando se abrem porque muitas vezes os têm fechado, “que meigo” pois sim. O ímpeto do acto aumenta, o homem fica mais frenético, a mulher abranda, quer que dure o paraíso na terra, “parvo auxilia-a” a dado passo queria dizer-lhe, mas fico calado por óbvios motivos. Continuo a desfrutar o dueto até que ele parece depois de alguns movimentos muitos velozes acalmar-se, o orgasmo chegou, parece também para ela que continua a beijá-lo afectuosamente, ele um pouco avesso, um pouco está com o pensamento para onde “descarregar” o saquinho que encheu com o seu esperma, a magia apaga-se e começa o revestimento, é hora de abandonar o lugar da descoberta, diverti-me, enfio-me de repente no compartimento de lado felizmente vazio, o homem desce do seu e dirige-se à casa de banho, assim que sinto-o a entrar na casa de banho saio e vou visitar a mulher, então no compartimento duma forma muito decisiva, já está vestida, não se espanta ao ver-me, diz:”agradou-te vendo-me? Fui extravagante?”

Esboço um tom de espanto mas depois supero:

“Muitíssimo, é uma deusa”

“Sou uma mulher. O meu namorado está para voltar… o que pretende?

“Não sei, fiquei fascinado pela sua maneira de fazer amor, queria fazer com a senhora, pensava que assim que o teu namorado adormecer poderia vir ao meu encontro no compartimento ao lado”

“O senhor é um descarado, sabe? Mas eu gosto dos descarados, quem sabe poderia enlouquecer… fica a minha espera”.

Sem uma outra palavra escapei e entrei no meu abrigo e fiquei à espera… não sei o quanto esperei, sei que adormeci e sei que improvisamente senti abaixar-me as calças, sem demora o pénis na boca e começou a possui-lo, tentei desvincular para pegá-la como queria eu mas me disse: “ou isto ou nada…”

Assim parei e deixei-me amar pela boca experimentada e sabia, pude admirá-la melhor, tinha uns fantásticos lábios, pronunciados e de forma sinusoidal, os dentes perfeitos e limpidíssimos aromatizavam saúde, maçãs-do-rosto altos e umas limpidíssimas fossetas transformavam o seu rosto doce e fofo como plumas, os cabelos ondulados e encaracolados como rebeldes saltam diante dos olhos no momento em que estava toda ocupada a saborear-me e a oferecer-me intensíssimas emoções, não havia entusiasmo nela mas reservadíssima técnica, tinha amado o seu homem e neste momento amava um desesperado, talvez o fazia por piedade, outro sentimento amplificado por esta absurda corrida do sul a norte… outra vez poucos minutos e deixou-me sozinho com as ultimas ondas que ainda saltitavam como bolhas de sabão. Eu, o entendido conhecedor dos ritos e dos excessos do comboio nocturno, o técnico da travessia da barreira Espaço-tempo aqui estou ainda mais uma vez repleto de infantis espantos pelas infinitas variações do povo da intercity… quem sabe se alguém tinha assistido ao nosso desempenho, quem sabe se alguém recordará quando a noite for engolida pelo primeiro fluxo de energia electromagnética, quem sabe se o dia será bem sucedido sublimando tudo o que acontece de noite.

Bela senhora da noite,

Cheirosa

Perfumada

De sexo

Sobre mim afunda

As tuas unhas de cera

E incita violenta

Os meus carnais desejos

O estado surreal me sugere poesias, aquelas que se esquecem de manhã… o corredor povoa-se, a luz brilha sobre a planície do pó e desperto totalmente. Não quero perder-me à chegada. Muitos de nós estamos no corredor, silêncio total, como se fosse um rito que ninguém quebra, ninguém ousa. Todos observam a paisagem correr, é uma espera repleta de pensamentos, de preocupações, expectativas. Todos sabem que estão a caminho de Milano (Milão) mas ninguém imagina que rumo está a tomar a sua vida. Um nó no estômago me possui no momento da descida do comboio, um estranho efeito da estranheza de tudo aquilo que me circunda e me parece de acumular em mim o sentimento global de todos os passageiros, me parece impossível suportar, seguidamente ao segundo passo sinto-me já leve, ao terceiro de pertencer a este mundo de desconhecidos, o impulso terminou, aterrei, também este impulso Espaço-tempo foi um sucesso.

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