Como se soubesse que a questão tinha sido resolvida, Daneel caminhou na direção deles, com Fallom trotando ao seu lado.
A criança começou a correr e chegou primeiro. Disse para Bliss:
— Obrigado, Bliss, por me trazer de volta para Jemby e por cuidar de mim enquanto estávamos viajando. Nunca me esquecerei de você.
Atirou-se nos braços de Bliss e as duas se abraçaram com força.
— Espero que você seja muito feliz — disse Bliss. — Eu também nunca vou me esquecer de você.
Fallom voltou-se para Pelorat e disse:
— Obrigado a você, também, Pel, por me emprestar os seus livros.
Em seguida, sem dizer mais nada, e depois de um momento de hesitação, estendeu a mão para Trevize. O rapaz apertou-a.
— Boa sorte, Fallom — murmurou. Daneel disse:
— Agradeço a todos pelo que fizeram, cada um a seu modo. Estão livres para partir, pois a busca terminou. Quanto ao meu trabalho, agora poderá prosseguir, com grande probabilidade de sucesso.
— Espere, ainda falta uma coisa — disse Bliss. — Não sabemos se Trevize ainda pensa que o melhor futuro para a humanidade é a Galáxia Viva e não um gigantesco aglomerado de Isolados.
— Ele já manifestou sua opinião há muito tempo — disse Daneel. — Trevize é a favor da Galáxia Viva.
— Preferia ouvir diretamente dos seus lábios — disse Bliss. — Como vai ser, Trevize?
— Como quer que seja, Bliss? — perguntou Trevize, calmamente. — Se eu decidir contra a Galáxia Viva, você terá Fallom de volta.
— Eu sou Gaia — disse Bliss. — Preciso conhecer a sua decisão e os motivos que o levaram a ela.
— Diga para ela, senhor — pediu o robô. — Sua mente, como Gaia bem sabe, está livre de qualquer influência externa.
— Escolho a Galáxia Viva — disse Trevize. — Já não resta mais nenhuma dúvida de que esta é a opção correta.
Bliss ficou calada durante o tempo que alguém levaria para contar sem pressa até cinquenta, como que para permitir que a informação chegasse a todas as partes de Gaia. Depois, perguntou:
— Por quê?
— Eu explico — disse Trevize. — Sabia desde o princípio que havia dois futuros possíveis para a humanidade: a Galáxia Viva, de um lado, e o Segundo Império do Plano de Seldon do outro. A mim me parecia que esses dois futuros eram mutuamente exclusivos. Não poderíamos ter a Galáxia Viva a menos que, por algum motivo, houvesse um erro fundamental no Plano de Seldon.
”Infelizmente, não conhecia nada a respeito do Plano de Seldon, a não ser os dois axiomas em que se baseia: primeiro, que o número de seres humanos envolvidos seja suficientemente grande para que a humanidade possa ser tratada estatisticamente como um grupo de indivíduos interagindo aleatoriamente; segundo, que a humanidade não conheça os resultados das análises psico-históricas antes que esses resultados sejam atingidos.”
”Como já havia optado pela Galáxia Viva, achei que devia conhecer inconscientemente alguma falha no Plano de Seldon e que essa falha só podia estar nos axiomas, que eram a única parte do plano que eu conhecia. Entretanto, não conseguia ver nada de errado nos axiomas. Decidi, então, partir à procura da Terra, sentindo que devia haver alguma razão para a Terra ter sido escondida com tanto cuidado. Tinha que descobrir qual era essa razão.
”Na verdade, não tinha nenhum motivo para acreditar que ao encontrar a Terra encontraria também a solução para as minhas dúvidas; acontece que a ideia se insinuou em minha mente, plantada talvez por Daneel, que precisava de uma criança de Solaria.
”De qualquer forma, conseguimos afinal chegar à Terra e depois à Lua. Bliss detectou a mente de Daneel, que, naturalmente, estava procurando comunicar-se com ela. Ela descreveu aquela mente como nem humana nem robótica. Sob certo aspecto estava certa, pois o cérebro de Daneel é muito mais avançado que o de qualquer outro robô e portanto não podia ser percebido como simplesmente robótico. Entretanto, também não podia ser percebido como humano. Pelorat referiu-se a ele como 'uma coisa nova' e isso serviu para despertar 'uma coisa nova' nas minhas ideias.
”Assim como, há muitos anos atrás, Daneel e seu amigo chegaram a uma quarta lei da robótica que era mais fundamental que as outras três, de repente me dei conta de que existia um terceiro axioma da psico-história que era mais fundamental que os outros dois; um terceiro axioma tão fundamental que ninguém se havia preocupado em torná-lo explícito.
”Aqui está ele. Os dois axiomas conhecidos se referem a seres humanos e se baseiam implicitamente no axioma de que os seres humanos são a única espécie inteligente da Galáxia e portanto os únicos organismos cujas ações são importantes para a evolução da sociedade. Este é o terceiro axioma: que existe uma única espécie de inteligência na Galáxia e que essa espécie é o Homo Sapiens. Se existisse 'uma coisa nova', se houvesse outra espécie inteligente além do Homem, então seu comportamento não seria descrito adequadamente pela matemática da psico-história e o Plano de Seldon seria um mero exercício acadêmico. Estão entendendo?
Trevize estava quase tremendo no seu esforço para fazer-se compreender. Repetiu:
— Estão entendendo?
— Sim, estamos, meu velho amigo — disse Pelorat. — Entretanto, como advogado do diabo...
— Sim? Prossiga.
— ... devo lembrar a você que os seres humanos são a única espécie inteligente da Galáxia.
— E os robôs? — perguntou Bliss. — E Gaia? Pelorat pensou um pouco e depois disse:
— Os robôs não desempenharam um papel significativo na história humana desde o desaparecimento dos Espaciais. Gaia não desempenhou papel significativo até recentemente. Os robôs foram criados por seres humanos e Gaia foi criado pelos robôs. Tanto os robôs quanto Gaia não podem deixar de obedecer aos seres humanos, já que estão sujeitos às Três Leis da Robótica. A despeito dos vinte mil anos de trabalho de Daneel, e do longo tempo que Gaia levou para se desenvolver, uma única palavra de Golan Trevize, um ser humano, tornaria inútil tudo que fizeram. Segue-se, portanto, que a Humanidade é a única espécie inteligente que conta e portanto a psico-história continua a ser válida.
— A única forma de inteligência da Galáxia — disse Trevize, devagar. — Eu concordo. Entretanto, falamos tanto da Galáxia que às vezes nos esquecemos de que ela não é tudo. A Galáxia não é o Universo. Existem outras galáxias.
Pelorat e Bliss se remexeram, inquietos. Daneel escutou gravemente, enquanto acariciava a cabeça de Fallom.
— Prestem atenção — disse Trevize. — Perto da nossa Galáxia ficam as Nuvens de Magalhães, que jamais foram visitadas por naves humanas. Um pouco mais longe existem outras pequenas galáxias, e logo depois está a gigantesca Galáxia de Andrômeda, maior que a nossa. No Universo conhecido, existem bilhões de galáxias.
”Na nossa Galáxia surgiu apenas um tipo de inteligência capaz de desenvolver uma sociedade tecnológica, mas o que sabemos a respeito das outras galáxias? A nossa pode ser atípica. Em algumas das outras, talvez na maioria, pode haver várias espécies inteligentes em competição, todas incompreensíveis para nós. Talvez essa competição as mantenha ocupadas, mas imaginem o que pode acontecer se, em alguma galáxia, uma das espécies conseguir dominar as outras e tiver tempo para pensar na possibilidade de explorar outras galáxias.
”Do ponto de vista do hiperespaço, a Galáxia não passa de um ponto... ou por outra, todo o Universo não passa de um ponto. Ainda não visitamos nenhuma outra galáxia e, pelo que sabemos, nenhuma espécie inteligente de outra galáxia jamais nos visitou. Entretanto, isso pode mudar de uma hora para outra. E se os invasores vierem, certamente encontrarão meios de voltar alguns seres humanos contra outros seres humanos. Estamos acostumados a lutar contra nós mesmos. Um invasor que nos encontre assim divididos não terá dificuldade para dominar-nos ou mesmo exterminar-nos. Nossa única defesa é criar a Galáxia Viva, que não pode ser voltada contra si mesma e que pode unir todos os seres humanos contra os invasores.
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