— Acho que não lhes contei tudo a noite passada — disse Alvin animadamente. — Não vim a Lys pelo antigo caminho, de modo que a tentativa de vocês de fechá-lo foi inteiramente desnecessária. Na verdade, o Conselho de Diaspar também o fechou, e em vão.
Os rostos dos senadores denotavam perplexidade, enquanto uma solução após a outra passava por suas mentes.
— Então, como foi que você chegou aqui? — perguntou o líder. De repente, surgiu uma expressão de entendimento em seus olhos, e Alvin percebeu que ele começara a compreender a verdade. Ficou a imaginar se havia captado sua ordem mental enviada para além das montanhas. Mas não disse nada, apontando em silêncio para o céu setentrional.
Rápida demais para ser acompanhada pela vista, uma agulha de luz prateada cruzou as montanhas, deixando uma longa trilha de incandescência. A seis mil metros de altitude sobre Lys, ela se deteve. Não houve qualquer desaceleração, nenhum retardamento de sua velocidade colossal. A nave parou instantaneamente, de modo que o olho que a acompanhara continuou a percorrer um quarto do céu antes que o cérebro pudesse interromper-lhe o movimento. Dos céus desceu um estrondo, o som do ar esmagado e fendido pela violência da passagem da nave. Um pouco depois, brilhando à luz, ela veio pousar na encosta, a cem metros dali.
Seria difícil dizer quem estava mais surpreso, Alvin, porém, foi o primeiro a se recobrar. Enquanto caminhavam, quase correndo, em direção à nave espacial, imaginava se o veículo normalmente viajava daquela maneira meteórica. O pensamento era desconcertante, embora não tivesse havido nenhuma sensação de movimento em sua primeira viagem. O mais admirável de tudo, entretanto, era que no dia anterior aquele engenho resplandecente estivera oculto sob uma espessa camada de rocha dura como ferro — o revestimento de terra ainda permanecia quando a nave se libertou do deserto. Só quando chegou à nave, queimando os dedos ao tocar inadvertidamente o casco do veículo, foi que Alvin compreendeu o que acontecera. Perto da ré ainda havia vestígios de terra, mas agora estavam fundidos, transformados em lava. Todo o restante fora eliminado, deixando a nu o invólucro tenaz, que nem o tempo nem qualquer força natural jamais poderiam atingir.
Com Hilvar a seu lado, Alvin ficou de pé junto à porta aberta e olhou os senadores silenciosos. O que estariam pensando — na verdade, o que toda Lys estaria pensando? A julgar pelas expressões deles, era como se a capacidade de pensar alguma coisa lhes houvesse fugido…
— Vou a Shalmirane — disse Alvin — e estarei de volta a Airlee dentro de uma hora mais ou menos. Mas isso é apenas o começo, enquanto estiver fora, desejo que meditem numa coisa: Esta máquina não é um veículo comum como os que os homens usavam para viajar sobre a Terra. E uma nave espacial, uma das mais velozes já construídas. Se desejarem saber como a encontrei, acharão a resposta em Diaspar. Mas vocês terão de ir lá, pois Diaspar jamais virá a vocês.
Alvin virou-se em direção a Hilvar, fazendo um gesto para a porta. Hilvar hesitou apenas por um momento, olhando o cenário familiar ao seu redor. Depois, entrou na nave.
Os senadores ficaram a olhar o veículo, que agora se movia com muita lentidão — pois sua viagem seria curta — a desaparecer no sul. Depois o jovem de cabelos meio grisalhos que liderava o grupo balançou os ombros filosofícamente e virou-se para um dos colegas:
— Você sempre se opôs a nós, por desejarmos mudanças — ele disse —, e até aqui obteve o que quis. Mas creio que agora o futuro não pertence a nenhum de nossos grupos. Tanto Lys como Diaspar chegaram ao fim de uma era, e temos de conduzir a situação da melhor forma possível.
— Acho que você tem razão — foi a resposta taciturna. — Estamos numa crise, e Alvin sabia o que dizia quando nos falou que fôssemos a Diaspar. Agora sabem a nosso respeito, e de nada adianta continuarmos a nos esconder. Acho que seria melhor estabelecermos contacto com nossos primos, talvez os encontremos mais dispostos a cooperar agora.
— Mas o subterrâneo está fechado em ambas as extremidades!
— Podemos abrir a nossa. Não demorará muito para que Diaspar faça a mesma coisa.
As mentes dos senadores, tanto dos que estavam em Airlee como as dos que se encontravam espalhados por toda a Lys, consideraram a proposta e detestaram-na. Mas não viam outra alternativa.
Mais cedo do que tinham o direito de esperar, a semente plantada por Alvin começava a frutificar.
As montanhas ainda nadavam em sombras quando chegaram a Shalmirane. Do alto, a grande depressão da fortaleza parecia pequeníssima, parecia impossível que o destino da Terra houvesse outrora dependido de um círculo tão minúsculo.
Quando Alvin fez a nave pousar entre as ruínas à beira do lago, a desolação do lugar gelou-lhe a alma. Abriu a porta e o silêncio do local penetrou na nave. Hilvar, que quase nada dissera durante o vôo, perguntou baixinho:
— Por que você voltou aqui?
Alvin só respondeu quando já haviam quase chegado à beira do lago:
— Eu queria lhe mostrar como era a nave. E eu também esperava que o pólipo se houvesse reconstruído novamente. Creio que tenho uma dívida para com ele, e queria dizer-lhe o que foi que eu descobri.
— Nesse caso — respondeu Hilvar — terá de esperar. Você voltou cedo demais.
Alvin contara com isso. Tal possibilidade era mesmo remota e não se sentia desapontado com seu insucesso. As águas do lago estavam perfeitamente imóveis e já não batiam com o ritmo regular que tanto os intrigara na primeira visita. Alvin ajoelhou-se à beira da água e perscrutou-lhe as profundezas frias e escuras.
Pequenos sinos translúcidos, arrastando tentáculos quase invisíveis, mexiam-se de um lado para outro sob a superfície. Alvin mergulhou a mão, tirando um deles da água. Mas jogou-o fora quase imediatamente, com uma leve exclamação de surpresa. A coisa o picara.
Algum dia. dentro de anos, talvez séculos, aquelas geléias informes se reuniriam novamente e o grande pólipo renasceria, enquanto suas memórias se juntavam e sua consciência readquiria existência. Alvin imaginava como a criatura receberia as descobertas que ele fizera. Talvez não lhe agradasse saber a verdade a respeito do Mestre. Com efeito, poderia recusar-se a admitir que tantas eras de tão paciente espera haviam sido vãs.
Mas teriam mesmo sido vãs? Por mais iludidas, a longa vigília dessas criaturas fora por fim recompensada. Como por milagre, tinham salvado o conhecimento anterior, que de outra forma poderia ter-se perdido para sempre. Agora podiam repousar finalmente, e o credo que abraçavam podia seguir o caminho de um milhão de outras fés que no passado se haviam acreditado eternas.
Alvin e Hilvar caminharam num silêncio meditativo de volta à nave, não demorou que a fortaleza caísse novamente em sombras entre as colinas. Reduziu-se rapidamente de tamanho, até tornar-se um olho negro e sem pálpebra, fitando para sempre o espaço, logo eles a perderam em meio ao grande panorama de Lys.
Alvin nada fez para deter a máquina, e subiram até ver toda a Lys abaixo deles, ilha verde num mar ocre. Jamais Alvin subira a tal altitude. Quando finalmente se detiveram, todo o crescente da Terra estava visível embaixo. Lys era pequeníssima agora — apenas uma mancha cor de esmeralda contra o deserto cor de ferrugem —, mas quase que do outro lado do globo alguma coisa brilhava como uma jóia multicor. Foi assim que, pela primeira vez, Hilvar viu a cidade de Diaspar.
Ficaram sentados longamente, vendo a Terra girar sob eles. De todos os antigos poderes do Homem, aquele era certamente o que ele menos podia dar-se o luxo de perder. Alvin desejou poder mostrar o mundo, como o via agora, aos governantes de Lys e de Diaspar.
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