Ursula Le Guin - A Mão Esquerda da Escuridão

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A Mão Esquerda da Escuridão: краткое содержание, описание и аннотация

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Genly Ai foi enviado a Gethen com a missão de convencer seus governantes a se unirem a uma grande comunidade universal. Ao chegar no planeta Inverno, como é conhecido por aqueles que já vivenciaram seu clima gelado, o experiente emissário sente-se completamente despreparado para a situação que lhe aguardava. Os habitantes de Gethen fazem parte de uma cultura rica e quase medieval, estranhamente bela e mortalmente intrigante. Nessa sociedade complexa, homens e mulheres são um só e nenhum ao mesmo tempo. Os indivíduos não possuem sexo definido e, como resultado, não há qualquer forma de discriminação de gênero, sendo essas as bases da vida do planeta. Mas Genly é humano demais. A menos que consiga superar os preconceitos nele enraizados a respeito dos significados de feminino e masculino, ele corre o risco de destruir tanto sua missão quanto a si mesmo.

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Não falei de guerra, por uma simples razão: não há tal palavra em Karhide.

— O comércio, no entanto, vale à pena. Em idéias, em técnicas comunicáveis pelo audisível; em bens, em pro­dutos manufaturados, enviados por naves dirigidas ou de controle remoto; embaixadores, homens de cultura e comer­ciantes… alguns poderiam vir aqui, alguns dos seus po­deriam ir pelo universo afora. O Conselho Ecumênico não dirige um reino — é uma organização coordenadora, um centro vital de comércio e cultura. Sem ele a comunicação entre os mundos dos homens seria muito abandonada à sua sorte e o comércio, muito cheio de riscos, como pode ver. A vida humana é muito curta para enfrentar o tempo-espaço entre os mundos se não existir uma rede de comunicação, de centralização de controle para se trabalhar através dela. Somos todos homens, Vossa Excelência sabe. Todos nós. Todos os mundos de homens já estão organizados há bilênios, por um único mundo: Hain. Nós variamos, mas somos filhos do mesmo lar…

Nada disso despertou a curiosidade do rei, ou lhe deu mais segurança. Continuei por mais um pouco, tentando su­gerir-lhe que seu prestígio ou o de Karhide seria intensifi­cado e não ameaçado pela aliança com o conselho, mas nada disso adiantou. Argaven continuou ensimesmado, como uma velha lontra numa jaula, balançando-se para a frente e para trás, exibindo os dentes numa careta dolorosa. Parei de falar.

— São todos tão pretos quanto você?

Os gethenianos são castanho-amarelados ou castanho- avermelhados, geralmente, mas eu vira muitos tão negros quanto eu.

— Alguns são mais pretos ainda — respondi-lhe. — Temos de todas as cores. — Abri minha pasta (que havia sido polidamente revistada pela guarda do palácio várias vezes até chegar ao grande salão vermelho) e dela surgiu meu aparelho audisível e alguns retratos, filmes, pinturas e al­guns cubos. Era uma pequena galeria da espécie humana: povo de Hain, de Chiffewar, os cetios, de S, Terra e Alterra, os de Maxima, de Kapteyn, Ollul, de Taurus 4, Rokanan, Ensbo, Cime, Gde e Sheashel Haven… O rei lançou o olhar, sem grande interesse, para um casal.

— Que é isto?

— Uma pessoa de Cime, uma fêmea. — Tive que usar a palavra que os gethenianos aplicavam a uma pessoa ape­nas na fase culminante de kemmer, a sua palavra para o animal fêmea.

— Permanentemente?!

— Sim.

Ele deixou cair o cubo e ficou gingando novamente, olhando para mim ou além de mim, a luz do fogo dançando no seu rosto.

— Eles são todos assim como você?…

A compreensão deste fato era um obstáculo que eu não poderia eliminar para ele. Afinal, teriam que se acostumar com isto.

— São. A fisiologia sexual dos gethenianos é única entre os seres humanos, pelo menos conhecida até agora.

— Assim, todos eles, em todos esses planetas, estão em kemmer permanentemente? Uma sociedade de perverti­dos? Bem me disse Lorde Tibe… e eu pensei que ele estava brincando. Bem, pode ser uma realidade, mas é uma idéia nauseante, Sr. Ai, e não vejo por que seres humanos daqui desejariam, ou tolerariam, entendimentos com criatu­ras tão monstruosamente diferentes. Mas… talvez o senhor esteja aqui para me comunicar que não tenho escolha quanto a isto.

— A escolha de Karhide está nas suas mãos, Exce­lência.

—- E se eu o mandar de volta?

— Bem, eu irei. Talvez pudesse tentar de novo noutra geração…

Isso o atingiu. E ele revidou:

— Você é imortal?

— Não, absolutamente, Excelência. Porém os saltos no tempo são bem úteis. Se eu deixar Gethen agora em busca do mundo mais próximo, Ollul, vou levar dezessete anos do tempo humano para lá chegar. O salto no tempo é decor­rência do fato de viajarmos tão ligeiro quanto a luz. Se eu, simplesmente, lá chegando voltasse de novo, minhas poucas horas passadas na nave seriam, aqui, trinta e quatro anos, e eu poderia começar tudo de novo.

Essa idéia de pulo no tempo, com sua falsa ilusão de imortalidade, fascinara a todos a quem havia contado, desde os pescadores da ilha de Horden até primeiros-ministros, mas ao rei ela deixara indiferente.

Apontando para o aparelho, perguntou em sua voz aguda:

— Que é isto?

— Um comunicador e receptor ao mesmo tempo.

— Um rádio?

— Ele não funciona com ondas de rádio nem com outra forma de energia. O princípio sobre que ele trabalha, a constante da simultaneidade, é análogo, de certo modo, à gravidade.

Eu me esquecera de que não estava falando com Estraven, que lera tudo sobre a minha pessoa e escutava inte­ligentemente e com atenção todas as minhas explicações, mas sim com um rei entediado.

— Ele atua, Excelência, produzindo uma mensagem em dois pontos simultaneamente. Em qualquer lugar um ponto tem que ser fixo -— em um planeta com uma certa massa —, mas o outro extremo é portátil. Este é o outro extremo. Está programado para o primeiro mundo: Hain. Uma nave espacial Nafal leva sessenta e sete anos para ir de Gethen a Hain, mas se eu escrever uma mensagem nesta tecla, ela será recebida em Hain no mesmo momento em que a estou enviando. Há alguma comunicação que Vossa Excelência desejaria fazer com os estábiles em Hain?

— Não falo voidiano — respondeu o rei com seu ar maligno.

— Eles têm um intérprete sempre a postos e que sabe karhideano. Eu os alertei.

— O que quer dizer com isto? Como?

— Bem, como Vossa Excelência sabe, não sou o pri­meiro alienígena a vir a Gethen. Fui precedido por um gru­po de investigadores que não anunciaram sua presença, mas fizeram-se passar, da melhor maneira possível, por gethenianos e viajaram por Karhide, Orgoreyn e o Arquipélago durante um ano. Quando voltaram, fizeram o relatório ao Conselho Ecumênico, há quarenta anos, durante o reinado do avô de Vossa Excelência. Seus pareceres foram extrema­mente favoráveis. Então estudei as informações e as línguas que gravaram e vim. Gostaria de ver como trabalha este instrumento, Excelência?

— Não gosto de truques, Sr. Ai!

— Não é truque, Excelência. Alguns dos seus cientis­tas o examinaram.

— Eu não sou um cientista.

— O senhor é um soberano, Excelência. Seus pares, no primeiro mundo ecumênico, aguardam uma palavra de Vossa Excelência.

Ele olhou-me ferozmente. Tentando envaidecê-lo e interessá-lo, tinha-o encurralado numa cilada do poder. Estava saindo tudo errado.

— Muito bem. Pergunte à sua máquina o que faz um homem ser traidor.

Bati as teclas vagarosamente e o registro foi feito na língua karhideana: “O Rei Argaven de Karhide pergunta aos estábiles, em Hain, o que faz um homem ser traidor”. As letras se acenderam na pequena tela e desapareceram. Argaven acompanhava a operação, mais calmo no seu inquie­to balouçar.

Houve uma pausa, uma longa pausa. Alguém, a setenta e dois anos-luz de distância, estava, sem dúvida, manobran­do o computador para o idioma karhideano, ou, quem sabe, para um computador de registro filosófico.

Finalmente, letras claras acenderam-se na tela, tremeluzindo e desaparecendo gradativamente: “Para o Rei Argaven de Karhide, em Gethen, saudações. Não sei o que faz um homem ser traidor. Nenhum homem se considera traidor, o que torna difícil definir o termo. Respeitosamente, Spimolle G. F., pelos estábiles, em Saire, no planeta Hain 93/ 1491/45”.

Quando a gravação na fita ficou pronta, destaquei-a e entreguei-a a Argaven. Atirou-a na mesa, voltou à lareira, quase entrando nela, dando pontapés nas achas em brasa e apagando as faíscas que lhe caíam na roupa.

— Uma resposta igual à que eu poderia obter de qual­quer áugure. Respostas não bastam, Sr. Ai. Nem essa sua maquininha aí, nem seu veículo, sua nave. Um velhaco com suas trapaças. O senhor quer que eu acredite na sua pessoa, suas histórias, sua mensagem. Mas por quê? Por que acre­ditar? Se existem oitenta mil mundos cheios de monstros, soltos por aí entre as estrelas… e daí? Não queremos nada deles. Escolhemos nosso próprio modo de viver e assim permanecemos por muito tempo. Karhide está na iminência de uma nova era, uma grande era. Seguiremos nosso próprio caminho.

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