Ursula Le Guin - A Mão Esquerda da Escuridão

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A Mão Esquerda da Escuridão: краткое содержание, описание и аннотация

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Genly Ai foi enviado a Gethen com a missão de convencer seus governantes a se unirem a uma grande comunidade universal. Ao chegar no planeta Inverno, como é conhecido por aqueles que já vivenciaram seu clima gelado, o experiente emissário sente-se completamente despreparado para a situação que lhe aguardava. Os habitantes de Gethen fazem parte de uma cultura rica e quase medieval, estranhamente bela e mortalmente intrigante. Nessa sociedade complexa, homens e mulheres são um só e nenhum ao mesmo tempo. Os indivíduos não possuem sexo definido e, como resultado, não há qualquer forma de discriminação de gênero, sendo essas as bases da vida do planeta. Mas Genly é humano demais. A menos que consiga superar os preconceitos nele enraizados a respeito dos significados de feminino e masculino, ele corre o risco de destruir tanto sua missão quanto a si mesmo.

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Hesitou como se tivesse perdido o fio do pensamento; não seus próprios argumentos, talvez. Alguém estaria sendo, agora, seu conselheiro, já que Estraven não o era mais.

— E se o conselho quisesse algo conosco, não teria enviado o senhor sozinho. É uma piada, uma brincadeira. Eles estariam aqui, aos milhares.

— Não há necessidade de mil homens para abrir uma porta, Excelência.

— Mas seriam necessários para mantê-la aberta.

— O conselho vai esperar que Vossa Excelência abra. Não vão forçar nada, nem exigir nada. Fui enviado só; aqui permanecerei só, para que lhe seja impossível temer-me.

— Temê-lo? — exclamou o rei em voz alta, voltando seu rosto convulsionado pelas sombras. — Claro que eu o temo, Enviado! Eu temo aqueles que o enviaram; temo men­tirosos, mágicos, e, o pior de tudo: eu temo a amarga verdade. E é por isso que governo bem meu país. Porque apenas o medo governa os homens. Nada mais; só isto funciona. Nada dura tanto. O senhor é o que diz ser; no entanto, não passa de uma piada, uma farsa. Não há nada no espaço entre as estrelas a não ser o vácuo, o terror, a escuridão. E o senhor vem dele sozinho tentando me assustar. Já estou assustado! E eu sou o rei… Medo é o rei! Agora pegue suas coisas e se vá, não há mais nada a dizer. Já dei ordens para que tenha toda a liberdade em Karhide.

Foi assim que me afastei da presença real — as botas chiando ao longo do piso vermelho, na penumbra vermelha do salão, até a última porta dupla se fechar atrás de mim.

Eu fracassara totalmente. O que me preocupava, ao deixar a casa real e caminhar pelo pátio, não era meu fra­casso, mas a parte nele desempenhada por Estraven. Por que o rei o havia exilado por se tornar advogado da causa do conselho (pois assim parecia ser pelo teor da proclama­ção) se (de acordo com o próprio rei) ele agira exatamente ao contrário? Quando ele havia aconselhado ao rei para ficar longe de mim, e por quê? Por que ele fora exilado e eu ficara livre? Qual deles mentira mais, e por que, diabos, estavam mentindo? Estraven para salvar sua pele, o rei para salvar as aparências. A explicação era óbvia. Mas teria mes­mo Estraven mentido para mim? Descobri que não sabia.

Eu passava agora pela Residência da Esquina Vermelha. As portas do jardim estavam abertas. Relanceei os olhos para as árvores de seren inclinando-se, esbranquiçadas sobre o tanque escuro, os caminhos de tijolos avermelhados, de­sertos na luz cinza da tarde serena. Um pouco de neve depositara-se nos recantos rochosos da piscina. Lembrei-me de Estraven a me aguardar ali, na noite anterior, e senti uma pontada de pura piedade pelo homem que vira na vés­pera, no desfile, soberbo sob o peso de sua panóplia e po­der, um homem no apogeu de sua carreira, poderoso e mag­nífico, decaído agora, por baixo, acabado. Estaria correndo para a fronteira, com a morte marcada para dali a três dias, e sem ninguém com quem falar. A sentença de morte é rara em Karhide. A vida no planeta Inverno é dura de se viver e o povo enfrenta a morte em conseqüência da natureza, da fome, mas nunca da lei. Fiquei pensando para onde Estraven iria com aquela sentença a persegui-lo. Sem meios de loco­moção, pois todos eles eram propriedade real — barco ou carro anfíbio —, permitiriam que ele fugisse? Ou estaria caminhando por seus próprios pés, nas estradas, carregando consigo o que pudesse ser útil? Os karhideanos andam a pé, em sua maioria. Não têm animais de carga, nenhum veículo voador, o tempo reduz a marcha de veículos de força na maior parte do ano e eles não são gente que goste de se apressar.

Imaginei aquele homem orgulhoso indo para o exílio, passo a passo, uma pequena silhueta na longa estrada para o golfo. Tudo isso me passou pela cabeça ao cruzar diante da sua residência; como também todas as minhas especula­ções confusas referentes aos atos e motivos de Estraven e do rei. Não esperava mais nada deles. Tinha falhado. O que viria a seguir?

Deveria ir para Orgoreyn, o país vizinho e rival de Karhide. Mas uma vez lá seria difícil voltar e eu ainda não tinha acabado a minha missão aqui. Era preciso conservar viva na mente a idéia de que minha vida inteira podia ser consagrada à realização desta missão para os ecúmenos. Não havia pressa, nenhuma necessidade de me precipitar para Orgoreyn antes de saber mais sobre Karhide, particularmen­te sobre os monastérios. Por dois anos estivera só a respon­der questões. Agora seria minha vez de perguntar. Mas não em Erhenrang. Compreendi, finalmente, o que Estraven me tentara avisar, e, embora desconfiasse de seus avisos, não podia menosprezá-los. Ele estivera a me dizer, embora indi­retamente, que deveria sair da cidade e da corte. Pensei nos dentes de Lorde Tibe. O rei me dera liberdade de andar pelo país; eu iria usá-la. Como eles dizem na escola ecumê­nica: quando a ação se torna impraticável, recolha informa­ções; quando não obtiver informações, durma. Eu não tinha sono ainda. Assim, resolvi seguir em busca dos monastérios e conseguir, talvez, informações dos áugures.

IV

O décimo nono dia e a morte

Esta lenda do Karhide oriental, conforme contada na família Gorinhering, por Tobord Chorhawa, foi registrada por G. A. — 93/1492.

Lorde Berosty rem ir Ipe chegou ao Monasterio Thangering e ofereceu quarenta berilos e metade da colheita de seus pomares como pagamento por uma predição, e o preço foi aceito. Apresentou sua pergunta ao áugure-mestre, Odren: “Em que dia morrerei?”

Os áugures se agruparam na escuridão e Odren deu finalmente a resposta:

“Você morrerá no odstreth (décimo nono dia do mês)”.

“Em que mês? Em que ano?”, perguntou Berosty, mas o encantamento tinha-se quebrado e não houve outra res­posta.

Ele correu para o círculo que eles formavam e segurou Odren, sacudindo-o pela garganta, quase sufocando-o e gri­tando que lhe quebraria o pescoço se ele não desse a res­posta completa. Mas os outros áugures conseguiram afastá-lo e seguraram-no, apesar de ele ser um homem forte.

Ele ainda lutou para se libertar, gritando: “Dê-me a resposta!” Odren ordenou: “Vá! A resposta já foi dada e seu preço pago”.

Furioso, Berosty voltou para Charuthe, o terceiro do­mínio da família, uma região pobre, ao nordeste de Osnoriner, que ele empobrecera ainda mais pelo preço que tivera que pagar pela consulta.

Trancou-se numa sala fechada, num dos salões mais altos da torre, e não aparecia nem para amigos, nem inimi­gos, nem na época das sementeiras, nem da colheita, para kemmer ou excursões predatórias. Assim foi durante todo aquele mês, e o seguinte, até que se passaram dez meses e ele ainda se mantinha no seu quarto, esperando. Nos dias 18 e 19 de cada mês, ele não comia nem bebia nada, nem mesmo dormia. Seu kemmering (parceiro por amor) e amigo por votos era Herbor, do clã de Geganner. Herbor chegou ao Monasterio Thangering, no mês de Grende, e procurou o áugure-mestre: “Preciso de uma predição”. Odren pergun­tou: “O que tem você para pagar?” E observou que o homem estava pobremente vestido e calçado e seu trenó era velho. Tudo nele refletia decadência. “Eu lhe darei minha vida”, disse Herbor. Odren mudou o tom da voz e perguntou-lhe como se estivesse falando a um grande nobre: “Não terá outra coisa a dar?! Nada mais, meu senhor?” Herbor disse: “Nada mais. Nem sei se a minha vida tem algum valor para o senhor”. “Não”, continuou o áugure-mestre, “não tem valor para nós.” Herbor caiu de joelhos, acabru­nhado pela vergonha e pelo amor. Depois de alguns momen­tos, voltou a suplicar: “Eu lhe peço, suplico-lhe, responda a minha pergunta. Não é em meu benefício”. “Em benefício de quem, então?” “De meu senhor e companheiro, Ashe Berosty”, disse ele chorando. “Desde que saiu daqui sem a sua resposta, não teve mais alegria, nem amor, nem sobera­nia. Vai morrer por isso.” “Isto é certo; de que morre um homem senão de sua morte?”, respondeu o áugure-mestre. Mas a paixão de Herbor o comoveu, e após uns momentos de reflexão voltou a falar: “Vou procurar a resposta à sua pergunta, Herbor, e não pedirei pagamento. Mas pense bem: há sempre um preço a pagar na vida. Aquele que indaga paga o que vale a resposta”. Herbor colocou as mãos de Odren encostadas aos seus próprios olhos em sinal de gra­tidão e assim a predição foi feita. Os áugures se reuniram novamente na escuridão e Herbor, no meio deles, fez a sua pergunta: “Quanto tempo viverá Ashe Berosty?” Assim indagando, Herbor poderia deixar seu coração tranqüilo com a certeza. Na escuridão, Odren exclamou como se sentisse uma grande dor, como se estivesse sendo queimado pelo fogo: “Mais do que Herbor de Geganner!” Não era a res­posta que Herbor esperava, mas foi a resposta que obteve. Como era paciente e conformado, voltou a Charuthe com ela, através das neves de Grende.

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