— Hilvar — disse finalmente —, você acha certo o que estou fazendo?
A pergunta surpreendeu Hilvar, que não suspeitava das súbitas dúvidas que às vezes se apoderavam do amigo, e ainda não sabia nada a respeito do encontro de Alvin com o Computador Central e do impacto daquela entrevista sobre seu espírito. Não era uma pergunta fácil de se responder casualmente, tal como Khedron, embora com menos razão, Hilvar sentia que seu próprio caráter estava sendo submergido. Estava sendo irremediavelmente tragado pelo turbilhão que Alvin deixava em sua passagem pela vida.
— Acho que você está certo — Hilvar respondeu vagarosamente. — Nossos povos estão separados há muito tempo. — Isso, ele sabia, era verdade, embora soubesse que seu próprio sentimento devia deturpar sua resposta. Mas Alvin ainda estava preocupado.
— Há um problema que me aflige — Alvin continuou, com a voz trêmula. — É a diferença na duração de nossas vidas. — Não disse mais nada, mas cada um deles sabia o que o outro estava pensando.
— Isso também já me preocupou — admitiu Hilvar —, mas creio que o problema se resolverá por si mesmo quando nossos povos se encontrarem novamente. Não podemos estar ambos certos — nossas vidas podem ser curtas demais e a de vocês evidentemente é longa demais. Por fim, haverá um ajuste.
Alvin ficou a pensar. Nesse caminho, era verdade, estava a única esperança, mas as eras de transição seriam realmente difíceis. Lembrou-se novamente das palavras amargas de Seranis: «Tanto ele como eu estaremos mortos há séculos enquanto você ainda for um jovem.» Muito bem. Aceitaria as condições. Mesmo em Diaspar todas as amizades viviam sob a mesma sombra, quer a separação estivesse a uma distância de cem ou um milhão de anos, isso pouca diferença fazia no fim.
Alvin sabia, com uma certeza que superava toda e qualquer lógica, que o bem-estar da raça exigia a mistura das duas culturas, em tal caso, a felicidade individual não tinha importância. Por um momento, viu a humanidade como algo mais do que o pano de fundo vivo de sua própria vida, e aceitou sem remorso a infelicidade que sua escolha poderia vir a causar um dia.
Lá embaixo, o mundo continuava seu giro interminável. Sentindo a tristeza do amigo, Hilvar nada disse, até Alvin quebrar o silêncio.
— Quando saí de Diaspar pela primeira vez — disse ele — não sabia o que poderia encontrar. Antes, Lys me teria satisfeito… mais do que satisfeito… e, no entanto, agora tudo na Terra parece tão pequeno e sem importância. Cada uma das descobertas que fiz levantou perguntas maiores e horizontes mais largos. Fico pensando onde isso irá terminar…
Hilvar nunca vira Alvin tão pensativo, e não quis interromper-lhe o solilóquio. Aprendera muito sobre o amigo nos últimos minutos.
— O robô me disse — continuou Alvin — que esta nave pode chegar aos Sete Sóis em menos de um dia. Acha que devo ir?
— Acha que eu poderia detê-lo? — respondeu Hilvar, serenamente.
Alvin sorriu.
— Isso não é resposta — ele disse. — Quem sabe o que há lá, no espaço? Os Invasores podem ter deixado o Universo, mas talvez haja outras inteligências hostis ao Homem.
— Por que haveria? — perguntou Hilvar. — Essa é uma das questões que nossos filósofos vêm debatendo há eras. Não é provável que uma raça verdadeiramente seja inamistosa.
— Mas os Invasores…?
— São mesmo um enigma, admito. Se eram realmente maus, já devem ter se destruído. E mesmo que isso não tenha acontecido… — Hilvar apontou para os desertos sem fim lá embaixo. — No passado tivemos um Império. O que temos agora que pudessem cobiçar?
Alvin sentiu-se surpreso com o fato de outra pessoa ter o mesmo ponto de vista seu.
— Toda sua gente pensa assim? — perguntou.
— Só uma minoria. As pessoas comuns não se preocupam com isso, mas provavelmente diriam que se os Invasores desejassem mesmo destruir a Terra já o teriam feito há muito tempo. Não creio que alguém tenha realmente medo deles.
— As coisas são muito diferentes em Diaspar — disse Alvin. — Meus conterrâneos são grandes covardes. Ficam aterrorizados só em pensar em sair da cidade, e não sei o que acontecerá quando souberem que localizei uma nave espacial. Jeserac já terá contado isso ao Conselho, e eu gostaria de saber o que estão fazendo agora.
— Posso dizer-lhe. Estão se preparando para receber a primeira delegação de Lys. Seranis acaba de me informar.
Alvin olhou novamente para a tela. Podia abarcar a distância entre Lys e Diaspar com um olhar. Embora um de seus objetivos tivesse sido atingido, isso agora parecia uma ninharia. No entanto, sentia grande prazer. Certamente, as longas eras de isolamento estéril estavam chegando ao fim.
Saber que tivera êxito naquilo que antes representara sua principal missão acabou por dissipar as últimas dúvidas de Alvin. Ele cumprira sua finalidade na Terra, mais depressa e mais completamente do que ousara esperar. Estava aberto o caminho para o que poderia ser sua última aventura, certamente a maior delas.
— Você vem comigo, Hilvar? — perguntou, um tanto constrangido.
Hilvar olhou-o firmemente.
— Não havia necessidade de perguntar isso, Alvin — ele respondeu. — Eu disse a Seranis e a todos os meus amigos que iria com você… há uma hora atrás.
Já estavam a grande altitude quando Alvin deu ao robô suas últimas instruções. A nave imobilizara e a Terra estava a cerca de dois mil quilômetros abaixo, quase enchendo o céu. Parecia muito pouco atraente e Alvin imaginou quantas naves haveriam pairado ali por um momento, no passado, antes de continuarem viagem.
Houve uma pausa apreciável, como se o robô estivesse verificando controles e circuitos, sem utilização há eras geológicas. Ouviu-se então um leve som, o primeiro de um tipo que Alvin jamais ouvira de uma máquina. Era um zumbido tênue, que subiu rapidamente, oitava a oitava, até perder-se no limite da audição. Não houve nenhuma sensação de mudança ou movimento, mas de repente notou que as estrelas estavam passando pela tela. A Terra reapareceu, saiu do campo de visão e depois tornou a surgir, em posição ligeiramente diferente. A nave estava «caçando», oscilando no espaço como uma agulha de bússola à procura de seu norte. Por alguns minutos, os céus giraram e contorceram-se em torno deles, até que finalmente a nave se deteve, como um projétil gigantesco apontado para as estrelas.
Centralizado na tela, o grande anel dos Sete Sóis resplandecia em sua beleza multicor. Da Terra ainda era visível um pedaço, como um crescente escuro orlado do ouro e do escarlate do poente. Alguma coisa estava acontecendo agora, percebia Alvin, que ultrapassava toda a sua experiência. Esperou, agarrado à poltrona, enquanto os segundos transcorriam e os Sete Sóis refulgiam na tela.
Não houve qualquer som, apenas um arranco repentino que pareceu embaçar a visão: a Terra desaparecera como se mão gigantesca a houvesse empurrado. Estavam sós no espaço, sozinhos com as estrelas e um Sol estranhamente reduzido. A Terra desaparecera como se nunca houvera existido.
Mais uma vez sentiu-se aquele arranco, e com ele um leve murmúrio, como se pela primeira vez os geradores estivessem exercendo parcela apreciável de sua força. No entanto, por um momento, foi como se nada tivesse acontecido, depois Alvin percebeu que o próprio Sol desaparecera e que as estrelas passavam lentamente pela nave, ficando para trás. Olhou para trás por um instante e viu… nada. O céu atrás dele havia desaparecido inteiramente, obliterado por um hemisfério de noite. Enquanto olhava, podia ver as estrelas sendo tragadas na treva, sumindo como centelhas caídas na água. A nave viajava muito mais depressa do que a luz, e Alvin pensou que o espaço familiar da Terra e do Sol não mais o detinha.
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