Quando se aproximaram do lado escuro, as sombras foram ficando mais longas e finalmente cobriram toda a superfície. Durante alguns instantes, atrás deles, os picos continuaram a brilhar ao sol, como estrelas de primeira grandeza. Então os picos desapareceram e só restou a Terra, um grande crescente azul e branco, iluminando o terreno com sua luz difusa. A nave ultrapassou a Terra, também, que desapareceu abaixo do horizonte, de modo que abaixo deles só havia a escuridão profunda e acima o cintilar de incontáveis estrelas, visão que para Trevize, um nativo de Terminus, onde o céu praticamente não tinha estrelas, era motivo de perpétuo deslumbramento.
Então, novas estrelas brilhantes apareceram à frente, primeiro apenas uma ou duas, depois outras, cada vez maiores e mais ofuscantes. De repente, cruzaram o terminador e entraram no lado iluminado. O sol surgiu no horizonte com esplendor infernal e a paisagem lá embaixo explodiu em um labirinto de luzes e sombras.
Trevize podia ver muito bem que seria inútil tentar encontrar uma entrada para o interior habitado (se é que esse interior existia) através de uma simples inspeção visual.
Olhou para Bliss, sentada ao seu lado. A jovem estava imóvel, com os olhos fechados. Trevize perguntou em voz baixa:
— Detectou mais alguma coisa? Bliss balançou a cabeça.
— Não — murmurou. — Foi só naquele lugar. É melhor voltarmos. Sabe onde foi?
— O computador sabe.
A região ficava no lado escuro e, exceto pelo fato de que a Terra estava perto do horizonte, iluminando a superfície com uma luz fantasmagórica, não havia nada de especial para ser visto, mesmo depois de apagarem as luzes da sala de comando para facilitar a observação.
Pelorat havia chegado e estava observando a cena com interesse.
— Encontramos alguma coisa? — perguntou.
Trevize silenciou-o com um gesto. Estava esperando a reação de Bliss. Sabia que levaria vários dias para que a. luz do sol voltasse àquela parte da lua, mas também sabia que, para aquilo que a jovem procurava, a luz era totalmente irrelevante.
Afinal, Bliss falou:
— Está lá embaixo.
— Tem certeza?
— Absoluta.
— É o único lugar?
— Até o momento, sim. Já cobrimos toda a superfície da lua?
— Uma boa parte.
— Pois nessa boa parte, este é o único lugar em que detectei alguma coisa. Agora o sinal está mais forte, como se ele tivesse detectado a nossa presença. Não parece perigoso. Estou captando uma atitude amistosa.
— Tem certeza?
— É o que estou captando. Pelorat interveio:
— Ele não poderia estar disfarçando?
— Pel, não é fácil me enganar — disse Bliss, orgulhosamente. Trevize murmurou qualquer coisa a respeito do excesso de confiança e depois disse:
— O que você está detectando é um ser inteligente, não é?
— Sim, é um ser inteligente. Acontece que.
— Acontece o quê?
— Psiu! Não me distraia. Preciso me concentrar. Momentos depois, Bliss anunciou, com um misto de surpresa e satisfação:
— Não é humano!
— Não é humano! — repetiu Trevize. — Estamos lidando de novo com robôs? Como em Solaria?
— Não — respondeu Bliss, sorrindo. — Também não é um robô.
— Tem que ser um ou outro. Bliss deu uma risada.
— Nenhum dos dois. Não é humano, mas também não se parece com nenhum dos robôs que conheci.
— Essa eu tenho que ver — disse Pelorat, excitado. — Uma coisa nova... diferente!
— Uma coisa nova — murmurou Trevize, com um entusiasmo que não sentia há muito tempo.
Nesse instante, uma inspiração súbita pareceu iluminar como um relâmpago o interior do seu crânio.
Desceram alegremente em direção à superfície da lua. Até mesmo Fallom tinha se juntado a eles e saltitava com despreocupação infantil, como se estivesse realmente voltando para Solaria.
Quanto a Trevize, sentia dentro de si um resto de sanidade a advertir-lhe que era estranho que a Terra (ou o que quer que fosse da Terra que se havia mudado para a lua), depois de tomar medidas tão extremas para evitar a presença de estranhos, agora estivesse fazendo o possível para atraí-los. Poderia tudo ser parte do mesmo plano? Seria um caso de “se é impossível mantê-los à distância, atraia-os e destrua-os”? Seria uma outra forma de proteger o segredo da Terra?
As preocupações do rapaz desapareceram na torrente de otimismo que se despejou sobre todos quando se aproximaram da superfície da lua. Mesmo assim, não esqueceu a inspiração que o havia assaltado no momento em que iniciavam o longo mergulho em direção à superfície do satélite da Terra.
Parecia não haver mais dúvida quanto ao destino final da nave. Já estavam na altura dos picos mais elevados e Trevize, em ligação com o computador, não sentia necessidade de fazer coisa alguma. Era como se tanto ele como o computador estivessem sendo guiados; sentiu uma enorme euforia ao perceber que o peso da responsabilidade tinha sido retirado de seus ombros.
Agora estavam se deslocando paralelamente ao solo, em direção a um penhasco que se erguia à distância como uma perigosa barreira; uma barreira que brilhava fracamente à luz da Terra e dos faróis do Estrela Distante. A colisão iminente parecia não significar coisa alguma para Trevize; não foi surpresa para ele quando uma parte do rochedo se abriu, revelando um corredor iluminado por luzes artificiais.
A nave diminuiu de velocidade, aparentemente por conta própria, e se enfiou na abertura... devagar... até parar. A passagem se fechou atrás dela e outra se abriu à sua frente. A nave passou pela segunda abertura e entrou em uma caverna gigantesca, que parecia ter sido cavada no interior de uma montanha.
A nave parou e todos a bordo correram para a câmara de descompressão. Nenhum deles, nem mesmo Trevize, pensou em verificar se o ar do lado de fora era respirável... ou se pelo menos havia ar.
Havia ar, sim. Era respirável e era gostoso. Olharam em torno, com o ar satisfeito de pessoas que estão chegando em casa. Levaram algum tempo para reparar em um homem que os observava de longe, esperando educadamente que se aproximassem.
O homem era alto e tinha expressão muito séria. O cabelo era cor de bronze, cortado rente. Tinha as maçãs do rosto salientes, os olhos muito vivos e vestia-se como em um livro de História antiga. Embora parecesse forte e saudável, tinha um certo ar de cansaço... não em algum traço concreto, mas de uma forma vaga, indefinível.
Fallom foi a primeira a reagir. Deu um grito de alegria e saiu correndo na direção do homem, gritando:
— Jemby! Jemby!
Os outros se aproximaram mais devagar e Trevize disse, destacando bem as palavras (será que esse sujeito sabe falar galáctico?):
— Desculpe, senhor. Esta criança perdeu o seu protetor e só pensa nele. Não sei por que se fixou no senhor, já que foi criada por um robô, uma máquina...
O homem falou pela primeira vez. Tinha uma voz impessoal e um sotaque arcaico, mas falava galáctico com fluência.
— Sejam bem-vindos — disse.
Apesar de não haver mudado de expressão, parecia amistoso.
— Quanto a esta criança — prosseguiu —, talvez seja mais perceptiva do que pensam, pois eu sou um robô. Meu nome é Daneel Olivaw.
Capítulo 21
O Fim da Busca
Trevize se encontrava em um estado de total confusão, depois de passada a estranha euforia que sentira durante o pouso na lua... uma euforia provavelmente provocada por aquele pretenso robô que agora tinha diante de si.
O rapaz se sentia no perfeito controle das faculdades mentais, mas isso não o impedia de encarar com assombro uma réplica tão perfeita de um ser humano.
Читать дальше