Ursula Le Guin - A Mão Esquerda da Escuridão

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A Mão Esquerda da Escuridão: краткое содержание, описание и аннотация

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Genly Ai foi enviado a Gethen com a missão de convencer seus governantes a se unirem a uma grande comunidade universal. Ao chegar no planeta Inverno, como é conhecido por aqueles que já vivenciaram seu clima gelado, o experiente emissário sente-se completamente despreparado para a situação que lhe aguardava. Os habitantes de Gethen fazem parte de uma cultura rica e quase medieval, estranhamente bela e mortalmente intrigante. Nessa sociedade complexa, homens e mulheres são um só e nenhum ao mesmo tempo. Os indivíduos não possuem sexo definido e, como resultado, não há qualquer forma de discriminação de gênero, sendo essas as bases da vida do planeta. Mas Genly é humano demais. A menos que consiga superar os preconceitos nele enraizados a respeito dos significados de feminino e masculino, ele corre o risco de destruir tanto sua missão quanto a si mesmo.

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Chegando aos domínios, galgou a torre e aí encontrou Berosty sentado, frio e pálido, diante de um fogo quase ex­tinto, os braços apoiados numa mesa de pedra vermelha e a cabeça afundada nos ombros.

“Ashe”, disse Herbor, “estive no Monastério Thangering e o áugure-mestre me atendeu. Perguntei-lhe quanto tempo você viveria e sua resposta foi: ‘Berosty viverá mais do que Herbor’.”

Berosty ergueu lentamente a cabeça para ele, interrogando-o: “Você lhe perguntou quando eu morreria?” “Eu perguntei quanto tempo você viveria.” “Quanto tempo?! Seu imbecil!” Berosty estava furioso. “Você teve o direito de fazer uma pergunta aos áugures e não lhes perguntou quando eu vou morrer? em que dia? em que mês? em que ano? quanto tempo me resta? Seu louco, seu imbecil! Mais do que você, sim, mais do que você!” Berosty levantou o tampo da mesa de granito vermelho como se fosse uma folha de lata e atirou-o na cabeça de Herbor. Herbor caiu esma­gado pela pedra. Berosty ficou paralisado, alucinado. Ergueu a mesa e viu que esmagara a cabeça do companheiro. Largou o tampo da mesa sobre o pedestal e ajoelhou-se ao lado do amigo morto, abraçando-o como se estivessem em kemmer e tudo fosse felicidade. Assim abraçados, eles foram encon­trados mais tarde quando as pessoas foram procurá-los. Berosty enlouqueceu e teve que ser mantido encarcerado, pois queria sair sempre à procura de Herbor, que julgava estar vivo em algum canto dos domínios. Assim viveu du­rante um mês e depois se enforcou, no odstreth, o décimo nono dia do mês de thern.

V

A prática de vaticínios

A administradora da minha ilha, homem muito falante, foi quem organizou minha viagem para o leste.

— Se alguém quer visitar os monastérios, tem que atra­vessar o Kargav. Atravessar as montanhas que levam ao velho Karhide, a Rer, a antiga capital dos reis. Bem, vou lhe contar: um camarada meu chefia uma frota de carros anfíbios que vão atravessar o passo de Eskar, e ontem ele me contava, enquanto bebíamos uma xícara de orsh [4] Uma espécie de chá. (N. do T.) , que eles vão fazer a primeira travessia deste verão no osme getheny [5] Primeiro dia e mês do verão. (N. do T.) , pois tem sido uma primavera quente e a estrada já está limpa até Engohar, já que os arados vão desobstruir o resto do caminho dentro de poucos dias. Bem, você não me apanhará jamais cruzando o Kargav, por este céu que me cobre! Mas eu sou um yomeshta, sejam louvados os nove­centos tronos celestiais e abençoado seja o leite de Meshe, pois pode-se ser um yomeshta em qualquer parte. Somos todos apenas iniciados, claro — pois o meu Lorde Meshe nasceu há dois mil duzentos e dois anos —, mas a velha estrada para Handdara remonta a dez mil anos. Você tem que buscar o velho continente se procura os velhos costu­mes. Agora, preste atenção, Sr. Ai: vou conservar seu aloja­mento aqui na ilha para qualquer época que queira voltar, mas acredito que seja uma pessoa sábia o bastante para se afastar agora de Erhenrang por uns tempos, pois todos sabem que o traidor mostrou publicamente ser seu protetor junto à corte. Agora, com o velho Tibe como conselheiro real, as coisas vão ficar fáceis novamente. Se descer ao porto novo, vai encontrar ali o meu camarada. Diga-lhe, então, que o enviei…

E assim por diante. Como disse, ele era falador e tendo descoberto que eu caíra no desagrado, não perdia oportunidade para me aconselhar, mesmo usando, disfarçadamente, a forma “se fosse eu…” ou “se não fosse”.

Ele era o gerente da minha ilha, mas eu o via sob uma forma feminina, pois tinha quadris largos que balançavam quando andava, uma cara gorda e delicada e uma natureza benevolente, embora abelhuda. Parecia-me ignóbil e espião. Era bom para mim, mas gostava de exibir meus aposentos para os curiosos, enquanto eu estava fora, sempre em troca de pequenas gorjetas: “Veja o quarto do Enviado miste­rioso!”

Era tão feminino em modos e aparência que cheguei a lhe perguntar quantos filhos tivera. Ele ficou mal-humorado. Nunca tivera nenhum. Mas fecundara quatro. Esta era uma das pequenas surpresas que eu vivia recebendo. O choque cultural não é tão forte quanto o choque biológico que eu sofrera como homem: um ser inteiramente masculino que passara a viver entre seres humanos que eram cinco sextos do tempo neutros, hermafroditas.

O noticiário do rádio estava repleto de realizações do novo primeiro-ministro — Pemmer Harge rem ir Tibe —, mas a maior parte delas se referia ao caso do vale do Sinoth.

Tibe, evidentemente, estava pressionando Karhide a re­clamar a posse daquela região — precisamente o tipo de ação que em outro mundo, neste mesmo estágio de civili­zação, levaria a uma guerra. Mas no planeta Gethen nada leva à guerra. Disputas, assassinatos, vendetas, incursões de pilhagem, rixas e torturas, ou outras perversidades, tudo isto fazia parte do repertório agressivo humano, mas não sabiam fazer guerra. Faltava-lhes, creio, a capacidade de mobilização. Comportavam-se como animais ou como mulheres, neste aspecto, e não como homens ou formigas. De qualquer forma, até então nunca haviam agido assim. O que eu sabia de Orgoreyn indicava que, nestes últimos cinco a seis séculos, estava se tornando uma sociedade altamente mobilizável, um verdadeiro estado-nação. Essa competição por poder, até então desenvolvida principalmente no setor econômico, poderia forçar Karhide a se sentir estimulada pelo seu vizi­nho mais poderoso a se tornar uma nação, em vez de peque­nos Estados em litígio, como Estraven tinha dito, e, tam­bém, tornar-se patriótica. Se isto acontecesse, os gethenianos teriam uma chance excelente de chegarem ao estado de guerra.

Eu desejava ir para Orgoreyn e ver se minhas previsões tinham base, mas queria primeiro liquidar certos assuntos com Karhide. Assim, vendi outro rubi ao joalheiro da Rua Eng e, sem bagagem, a não ser uma muda de roupa, meu dinheiro, o audisível e uns poucos instrumentos, parti como passageiro em excursão comercial, no primeiro mês do verão.

Os carros anfíbios partiam, ao nascer do sol, do cais varrido pelo vento do porto novo. Passavam debaixo do arco e rumavam para leste, vinte carros, com aspecto de barcaças volumosas, mas silentes, movendo-se em velocidade de tra­tor, em fila única, descendo as ruas de Erhenrang através das neblinas matutinas. Levavam caixas de lentes, rolos de fitas de gravação, bobinas de fios de cobre ou platina, rolos de tecidos de fibras vegetais cultivadas e tecidas na vertente ocidental, cestos de flocos de peixe seco do Golfo, embala­gens de peças pequenas de maquinaria e dez caminhões de cereal de Orgota — tudo destinado à fronteira do Pering Storm, no extremo nordeste do território.

Todo transporte no continente é feito por estes vagões- caminhões movidos a eletricidade, que são transformados em barcaças nos rios e canais, sempre que possível.

Durante os meses de neve intensa, tratores, arados len­tos, trenós movidos a energia e os raros navios quebra-gelos, nos rios congelados, eram os únicos transportes, além dos esquis ou trenós individuais. No degelo [6] Nome da estação que vem logo depois do inverno. (N. do T.) , nenhuma forma de transporte é viável; assim, a maior parte do tráfego é feita com rapidez quando chega o verão. As estradas ficam coalha­das de caravanas. O tráfego é controlado, cada veículo ou grupo deles é obrigado a manter-se em contato constante, através do rádio, com os postos de controle nas barreiras, ao longo do caminho.

Deslocam-se, no entanto, lentamente, na velocidade ter­restre de vinte e cinco milhas por hora. Os gethenianos po­deriam fazê-los andar mais depressa, mas não o fazem, e se indagados respondem com um: “Por quê?” Assim como os habitantes da Terra, quando se lhes pergunta por que correm tanto, respondem: “Por que não?” Questão de gosto. Os terráqueos gostam do progresso, de ir rápido para a frente. O povo do planeta Inverno, que sempre vive no ano 1, acha que o progresso é menos importante que o indi­víduo. Eu estava de acordo com os terráqueos, e, deixando Erhenrang, fiquei impaciente com a marcha lenta, metódica, da caravana. Minha vontade era saltar e sair correndo.

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