Os três senadores permaneceram em suas cadeiras, paralisados, apenas uma leve expressão de surpresa passou pelo rosto de Seranis. Talvez Hilvar já lhe houvesse mandado um aviso, ou talvez ela tivesse esperado que, mais cedo ou mais tarde, Alvin regressaria.
— Boa noite — disse Alvin, através do robô, como se sua entrada na sala fosse a coisa mais natural do mundo. Um dos senadores, um homem jovem, os cabelos meio grisalhos, foi o primeiro a se recuperar.
— Como você entrou aqui? — ele perguntou, arfando.
A razão de seu espanto era óbvia. Da mesma forma que Diaspar, também Lys devia ter tirado o subterrâneo de circulação.
— Ora, vim da mesma maneira como cheguei da última vez — disse Alvin, incapaz de resistir à brincadeira.
Dois dos senadores olharam fixamente para o terceiro, que abriu as mãos num gesto de perplexa resignação. O mais jovem, que falara antes, voltou a dirigir-se a ele.
— Você não teve… dificuldade? — perguntou.
— Absolutamente nenhuma — respondeu Alvin, resolvido a lhes aumentar a confusão. Percebeu que tivera êxito.
— Voltei — continuou — por livre e espontânea vontade e porque tenho algumas notícias importantes para vocês. Contudo, em vista de nosso desacordo anterior, prefiro permanecer a distância no momento. Se eu aparecer pessoalmente, prometem não tentar restringir meus movimentos outra vez?
Ninguém disse nada por algum tempo, e Alvin imaginou que pensamentos silenciosos estariam sendo trocados. Depois Seranis falou em nome de todos.
— Não tentaremos controlá-lo outra vez… ainda que eu não ache que tenhamos tido muito sucesso antes.
— Muito bem — disse Alvin. — Vou a Airlee o mais depressa que puder.
Esperou até o robô ter voltado. Então, com todo cuidado, deu instruções à máquina e a fez repeti-las. Seranis, ele tinha certeza, não faltaria à sua palavra. Ainda assim, preferia salvaguardar sua linha de retirada.
A porta da nave fechou-se silenciosamente às suas costas quando ele saiu. Daí a um momento, ouviu-se um assovio, como um suspiro arrastado e surpreso, enquanto o ar dava lugar à nave em ascensão. Por um instante, uma sombra escura obscureceu as nuvens, logo, a nave sumira no céu.
Só então Alvin compreendeu que cometera um erro de cálculo, ligeiro, embora inquietante: o tipo de engano que poderia pôr a perder os planos mais elaborados. Esquecera-se de que os sentidos do robô eram mais agudos que os seus, e que a noite estava muito mais negra do que ele esperara. Mais de uma vez perdeu o caminho completamente, e por diversas vezes esteve para tropeçar em árvores. A floresta estava negra como breu, e de certa feita uma coisa de grandes dimensões veio em sua direção, em meio à vegetação. Houve um leve estalar de asas, e dois olhos de esmeralda olharam-no fixamente, na altura de seu ventre. Ele falou baixinho e uma língua incrivelmente longa roçou-lhe o rosto. Logo depois, um corpo poderoso esfregou-se afetuosamente nele e fugiu sem o menor som. Alvin não imaginava o que fosse.
Não tardou que as luzes da vila brilhassem através das árvores, mas ele não necessitava mais delas para se orientar, pois o caminho sob seus pés se havia transformado num rio de embaçado fogo azul. O musgo que ele pisava era luminoso e suas pegadas deixavam manchas escuras que lentamente desapareciam atrás dele. Era uma visão bela e extasiante, e quando Alvin abaixou-se para pegar um pouco do estranho musgo, ele brilhou por minutos em suas mãos em concha, antes de a radiação acabar.
Hilvar foi se encontrar com ele pela segunda vez do lado de fora da casa, e pela segunda vez apresentou-o a Seranis e aos senadores. Saudaram-no com uma espécie de respeito distante e relutante. Se lhes causou surpresa a ausência do robô, nada comentaram.
— Peço desculpas — começou Alvin — por ter sido obrigado a deixar esta terra de maneira tão pouco digna. Talvez lhes interesse saber que sair de Diaspar foi quase tão difícil… — deixou que essa observação causasse o efeito pretendido, e depois acrescentou rapidamente: — Contei a meu povo tudo a respeito de Lys, e fiz tudo o que pude para dar uma impressão positiva. Mas Diaspar não quer saber de vocês. Apesar de tudo que eu disse, deseja evitar contaminação com uma cultura inferior.
Foi maravilhoso contemplar a reação dos senadores, até mesmo a comedida Seranis ruborizou-se um pouco ante tais palavras. Se pudesse fazer com que Lys e Diaspar se sentissem suficientemente irritadas uma com a outra, pensou Alvin, mais da metade de seu problema estaria solucionada. Cada uma delas estaria tão ansiosa por demonstrar a superioridade de seu modo de vida que todas as barreiras cedo ruiriam.
— Por que você voltou a Lys? — perguntou Seranis.
— Porque desejo convencer vocês, da mesma forma que a Diaspar, que têm cometido um erro. — Não acrescentou sua outra razão: a de que em Lys estava o único amigo certo que ele tinha e de cuja ajuda ele precisava agora.
Os senadores continuaram em silêncio, esperando que ele prosseguisse, e Alvin sabia que, através dos olhos e dos ouvidos daquelas pessoas, muitas outras inteligências viam e ouviam o que se passava ali. Era o representante de Diaspar, e toda Lys estava julgando sua cidade pelo que ele dissesse. Era uma enorme responsabilidade, e ele tinha consciência disso. Concatenou seus pensamentos e começou a falar.
Seu tema era Diaspar. Descreveu a cidade como a vira pela última vez, sonhando no seio do deserto, suas torres fulgindo como arco-íris cativos contra o céu. Do tesouro de sua memória recolheu as canções que os poetas antigos haviam escrito em louvor de Diaspar, e falou dos homens incontáveis que haviam dedicado as vidas a aumentar-lhe a beleza. Ninguém, disse, poderia jamais esgotar os tesouros da cidade, por mais tempo que vivesse. Sempre haveria alguma coisa nova. Por algum tempo, descreveu as maravilhas que os homens de Diaspar haviam criado, tentou fazer com que cada uma das pessoas ali presentes captasse pelo menos um vislumbre da beleza que os artistas do passado haviam inventado para a admiração eterna do homem. E conjecturou, um tanto sonhadoramente, se seria verdade que a música de Diaspar fora o último som da Terra a ser transmitido para as estrelas.
Ouviram-no até o fim, sem interrupções nem perguntas. Quando terminou já era muito tarde, e sentia-se mais cansado do que em qualquer outra ocasião em sua vida. A tensão e a excitação daquele longo dia abatiam-no por fim, e de repente ele adormeceu.
Quando despertou, estava num quarto desconhecido, passaram-se alguns momentos antes que se lembrasse de que não estava mais em Diaspar. A volta de sua consciência era acompanhada pela difusão da luz a seu redor, até que dentro em pouco estava banhado pelo clarão suave e fresco do Sol matutino, que se filtrava pelas paredes transparentes. Alvin permaneceu meio adormecido, lembrando-se dos acontecimentos da véspera e imaginando que forças teria posto em ação agora.
Com um som suave e musical, uma das paredes começou a dobrar-se de maneira tão complicada que a vista se cansava ao querer acompanhar os movimentos. Hilvar entrou pela abertura formada, olhando Alvin com uma expressão ao mesmo tempo divertida e preocupada.
— Agora que você está acordado, Alvin, talvez queira me dizer finalmente qual será seu próximo lance e como foi que conseguiu chegar aqui. Os senadores estão saindo para examinar o subterrâneo, não conseguem entender como foi que você o usou. Você o usou?
Alvin saltou da cama e espreguiçou-se.
— Talvez seja melhor a gente ir falar com eles — disse. — Não quero fazer com que percam tempo. Agora, quanto à pergunta que você me fez… daqui a pouco vou mostrar a resposta.
Já tinham quase chegado ao lago quando alcançaram os três senadores, e os dois grupos trocaram cumprimentos um tanto constrangidos. O Comitê de Investigações percebia que Alvin sabia onde ia, e o encontro inesperado deixara-os sem saber o que fazer.
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