Isso não fazia diferença alguma agora. Tanto o Mestre como seus seguidores estavam sepultados no esquecimento.
— Vamos lá fora — instou Hilvar, procurando tirar Alvin daquele estado de depressão. — Viajamos metade do Universo para vermos esse lugar. Pelo menos você pode fazer um esforço para sair da nave.
Apesar de tudo, Alvin sorriu e seguiu Hilvar pela câmara de descompressão. Uma vez lá fora, começou a animar-se um pouco mais. Mesmo que aquele mundo estivesse morto, deveria possuir alguma coisa de interesse, que o ajudasse a resolver alguns dos mistérios do passado.
O ar era bolorento, mas respirável. Apesar dos muitos sóis no céu, a temperatura era baixa. Apenas o disco branco do Sol Central proporcionava algum calor real, e ainda assim tal calor parecia ter perdido força em sua passagem através da bruma em torno do astro. Ou outros sóis forneciam partículas de cor, mas nenhum calor.
Alguns minutos bastaram para assegurar que o obelisco nada lhes poderia informar. O material resistente de que era feito mostrava os sinais claros de sua idade, os cantos estavam arredondados, e o metal sobre que repousava fora gasto pelos pés de gerações de discípulos e visitantes. Era estranho pensar que eles poderiam ser os últimos de muitos bilhões de seres humanos a se postarem naquele ponto.
Hilvar estava prestes a sugerir que voltassem à nave e sobrevoassem os edifícios mais próximos quando Alvin notou uma fenda longa e estreita no piso de mármore do anfiteatro. Percorreram-na por uma distância considerável, vendo a fenda ampliar-se cada vez mais, até permitir que um homem a abarcasse com as pernas.
Daí a pouco, estavam ao lado de seu ponto de origem. A superfície da arena fora esmagada e despedaçada, formando enorme depressão rasa, com mais de um quilômetro e meio de comprimento. Não era preciso muita imaginação para adivinhar a causa daquilo. Há muitas eras — ainda que certamente muito depois daquele mundo ter sido abandonado — uma imensa forma cilíndrica repousara ali e depois se erguera novamente em direção ao espaço, deixando o planeta entregue às suas lembranças.
Quem teriam sido? De onde teriam vindo? Alvin só podia conjecturar. Jamais saberia quanto tempo havia chegado depois daqueles visitantes — se mil ou um milhão de anos.
Caminharam em silêncio de volta para sua própria nave (decerto insignificante em comparação com o monstro que um dia já estivera naquele mesmo lugar!), e sobrevoaram lentamente a arena, até chegarem ao mais imponente dos edifícios que a circundavam. Ao pousarem diante de sua suntuosa entrada, Hilvar apontou para uma coisa que Alvin notara no mesmo momento.
— Esses edifícios não parecem seguros. Veja todas aquelas pedras caídas ali, só por milagre ainda estão de pé. Se houvesse tempestades neste planeta, já teriam sido destruídos há muito tempo. Acho que não é aconselhável entrarmos em qualquer um deles.
— Não vou fazer isso. Vou mandar o robô… ele anda muito mais depressa do que nós, e não provocará nenhuma perturbação que possa fazer com que a estrutura desmorone em cima dele. — Hilvar aprovou a precaução, mas também insistiu numa outra, em que Alvin não havia pensado. Antes do robô sair para seu reconhecimento, Alvin fez com que ele passasse uma série de instruções para o cérebro da nave. quase igualmente inteligente, de modo que, se acontecesse alguma coisa ao piloto, pudessem pelo menos voltar em segurança para a Terra.
Foi preciso pouco tempo para ambos se convencerem de que aquele mundo pouco tinha a oferecer. Juntos, viram quilômetros de corredores e passagens vazias e atapetadas de poeira passarem pela tela, enquanto o robô explorava aqueles labirintos vazios. Todos os edifícios projetados por seres inteligentes, qualquer que seja a forma de seus corpos, devem obedecer a certas leis básicas, e após algum tempo mesmo as formas arquitetônicas mais exóticas deixam de provocar surpresa, e a mente passa a se cansar da repetição, tornando-se ademais incapaz de absorver novas impressões. Aqueles edifícios, ao que parecia, tinham sido residenciais, e os seres que neles residiam teriam aproximadamente o mesmo tamanho dos homens. Talvez fossem mesmo homens, na verdade, havia um número surpreendente de cômodos e desvãos em que só poderiam penetrar criaturas voadoras, mas isso não significava que os construtores dessa cidade fossem alados. Poderiam utilizar dispositivos pessoais de neutralização da grávidade, os quais no passado tinham sido de uso comum, mas dos quais hoje não se encontrava sinal em Diaspar.
— Alvin — disse Hilvar finalmente —. poderíamos passar um milhão de anos explorando esses edifícios. É óbvio que não foram apenas abandonados, foram cuidadosamente despidos de qualquer coisa de valor que possuíam. Estamos perdendo tempo.
— Então, o que você sugere? — perguntou Alvin.
— Devíamos examinar mais duas ou três áreas desse planeta e ver se são iguais… como espero que sejam. Depois faríamos um exame igualmente rápido dos outros planetas, apenas aterrissando se parecerem fundamentalmente diferentes ou se observarmos alguma coisa inusitada. Isso é tudo que podemos fazer, a menos que desejemos passar aqui o resto da vida.
Isso era verdade, o que eles desejavam era estabelecer contacto com vida inteligente, e não realizar pesquisas arqueológicas. A primeira tarefa poderia ser cumprida em poucos dias, se é que seria cumprida, a segunda exigiria séculos de trabalho por exército de homens e robôs.
Deixaram o planeta duas horas depois, satisfeitos por saírem dali. Mesmo quando fervilhante de vida, pensou Alvin, aquele mundo de edifícios intermináveis deveria ter sido muito deprimente. Não havia sinais de parques ou qualquer espaço aberto onde pudesse ter existido vegetação. Aquele mundo fora inteiramente estéril e era difícil imaginar a psicologia dos seres que haviam vivido ali. Se o próximo planeta fosse idêntico, resolveu Alvin, provavelmente abandonaria sua busca ali mesmo.
Mas tal não aconteceu, com efeito, teria sido impossível imaginar contraste maior.
Esse planeta estava perto do Sol, e até mesmo do espaço ele parecia quente. Achava-se parcialmente coberto de nuvens baixas, o que indicava água abundante, mas não havia sinais de oceanos. Tampouco via-se sinal de inteligência, circularam o planeta por duas vezes sem vislumbrar um único artefato sequer, de qualquer espécie. Todo o globo, dos pólos ao equador, estava recoberto por um manto de um verde virulento.
— Acho melhor termos cuidado aqui — disse Hilvar. — Este mundo está vivo… e não gosto nada da cor dessa vegetação. Seria melhor permanecermos no interior da nave, sem abrir a câmara.
— Nem mesmo para deixar o robô sair?
— Nem isso. Você já esqueceu o que é a doença, e, embora meu povo saiba como enfrentá-la, estamos muito longe da Terra e pode haver perigos aqui que não podemos pressentir. Acho que este mundo desgovernou-se. No passado pode ter sido um grande jardim ou parque, mas quando foi abandonado a natureza tomou conta dele outra vez. Jamais poderia ser assim quando o sistema era habitado.
Alvin não duvidou de que Hilvar tivesse razão. Havia alguma coisa maléfica, algo de hostil a toda ordem e regularidade, em que se baseavam tanto Lys como Diaspar, na anarquia biológica que reinava lá embaixo. Ali, uma batalha incessante tinha sido travada durante um bilhão de anos, seria melhor precaverem-se contra os sobreviventes.
Desceram cautelosamente numa ampla planície, tão uniforme que impunha um problema imediato. O terreno era limitado por uma área mais elevada, completamente coberta de árvores cuja altura só podia ser objeto de conjectura — estavam tão juntas umas das outras, e tão cercadas de vegetação rasteira, que seus troncos se achavam praticamente soterrados. Entre os galhos mais altos voavam muitas criaturas aladas, embora se movessem com tamanha rapidez que se tornava impossível dizer se eram animais ou insetos… ou nenhuma dessas coisas.
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