E havia tanta coisa que ele não compreendia e que Vindarten não podia ou não queria explicar! O que eram aquelas luzes que apagavam e acendiam, e aquelas formas mutáveis, aquelas coisas que tremulavam através do ar, tão depressa que ele nunca podia estar certo de sua existência? Podiam ser algo tremendo e apavorante, ou tão espetacular e trivial quanto os cartazes luminosos da antiga Broadway.
Jan também sentia que o mundo dos Senhores Supremos era cheio de sons que ele não podia ouvir. Ocasionalmente, captava alguma complexa combinação rítmica, subindo e descendo pelo espectro audível, para terminar desaparecendo na margem superior ou inferior da audição. Vindarten não parecia entender o que Jan queria dizer ao se referir à música, de modo que esse problema nunca foi esclarecido satisfatoriamente.
A cidade não era muito grande, certamente bem menor do que Londres ou Nova York haviam sido quando em seu apogeu. Segundo Vindarten, havia vários milhares de cidades parecidas, espalhadas pelo planeta, cada qual planejada para algum fim específico. Na Terra, o mais próximo teria sido uma cidade universitária, só que ali o grau de especialização tinha ido muito mais longe. Jan não tardou a descobrir que toda aquela cidade era dedicada ao estudo de culturas estrangeiras.
Numa das primeiras saídas da cela nua em que Jan vivia, Vindarten levara-o ao museu. Fora para Jan uma espécie de estímulo psicológico encontrar-se num lugar cujo propósito ele podia entender plenamente. Se não fosse a escala em que fora construído, o museu bem poderia estar situado na Terra. Tinham levado muito tempo para alcançá-lo, descendo por uma grande plataforma, que se movia como um pistão, num cilindro vertical de comprimento desconhecido. Não havia controles visíveis e a sensação de aceleração, no início e no fim da descida, era notável. Presumivelmente, os Senhores Supremos não desejavam desperdiçar seus aparelhos compensadores de gravidade para fins domésticos. Jan ficou pensando se todo o interior daquele mundo não seria cheio de escavações. E por que teriam eles limitado o tamanho da cidade, estendendo-a subterraneamente, em vez de espraiá-la? Esse foi outro dos muitos enigmas que ele não conseguiu solucionar.
Podia-se passar toda uma vida explorando aquelas câmaras colossais. Ali estava guardado tudo o que fora trazido dos planetas, as realizações de muitas civilizações que Jan nem sequer podia imaginar. Mas não houvera tempo de ver muita coisa. Vindarten colocara-o cuidadosamente sobre um pedaço de chão que, à primeira vista, parecia um desenho ornamental. Mas Jan lembrou-se de que ali não havia ornamentos; e, ao mesmo tempo, algo invisível o agarrara e o empurrara para a frente. Logo ele se vira passando diante de grandes vitrinas, de vistas de mundos inimagináveis, a uma velocidade de vinte ou trinta quilômetros horários.
Os Senhores Supremos tinham resolvido o problema da fadiga de museu. Ali não havia necessidade de andar.
Deviam ter viajado vários quilômetros, quando o guia de Jan de novo o agarrou e, agitando as grandes asas, o arrancou do campo de ação da força que os estava impelindo. Diante deles havia um enorme salão, meio vazio e iluminado por uma luz familiar, que Jan não via desde que deixara a Terra. Era uma luz suave, de modo a não causar dor aos olhos sensíveis dos Senhores Supremos, mas era, sem dúvida alguma, a luz do Sol. Jan nunca teria acreditado que algo tão simples ou tão comum lhe pudesse despertar tanta saudade.
Estavam no salão dedicado à Terra. Caminharam alguns metros, passando por uma bela maquete de Paris, por tesouros de arte de uma dúzia de países, agrupados de qualquer maneira, por modernas máquinas de calcular e machados pa-leolíticos, por televisores e pela primeira turbina a vapor. Uma grande porta se abriu diante deles e entraram no gabinete do Curador para a Terra.
Seria a primeira vez que ele via um ser humano? pensou Jan. Teria alguma vez ido à Terra, ou seria apenas um dos muitos planetas a seu cargo, de cuja exata localização ele não estava certo? O fato é que não falava nem entendia inglês e Vindarten teve que servir de intérprete.
Jan passou várias horas ali, falando num gravador, enquanto os Senhores Supremos lhe apresentavam diversos objetos terrestres, muitos dos quais, para sua vergonha, ele não fora capaz de identificar. A ignorância de sua própria raça e de suas realizações era enorme. Ele gostaria de saber se os Senhores Supremos, apesar de todos os seus soberbos dotes mentais, seriam realmente capazes de compreender todas as peculiaridades da cultura humana.
Vindarten levara-o para fora do museu por um caminho diferente. De novo tinham flutuado-, sem esforço, através de grandes corredores abobadados, mas dessa vez por entre as criações da natureza, e não da mente consciente. Sullivan, pensara Jan, teria dado a vida para estar ali, para ver as maravilhas que a evolução tinha processado numa centena de mundos. Mas Sullivan, provavelmente, já estava morto…
Depois, sem qualquer aviso, viram-se numa galeria, ao alto de uma grande câmara circular, com aproximadamente cem metros de diâmetro. Como de costume, não havia parapeito de proteção e, por um momento, Jan hesitara em se aproximar da beira. Mas Vindarten estava bem na beirada, olhando calmamente para baixo, de modo que Jan avançou, cauteloso, ao encontro dele.
O chão estava apenas vinte metros abaixo — demasiado perto. Mais tarde, Jan teve a certeza de que seu guia não pretendera assustá-lo e fora tomado de surpresa pela sua reação, pois ele soltara um tremendo berro e pulara para trás, procurando não ver o que havia embaixo. Só quando os ecos de seu grito já tinham morrido na espessa atmosfera, é que ele tivera coragem de se aproximar de novo.
Naturalmente, não tinha vida — e não estava olhando fixo para ele, como pensara no primeiro momento de pânico. Ocupava quase todo o grande espaço circular e a luz cor de rubi brilhava e tremulava nas suas profundezas de cristal.
Era um olho de gigante.
— Por que você fez esse barulho? — perguntou Vindarten.
— Fiquei apavorado — confessou Jan.
— Mas por quê? Sem dúvida você não imaginou que pudesse haver algum perigo!
Jan ficou pensando se poderia explicar o que era um ato reflexo, mas resolveu nem tentar.
— Tudo o que é completamente inesperado é assustador. Até uma situação nova ser analisada, o melhor é presumir o pior.
O coração dele ainda batia violentamente, quando olhou, mais uma vez, para o monstruoso olho. Naturalmente, podia ser um modelo de olho, muitíssimo ampliado, como os micróbios e os insetos nos museus da Terra. Contudo, mesmo ao fazer a pergunta, Jan já sabia, com uma certeza horripilante, que não era um olho aumentado.
Vindarten pouco lhe soube dizer; aquele não era seu campo de conhecimento e a curiosidade não era seu fraco. Partindo da descrição do Senhor Supremo, Jan construiu mentalmente a imagem de uma besta ciclópica, vivendo em meio ao entulho asteroidal de algum sol distante, tendo seu crescimento inibido pela gravidade, dependendo, para comer e viver, do alcance e do poder de resolução de seu único olho.
Não parecia haver limites para o que a natureza era capaz de fazer, quando pressionada, e Jan sentiu um prazer irracional em descobrir algo que os Senhores Supremos não seriam capazes de dominar. Tinham trazido uma baleia da Terra, mas nada tinham podido fazer a respeito daquilo.
De outra feita, ele subira, subira, até as paredes do elevador passarem de opalescentes a transparentes como cristal. Sentia como se estivesse de pé, sem ter onde se apoiar, entre os mais altos picos da cidade, sem nada a protegê-lo do abismo. Mas não sentia mais vertigem do que se estivesse num avião, pois não havia sensação de contato com o chão distante.
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