Ele falara sem pensar e notou que o rosto de Gina ficara lívido.
— Então é verdade? É isso que vão tentar fazer?
— Eu... não... eu estava brincando — respondeu Harry, fugindo à pergunta.
Os dois se encararam, e havia algo mais do que uma forte comoção no rosto de Gina. Subitamente, Harry percebeu que era a primeira vez que ficava a sós com ela, desde as horas roubadas em lugares isolados de Hogwarts. E teve a certeza de que Gina também estava se lembrando daqueles momentos. Os dois se sobressaltaram quando a porta abriu e o sr. Weasley, Kingsley e Gui entraram.
Agora, era freqüente outros membros da Ordem virem jantar, porque A Toca substituíra o largo Grimmauld nº 12 como quartel-general. O sr. Weasley explicara que, depois da morte de Dumbledore, que era o fiel do segredo, cada uma das pessoas a quem ele confiara a localização da casa se tornara, por sua vez, um fiel do segredo.
— E como somos uns vinte, isso dilui muito o poder do Feitiço Fidelius. A possibilidade de os Comensais da Morte extraírem o segredo de um deles é vinte vezes maior. Não podemos esperar que o segredo seja mantido por muito mais tempo.
— Mas, com certeza, a essa altura, Snape já terá informado aos Comensais o endereço, não? — perguntou Harry.
— Bem, Olho-Tonto preparou alguns feitiços contra Snape, caso ele voltasse a aparecer por lá. Temos esperança de que sejam suficientemente fortes para mantê-lo a distância e amarrar sua língua, se tentar falar sobre a casa, mas não podemos estar seguros. Teria sido loucura continuar a usar o local como quartel-general, agora que sua proteção se tornou tão precária.
A cozinha estava tão apinhada naquela noite que tornava difícil o uso de garfos e facas. Harry se viu espremido ao lado de Gina; as palavras não ditas que os dois haviam trocado o fez desejar que estivessem separados por mais gente. Ele fazia tanto esforço para não roçar no braço dela que mal conseguia cortar a galinha no próprio prato.
— Alguma notícia sobre Olho-Tonto? — Harry perguntou a Gui.
— Não — foi a resposta.
Não haviam realizado um funeral para Olho-Tonto porque Gui e Lupin não conseguiram resgatar o corpo. Fora difícil determinar onde poderia ter caído, por causa da escuridão e da confusão da batalha.
— O Profeta Diário não disse uma palavra sobre a morte dele nem sobre as buscas pelo corpo — continuou Gui. — Mas isso não quer dizer nada. O jornal tem omitido muita notícia ultimamente.
— E o Ministério, ainda não convocou uma audiência para averiguar a magia que usei ainda menor de idade para escapar dos Comensais da Morte? — Harry perguntou ao sr. Weasley, que, do outro lado da mesa, sacudiu a cabeça em resposta. — Porque sabe que não tive escolha ou porque não quer que eu conte ao mundo inteiro que Voldemort me atacou?
— Acho que a segunda hipótese. Scrimgeour não quer admitir que Você-Sabe-Quem tem tanto poder quanto ele, nem que houve uma fuga em massa em Azkaban.
— É, para que informar ao público a verdade? — protestou Harry, agarrando a faca com tanta força que as leves cicatrizes no dorso de sua mão direita se destacaram, brancas, na pele: Não devo contar mentiras .
— Será que não tem ninguém no Ministério disposto a enfrentá-lo? — perguntou Rony com raiva.
— Claro que tem, Rony, mas as pessoas estão aterrorizadas — respondeu o sr. Weasley —, aterrorizadas com a idéia de serem as próximas a desaparecer, e seus filhos os próximos a serem atacados! Há muitos boatos assustadores; eu, por exemplo, não acredito que a professora de Estudo dos Trouxas em Hogwarts tenha pedido demissão. Faz semanas que ninguém a vê. Nesse meio-tempo, Scrimgeour passa o dia trancado no escritório: só espero que esteja preparando algum plano.
Fez-se uma pausa em que a sra. Weasley, com um gesto da varinha, pôs os pratos usados no aparador e serviu a torta de maçã.
— Prrecisamos rresolverr o disfarrce que você vai usarr, Arry — disse Fleur depois da sobremesa. — No casamente — acrescentou, quando ele pareceu não entender. — Naturralmente, nam tam Comensais da Morte entrre nosses convidades, mas nam posse garrantirr que nam falem demais depois de tomarrem champanhe.
Ao que Harry deduziu que ela ainda suspeitava de Hagrid.
— É, uma boa lembrança — disse a sra. Weasley da cabeceira da mesa onde estava, os óculos encarrapitados na ponta do nariz, passando em revista uma enorme lista de tarefas que anotara em um longo pergaminho. — Então, Rony, já limpou o seu quarto?
— Por quê ?! — exclamou Rony, batendo a colher no prato e olhando feio para a mãe. — Por que o meu quarto tem que ser limpo? Harry e eu estamos muito bem no quarto do jeito que está.
— Vamos festejar o casamento do seu irmão dentro de alguns dias, jovem...
— E eles vão casar no meu quarto? — indagou Rony furioso. — Não! Então por que em nome das plicas de Merlim...
— Não responda assim a sua mãe — interpôs o sr. Weasley com firmeza. — E faça o que ela está mandando.
Rony amarrou a cara para o pai e a mãe, depois apanhou novamente a colher e atacou os últimos bocados da torta de maçã.
— Eu posso ajudar, um pouco da bagunça é minha — disse Harry a Rony, mas a sra. Weasley cortou a conversa.
— Não, Harry querido, prefiro muito mais que você ajude Arthur a limpar o galinheiro, e, Hermione, eu agradeceria muito se você fosse trocar os lençóis do casal Delacour, sabe, eles estão chegando amanhã às onze horas.
Afinal, havia muito pouco a fazer pelas galinhas.
— Não há necessidade de, ah, dizer isso a Molly — começou o sr. Weasley, bloqueando o acesso de Harry ao galinheiro —, mas, ah, Ted Tonks me mandou quase tudo que restou da moto de Sirius e, ah, estou escondendo-a, ou, melhor dizendo, guardando-a aqui. É fantástica: tem uma ganacha de escape, acho que é esse o nome, uma bateria magnífica, e será uma ótima oportunidade para descobrir como os freios funcionam. Vou tentar montá-la outra vez quando Molly não... quero dizer, quando eu tiver tempo.
Quando voltou à casa, a sra. Weasley não estava à vista, então Harry subiu despercebido para o quarto de Rony, no sótão.
— Já estou arrumando, já estou arrumando...! Ah, é você! -exclamou Rony aliviado, quando Harry entrou. O amigo estava deitado na cama, e era óbvio que acabara de desocupá-la. O quarto continuava na mesma desordem da semana inteira; a única mudança é que agora Hermione estava sentada no canto oposto, com o seu peludo gato ruivo, Bichento, aos pés, separando livros, alguns dos quais Harry reconheceu serem dele, em duas enormes pilhas.
— Oi, Harry — cumprimentou a amiga quando ele sentou na cama de armar.
— Como foi que você conseguiu fugir?
— Ah, a mãe de Rony esqueceu que já tinha pedido a Gina para trocar os lençóis ontem — respondeu Hermione. E jogou o Numerologia e gramática em uma pilha e Ascensão e queda das Artes das Trevas na outra.
— Estávamos conversando sobre o Olho-Tonto — disse Rony. — Acho que ele pode ter sobrevivido.
— Mas Gui viu quando ele foi atingido pela Maldição da Morte — argumentou Harry.
— É, mas o Gui também estava sob ataque — replicou Rony. -Como pode ter certeza do que viu?
— Mesmo que a Maldição da Morte não o atingisse, Olho-Tonto caiu uns trezentos metros — lembrou Hermione, agora segurando o pesado Os times de quadribol do Grã-Bretanha e da Irlanda.
— Ele poderia ter usado o Feitiço Escudo...
— Fleur disse que a varinha foi arrancada da mão dele — disse Harry.
— Tudo bem, se vocês querem que ele tenha morrido — concluiu Rony mal-humorado, dando uns socos no travesseiro para afofá-lo.
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