A DIVINA COMÉDIA Dante Alighieri A DIVINA COMÉDIA
INFERNO INFERNO
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PURGATÓRIO
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PARAÍSO
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Dante Alighieri
A DIVINA COMÉDIA
INFERNO
Dante, perdido numa selva escura, erra nela toda a noite. Saindo ao amanhecer, começa a subir por uma colina, quando lhe atravessam a passagem uma pantera, um leão e uma loba, que o repelem para a selva. Aparece-lhe então a imagem de Virgílio, que o reanima e se oferece a tirá-lo de lá, fazendo-o passar pelo Inferno e pelo Purgatório. Beatriz, depois, o guiará ao Paraíso. Dante o segue.
DA nossa vida, em meio da jornada,
Achei-me numa selva tenebrosa,
3 Tendo perdido a verdadeira estrada.
Dizer qual era é cousa tão penosa,
Desta brava espessura a asperidade,
6 Que a memória a relembra inda cuidosa.
Na morte há pouco mais de acerbidade;
Mas para o bem narrar lá deparado
9 De outras cousas que vi, direi verdade.
Contar não posso como tinha entrado;
Tanto o sono os sentidos me tomara,
12 Quando hei o bom caminho abandonado.
Depois que a uma colina me cercara,
Onde ia o vale escuro terminando,
15 Que pavor tão profundo me causara.
Ao alto olhei, e já, de luz banhando,
Vi-lhe estar às espaldas o planeta,
18 Que, certo, em toda parte vai guiando.
Então o assombro um tanto se aquieta,
Que do peito no lago perdurava,
21 Naquela noite atribulada, inquieta.
E como quem o anélito esgotava
Sobre as ondas, já salvo, inda medroso
24 Olha o mar perigoso em que lutava,
O meu ânimo assim, que treme ansioso,
Volveu-se a remirar vencido o espaço
27 Que homem vivo jamais passou ditoso.
Tendo já repousado o corpo lasso,
Segui pela deserta falda avante;
30 Mais baixo sendo o pé firme no passo.
Eis da subida quase ao mesmo instante
Assoma ágil e rápida pantera
33 Tendo a pele por malhas cambiante.
Não se afastava de ante mim a fera;
E em modo tal meu caminhar tolhia,
36 Que atrás por vezes eu tornar quisera.
No céu a aurora já resplandecia,
Subia o sol, dos astros rodeado,
39 Seus sócios, quando o Amor divino um dia
A tais primores movimento há dado.
Me infundiam desta arte alma esperança
42 Da fera o dorso alegre e mosqueado,
A hora amena e a quadra doce e mansa.
De um leão de repente surge o aspecto,
45 Que ao meu peito o pavor de novo lança.
Que me investisse então cuido inquieto;
Com fome e raiva atroz fronte levanta;
48 Tremer parece o ar ao seu conspeto.
Eis surge loba, que de magra espanta;
De ambições todas parecia cheia;
51 Foi causa a muitos de miséria tanta!
Com tanta intensa torvação me enleia
Pelo terror, que o cenho seu movia,
54 Que a mente à altura não subir receia.
Como quem lucro anela noite e dia,
Se acaso o tempo de perder lhe chega,
57 Rebenta em pranto e triste se excrucia,
A fera assim me fez, que não sossega;
Pouco a pouco me investe até lançar-me
60 Lá onde o sol se cala e a luz me nega.
Quando ao vale eu já ia baquear-me
Alguém fraco de voz diviso perto,
63 Que após largo silêncio quer falar-me.
Tanto que o vejo nesse grão deserto,
— “Tem compaixão de mim” — bradei transido —
66 “Quem quer que sejas, sombra ou homem certo!”
“Homem não sou” tornou-me — “mas hei sido,
Pais lombardos eu tive; sempre amada
69 Mântua lhes foi; haviam lá nascido.
“Nasci de Júlio em era retardada,
Vivi em Roma sob o bom Augusto,
72 Quando em deuses havia a crença errada.
“Poeta, decantei feitos do justo
Filho de Anquises, que de Troia veio,
75 Depois que Ílion soberbo foi combusto.
“Mas por que tornas da tristeza ao meio?
Por que não vais ao deleitoso monte,
78 Que o prazer todo encerra no seu seio?”
“— Oh! Virgílio, tu és aquela fonte
Donde em rio caudal brota a eloquência?”
81 Falei, curvando vergonhoso a fronte. —
“Ó dos poetas lustre, honra, eminência!
Valham-me o longo estudo, o amor profundo
84 Com que em teu livro procurei ciência!
“És meu mestre, o modelo sem segundo;
Unicamente és tu que hás-me ensinado;
87 O belo estilo que honra-me no mundo.
“A fera vês que o passo me há vedado;
Sábio famoso, acude ao perseguido!
90 Tremo no pulso e veias, transtornado!”
Respondeu, do meu pranto condoído;
“Te convém outra rota de ora avante
93 Para o lugar selvagem ser vencido.
“A fera, que te faz bradar tremente,
Aqui passar não deixa impunemente;
96 Tanto se opõe, que mata o caminhante.
“Tem tão má natureza, é tão furente,
Que os apetites seus jamais sacia,
99 E fome, impando, mais que de antes sente.
“Com muitos animais se consorcia,
Há-de a outros se unir té ser chegado
102 Lebréu, que a leve à hórrida agonia.
“Por ouro ou por poder nunca tentado
Saber, virtude, amor terá por norte,
105 Sendo entre Feltro e Feltro potentado.
“Será da humilde Itália amparo forte,
Por quem Camila a virgem dera a vida,
108 Turno Euríalo, Niso acharam morte.
“Por ele, em toda parte, repelida
Irá lançar-se no infernal assento,
111 Donde foi pela Inveja conduzida.
“Agora, por teu prol, eu tenho o intento
De levar-te comigo; ir-te-ei guiando
114 Pela estância do eterno sofrimento,
“Onde, estridentes gritos escutando,
Verás almas antigas em tortura
117 Segunda morte a brados suplicando.
“Outros ledos verás, que, em prova dura
Das chamas, inda esperam ter o gozo
120 De Deus no prêmio da imortal ventura.
“Se lá subir quiseres, um ditoso
Espírito, melhor te será guia,
123 Quando eu deixar-te, ao reino glorioso.
“Do céu o Imperador, a rebeldia
Minha à lei castigando, não consente
126 Que eu da cidade sua haja a alegria.
“Em toda parte impera onipotente,
Mas tem no Empíreo sua augusta sede:
129 Feliz, por ele, o eleito à glória ingente!”
— “Vate, rogo-te” — eu disse — “me concede,
Por esse Deus, que nunca hás conhecido,
132 Porque este e maior mal de mim se arrede.
“Que, até onde disseste conduzido,
À porta de São Pedro eu vá contigo
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