Houve um murmúrio confuso entre os ouvintes.
— Estrelas? — repetiu Theremon. — Vocês sabem o que são as Estrelas? Como descobriram?
— Lendo o Livro das Revelações — explicou Faro, com o mesmo sorriso estranho. — O livro explica que as Estrelas são pontos muito brilhantes, parecidos com os sóis, só que menores, que aparecem no céu quando Kalgash entra na Caverna da Escuridão.
— Absurdo! — exclamou alguém.
— Impossível!
— Por que alguém levaria a sério o que diz o Livro das Revelações? É evidente que…
— Silêncio! — ordenou Athor. Havia um súbito olhar de interesse em seus olhos, um toque no velho vigor. — Prossiga, Faro. Como foi essa “experiência” de vocês?
— Eu e Yimot tivemos essa ideia há algum tempo — disse Faro -, e estivemos trabalhando nela em nossas horas de folga. Yimot sabia de uma construção de um andar lá na cidade que tinha um teto em forma de cúpula. Acho que era uma espécie de depósito. Pois nós compramos o imóvel…
— Como? — interrompeu Athor, peremptoriamente. Onde conseguiram o dinheiro?
— Usamos nossas economias — explicou Yimot 70. — Gastamos dois mil créditos. — Prosseguiu, em tom defensivo: — E daí? Amanhã, dois mil créditos não vão valer nada.
— É verdade — concordou Faro. — Compramos a casa e a forramos de veludo negro, de modo a conseguirmos a maior Escuridão possível. Depois, fizemos pequenos furos no teto e no telhado e cobrimos os furos com pequenas placas de metal, que podiam ser removidas todas ao mesmo tempo através de um controle elétrico. Esta parte não fizemos pessoalmente: contratamos um carpinteiro, um eletricista e alguns outros operários. Queríamos que a luz passasse por esses furos no teto, criando um efeito semelhante ao das Estrelas.
— Um efeito semelhante ao que imaginamos que as Estrelas vão criar — corrigiu Yimot.
Ninguém respirou durante a pausa que se seguiu. Athor declarou, em tom formal:
— Vocês não tinham o direito de fazer uma experiência particular sem…
Faro parecia envergonhado.
— Eu sei, professor, mas, francamente, Yimot e eu achamos que a experiência era perigosa. De acordo com o Dr. Sheerin, aqui presente, se o efeito realmente existisse, nós poderíamos muito bem ficar malucos. Decidimos correr o risco sozinhos. Se conservássemos a sanidade, talvez adquiríssemos algum tipo de imunidade. Nesse caso, poderíamos vacinar todos vocês da mesma forma. Mas o resultado foi outro…
— Que aconteceu?
Foi Yimot que respondeu.
— Nós nos trancamos na casa e esperamos até que nossos olhos se acostumassem à falta de luz. É uma sensação muito desagradável, porque a Escuridão total faz com que você tenha a impressão de que as paredes e o teto estão se aproximando para esmagá-lo. Mas superamos este primeiro impacto e acionamos a chave. As placas saíram do lugar e o teto ficou cheio de pequenos pontos de luz.
— E aí?
— Nada aconteceu. Essa é a parte mais estranha. De acordo com o Livro das Revelações, estávamos experimentando o efeito de ver Estrelas contra um fundo de Escuridão. Mas não sentimos nada. Era apenas um teto cheio de furos, e era exatamente assim que parecia. Tentamos várias vezes, foi por isso que nos atrasamos, mas não conseguimos nenhum efeito.
Seguiu-se um silêncio de choque, e todos os olhos se voltaram para Sheerin, que estava sentado, imóvel, com a boca aberta. Theremon foi o primeiro a falar.
— Sabe o que isto significa para a sua teoria, não sabe, Sheerin ? — Ele estava sorrindo de alívio. Mas Sheerin levantou a mão.
— Espere um momento, Theremon. Deixe-me analisar os fatos. Essas “Estrelas” que os rapazes fabricaram… o tempo total que passaram expostos à Escuridão… — Interrompeu o que estava dizendo. Todos olharam para ele. De repente, estalou os dedos e quando levantou a cabeça, não havia nem surpresa nem indecisão nos seus olhos. — Naturalmente…
Não terminou a frase. Thilanda, que estava no andar superior, na cúpula do Observatório, fotografando o céu a intervalos de 1O segundos, entrou correndo, agitando os braços em movimentos circulares dignos de Yimot.
— Dr. Athor! Dr. Athor!
— Que foi?
— Acabamos de encontrar… ele simplesmente foi entrando na cúpula… o senhor não vai acreditar, Dr. Athor…
— Calma, calma. Que aconteceu? Quem foi que entrou? Ouviu-se um ruído de luta no corredor e depois um forte estrondo. Beenay levantou-se de um salto e correu para a porta, gritando:
— Que diabo!
Davnit e Hikkinan, que deviam estar na cúpula com Thilanda, estavam no corredor. Os dois astrônomos seguravam um terceiro homem, um tipo atlético, de quase quarenta anos, cabelos ruivos encaracolados, rosto anguloso, olhos azuis. Arrastaram-no para dentro da sala, mantendo seus braços firmemente seguros atrás das costas.
O estranho usava a veste negra dos Apóstolos do Fogo.
— Folimun 66! — exclamou Athor.
Theremon repetiu:
— Folimun 66! Em nome da Escuridão, o que está fazendo aqui?
— Não estou aqui em nome da Escuridão, e, sim, em nome da luz — respondeu o Apóstolo, em tom calmo e controlado. Athor olhou para Thilanda.
— Onde encontrou este homem?
— Já lhe disse, Dr. Athor. Estávamos tirando as fotos e ouvimos um ruído. Ele havia entrado e estava de pé atrás de nós. “Onde está Athor?”, perguntou. “Preciso falar com Athor. ”
— Chame os guardas de segurança — ordenou Athor, rubro de raiva. — Esta noite, o Observatório não está aberto ao público. Quero saber como este homem conseguiu passar pelos guardas.
— Provavelmente o senhor tem um Apóstolo ou dois na folha de pagamento — sugeriu Theremon, com um sorriso. — Quando Folimun apareceu e ordenou-lhes que abrissem o portão, tiveram que obedecer.
Athor fuzilou-o com os olhos. Entretanto, sua expressão mostrava que o velho astrônomo reconhecia que talvez o palpite de Theremon tivesse um fundo de verdade.
Os ocupantes da sala tinham formado um círculo em torno de Folimun. Todos olhavam para ele, surpresos: Siferra, Theremon, Beenay, Athor e os demais. Folimun declarou, com toda a calma:
— Meu nome é Folimun 66. Sou assessor especial de Sua Serenidade Mondior 71. Vim aqui esta noite, não como um criminoso, mas como um enviado de Sua Serenidade. Quer pedir a esses seus dois assistentes para me largarem, Athor?
— Soltem-no — ordenou Athor, com um gesto impaciente.
— Obrigado — disse Folimun. Esfregou os braços e ajeitou a veste. Depois, fez uma mesura de agradecimento (ou estaria sendo irônico?) para Athor.
O ar em torno do Apóstolo parecia estar eletrizado.
— Que está fazendo aqui? — perguntou Athor. — Que deseja?
— Nada que esteja disposto a me dar voluntariamente.
— Provavelmente tem razão.
— Quando você e eu nos conhecemos, faz alguns meses, Athor, nosso encontro foi muito tenso, um encontro de dois homens que podiam se considerar como representantes de grupos antagônicos. Para você, eu era um perigoso fanático. Para mim, você era o chefe de um bando de pecadores ateus. Entretanto, estávamos de acordo em um ponto, você deve se lembrar. Ambos sabíamos que na noite do dia 19 de Theptar, a Escuridão desceria sobre Kalgash e permaneceria por muitas horas.
Athor fez um muxoxo.
— Diga logo o que quer, Folimun. Não nos resta muito tempo, e a Escuridão está prestes a chegar.
— Para mim — prosseguiu Folimun -, a Escuridão era uma manifestação da vontade dos deuses. Para você, não passava de um efeito do movimento dos astros no céu. Muito bem: embora nossas interpretações fossem diferentes, chegamos a um entendimento. Forneci-lhe certos dados que estavam de posse dos Apóstolos desde o último Ano de Divindade, como tabelas com os movimentos dos sóis e algumas informações ainda mais obscuras. Em troca, você prometeu que provaria o dogma fundamental de nossa fé e divulgaria a verdade para a população.
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