As lendas da
Deusa Mãe
(e outros mitos de deusas e mulheres dos povos da China)
Pedro Ceinos Arcones
Traduzido por
Luzia Ribeiro
© Pedro Ceinos Arcones 2020
Traduzido por; Luiza Ribeiro.
Do original:
“Leyendas de la Diosa Madre y otros
Mitos de diosas y mujeres de los
Pueblos de China. Miraguano
Ediciones. Madrid, 2007.
Publicado por Tektime
Contato: peceinos@hotmail.com
Índice
Introdução
Mitos das deusas chinesas
Capítulo 1.
A deusa criadora
Miliujia. A deusa criadora dos Zhuang.
Miluotuo. A deusa dos Bunu Yao
A deusa Yaxian cria a humanidade. Um mito dos Shui
A Menina do Sol, a origem dos Elunchunes
Amoyaobai, a deusa dos Jino
A origem das oferendas aos ancestrais. Uma lenda Jino.
A mãe Taporang, criadora da humanidade entre os Hani.
Ema, deusa dos Hani
A lenda da criação do mundo dos Ewenki
A origem dos ramos dos Deang
A Deusa do Céu cria o mundo. Um mito Uygur.
A Deusa do Céu cria o mundo. Um mito Uygur.
Maider cria o céu e a terra. Mito dos mongóis Oiratos
Fragmentos de “A guerra do paraíso”. Um mito Manchú
Oração à Deusa do Arroz dos Wa
Criação do céu e da terra entre os Miao
A deusa Shatianba cria o mundo dos Dong.
Nuwa cria a espécie humana. Um mito chinês
Capítulo 2.
A deusa
civilizadora
A deusa da Caça dos Nu
A Deusa do Sol dos Jingpo
Baiyungege, a deusa Manchú
Fugulun, mãe dos manchúes
A Mulher Pássaro. Um conto dos Dai.
A Menina Elefante. Um conto dos Dai.
A Mulher Dragão. Um conto dos Dai.
A bondade da deusa. Lenda dos mongóis
A Deusa do Arroz dos Dai
A deusa Tana dos Pumi
Capítulo 3.
Em tempos matriarcais
Canção dos antepassados do mundo dos Yi
A origem da medicina entre os Yi
A Deusa do Céu dos Bulang
A filha de Deus do Lago
A princesa Pargo Vermelha, um conto chinês
A origem dos povos segundo os Pumi
Os animais de estimação foram trazidos pelas mulheres. Conto dos Wa
Capítulo 4
O fim das Amazonas ou o fim do matriarcado.
Cuoriapu conquista o Reino das Mulheres. Uma lenda dos Yi
Como os homens ficaram inteligentes. Um conto Lisu
O fim da era dourada das mulheres. Lendas chinesas
Três histórias dos cinturões Deang
Como a mulher cede o poder ao homem entre os Wa
Shilaete tem um pai. Uma lenda dos Nosu
Bibliografia
Qualquer pessoa que conhecer as literaturas das minorias do sul da China descobrirá muitas obras onde a protagonista é uma deusa ou divindade feminina. Seja dedicada à criação do mundo (sozinha ou acompanhada de uma divindade masculina), à da raça humana, ou à instrução de uma humanidade ou de seus ancestrais nas noções básicas da cultura neolítica (caça, agricultura, pecuária), as divindades femininas desempenham um papel central na origem e no desenvolvimento da humanidade.
Nos últimos tempos foram publicados muitos trabalhos que defendem o caráter matriarcal de boa parte das sociedades estabelecidas antigamente no território da Europa e do Oriente 1, caracterizadas pelo culto à deusa em suas diversas manifestações: como criadora do cosmos e da humanidade, como iniciadora nos segredos da existência e como renovadora do mundo alternando entre a vida e a morte, permitindo a continuidade de tudo o que existe. Esse é um assunto que, de nenhuma forma, obteve unanimidade entre a comunidade acadêmica, mas que permanece no centro dos debates com evidentes conotações políticas.
Precisamente por ser um assunto em debate permanente, e pelas consequências que pode ter na vida atual, considerei necessário fornecer alguns fatos relacionados com os povos da China.
Meu interesse pela cultura das minorias na China me levou a conhecer a existência de sociedades como a dos Moso, onde a herança é transmitida através da linhagem feminina e a vida social é organizada em torno das famílias matrilineares; a dos Jino que tiveram líderes mulheres até poucas gerações atrás; a dos Yi, também com várias autoridades femininas; ou a dos Lahu com a sua evidente igualdade de gênero. Essa série de fatos me levou ao questionamento se seria possível estabelecer uma relação cultural, ao menos hipotética, entre as sociedades matriarcais do antigo Ocidente, e as do presente ou do passado recente documentado em fontes históricas do Extremo Oriente, na qual o papel predominante era desempenhado pelas mulheres.
Aprofundando um pouco mais na cultura desses povos indígenas da China, encontrei diversos mitos, lendas, fatos históricos, rituais e costumes que sugerem que, em um passado mais ou menos distante, as mulheres ocupavam uma posição social de destaque. Entre seus mitos, me chamou particularmente a atenção os diversos relatos que destacam o papel criador ou civilizador da mulher, bem como os que descrevem de forma detalhada como a mulher perdeu esse papel dominante nessas sociedades.
Conforme eu ia descobrindo novos mitos que reforçavam o papel da mulher nas sociedades indígenas da China, ia aumentando meu desejo de encontrar outros mitos semelhantes em povos diferentes. O resultado dessa pesquisa um tanto obsessiva foi que acabei reunindo muitas histórias interessantes que, abrangem os povos que vivem em diferentes regiões da China, e transformam a mulher na protagonista da história. Dessa forma, o que era no início somente um esforço para documentar a presença feminina na vida das minorias, que deveria incluir também os rituais, costumes e descrições histórias, foi crescendo tanto, que me pareceu apropriado traduzir e apresentar esses mitos, enquanto sigo pesquisando os traços dessas sociedades matriarcais da China antiga na cultura das minorias da China moderna.
Ao deixar de lado, temporariamente, o trabalho de pesquisa e substituí-lo pelo de tradução entendi que o interesse por essas histórias é multifacetado: primeiro porque apresentam ao leitor uma série de mitos, a maioria nunca traduzidos em nenhuma língua ocidental; segundo porque permitem vislumbrar alguns dos temas mais comuns nas mitologias dos povos da China (a criação do mundo, o dilúvio, o casamento entre irmãos, a aparecimento de diversos sóis, etc.); terceiro porque abrangem regiões geográficas tão distantes que permitem validar, ao menos regionalmente, os temas do leste da Ásia; quarto, por sua homogeneidade no tratamento positivo das divindades femininas que contrapõe outras histórias místicas onde elas desempenham um papel totalmente negativo, e quinto porque em uma sociedade que ainda trata de forma hostil as mulheres, com resultados trágicos em muitas ocasiões, qualquer trabalho que vise reivindicar sua importância, pode se tornar uma chave importante destinada a reverter a situação atual.
Esse trabalho não é extenso, as histórias aqui apresentadas podem ser consideradas apenas uma pequena amostra da vasta mitologia feminina dos povos da China. Há muitos mitos que ficaram de fora: seja por serem muito extensos, ou por serem muito semelhantes a alguns mitos incluídos, pela sua linguagem simbólica complexa de difícil compreensão para o leitor, ou por não estarem traduzidos em chinês, ou não ter sido encontrada nenhuma versão apesar de tê-los visto em citações ou leituras de resumos, ou porque a intervenção das personagens femininas, mesmo que relevantes, ocupa uma parte relativamente pequena da obra, e não queríamos incluir fragmentos e histórias incompletas.
Esperamos, contudo, que essa obra ajude a preencher uma lacuna em nosso conhecimento sobre a China, sobre seus povos indígenas, e a existência no passado de sociedades matriarcais.
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