Mal hesitou. Estava com medo de demorar-se, pois aquele momento ansiosamente esperado talvez jamais se repetisse — e mesmo que isso acontecesse, talvez sua coragem não correspondesse a seu desejo de conhecimento. Khedron abriu a boca, num protesto ansioso, mas antes que pudesse dizer alguma coisa Alvin já entrara na máquina. Voltou-se para encarar Khedron, que permanecia de pé, emoldurado pelo retângulo da porta de entrada, por um instante houve um silêncio intenso, enquanto cada um deles esperava que o outro dissesse alguma coisa.
A decisão foi tomada à revelia deles. Houve um leve bruxuleio de translucidez, e a máquina novamente se fechou. Enquanto Alvin levantava a mão num adeus, o longo cilindro já entrava em movimento. Antes de penetrar no túnel, já se movia mais depressa do que um homem correndo.
Houvera um tempo em que, diariamente, milhões de homens realizavam tais jornadas, em máquinas semelhantes àquela, entre seus lares e seus empregos rotineiros. Desde aquela época, o Homem havia explorado o Universo e retornado à Terra, havia fundado um Império e deixara que ele escapasse a seu controle. Agora uma viagem semelhante estava sendo feita mais uma vez, numa máquina em que milhões de homens desconhecidos e sedentários se tinham sentido inteiramente à vontade.
E aquela haveria de ser a viagem mais momentosa que qualquer ser humano empreendera em um bilhão de anos.
Alystra já havia percorrido o Túmulo uma dezena de vezes, ainda que uma só tivesse sido suficiente, pois não havia ali lugar algum em que uma pessoa pudesse ocultar-se. Depois do primeiro choque de surpresa, perguntou a si mesma se o que tinha seguido pelo Parque não teria sido, por acaso, projeções de Alvin e Khedron. Mas não fazia sentido, as projeções eram materializadas no lugar que se queria visitar, sem o inconveniente de se ter de ir lá fisicamente. Uma pessoa normal não faria sua imagem projetada «andar» três quilômetros, levando meia hora para chegar ao destino, quando podia estar lá instantaneamente. Não, o que ela seguira até o Túmulo fora o Alvin real, o Khedron real.
Por conseguinte, em algum lugar haveria uma entrada secreta. Então, ficaria à procura dela, enquanto esperava que retornassem.
Sucedeu, porém, que ela não deu pelo reaparecimento de Khedron, pois estava examinando uma coluna atrás da estátua quando ele ressurgiu do outro lado. Mas escutou seus passos, voltou-se e viu que estava sozinho.
— Onde está Alvin? — gritou.
Passou-se algum tempo antes que o Bufão respondesse.
Ele parecia perturbado e sem saber o que dizer, e Alystra teve de repetir a pergunta antes que ele a notasse. Não pareceu absolutamente surpreso por encontrá-la ali.
— Não sei onde ele está — respondeu por fim. — Tudo que posso dizer é que está a caminho de Lys. Agora você sabe tanto quanto eu.
Nunca era sensato aceitar as informações de Khedron ao pé da letra. Mas Alystra não precisava de maior garantia de que o Bufão não estava representando seu papel aquele dia.
Quando a porta se fechou, Alvin deixou-se cair na poltrona mais próxima. Toda a energia parecia ter abandonado de repente suas pernas, finalmente conhecia, como nunca antes, aquele medo do desconhecido que oprimia seus companheiros. Sentiu que tremia dos pés à cabeça, e sua visão tornou-se turva e incerta. Se pudesse, teria escapado, sem vacilar, da máquina veloz, mesmo que isso significasse a renúncia a seus sonhos.
Não era só o medo que o assaltava, mas também uma sensação de indizível solidão. Tudo quanto conhecia e amava estava em Diaspar, mesmo que a viagem não o conduzisse a perigos, era possível que nunca mais voltasse a seu mundo. Sabia, como nenhum homem tinha sabido, durante eras, o que significava deixar o lar para sempre. Naquele momento de desolação, não lhe parecia ter qualquer importância o que o aguardava, perigo ou segurança. Tudo que lhe importava agora era que a viagem o conduzia para fora de seu mundo.
Esse estado de espírito cedeu aos poucos, e as sombras deixaram sua mente. Começou a prestar atenção às coisas que o rodeavam, a ver o que podia aprender no veículo inacreditavelmente antigo em que estava viajando. Não lhe parecia particularmente estranho ou maravilhoso que aquele soterrado sistema de transporte ainda funcionasse perfeitamente após tantas eras. Não fora preservado nos circuitos de memória da cidade, mas em algum lugar deviam existir semelhantes preservando-o da ação do tempo e das mutações.
Pela primeira vez, notou o quadro indicador que fazia parte da parede anterior. Havia ali uma mensagem breve, mas tranqüilizadora:
LYS
35 MINUTOS
Enquanto a observava, o número mudou para «34». Isso pelo menos era uma informação útil, ainda que, como não dispunha de nenhuma informação sobre a velocidade da máquina, nada lhe dissesse sobre a extensão da viagem. As paredes do túnel eram contínuas manchas cinzentas, e a única sensação de movimento era fornecida por uma levíssima vibração que jamais teria observado se não a procurasse detectar.
Diaspar devia estar agora a muitos quilômetros dali, acima dele estaria o deserto com suas dunas ao sabor dos ventos. Talvez naquele exato momento Alvin estivesse a correr sob as colinas erodidas que havia observado tantas vezes da Torre de Loranne.
Sua imaginação disparou em direção a Lys, como se ansiosa por chegar lá antes do corpo. Que espécie de cidade seria? Por mais que tentasse, só conseguia concebê-la como uma versão menor de Diaspar. Imaginou se ainda existiria, depois, porém, deu-se conta de que, se não existisse, aquela máquina não estaria a levá-lo celeremente através da terra.
De repente, houve uma clara modificação na vibração. O veículo começou a diminuir sua velocidade — não havia dúvida quanto a isso. O tempo passara mais depressa do que ele havia imaginado. Um tanto surpreso, Alvin olhou para o indicador:
LYS 23 MINUTOS
Intrigado, e um tanto preocupado, colocou o rosto na parede da máquina. A velocidade ainda fazia com que as paredes do túnel fossem um cinzento sem maiores detalhes, embora agora, de vez em quando, ele conseguisse colher um lampejo de marcas que desapareciam quase tão depressa quanto eram percebidas. E a cada desaparecimento, pareciam persistir um pouquinho mais em seu campo de visão.
Então, sem qualquer aviso, as paredes do túnel reapareceram de ambos os lados. A máquina passava, ainda a grande velocidade, por um espaço enormemente vazio, até mesmo maior do que a sala das vias móveis.
Olhando pasmado através das paredes transparentes, Alvin podia perceber debaixo dele uma complexa rede de barras e canos que se cruzavam e recruzavam até desaparecerem num emaranhado de túneis laterais. Um jorro de luz azulada despenhava-se da cúpula arqueada do teto e, silhuetas contra o clarão, ele percebia os contornos de grandes máquinas. A luz era tão brilhante que ofuscava a vista, aquele lugar, pensou Alvin, não havia sido destinado a homens. Um momento depois, o veículo que o transportava passou velozmente por filas após filas de cilindros, inteiramente imóveis acima de seus carris. Eram maiores do que o seu, e Alvin supôs que se destinassem ao transporte de carga. Em torno deles agrupavam-se mecanismos incompreensíveis, imóveis e silenciosos, com inúmeras articulações.
Quase tão depressa como havia aparecido, a vasta e solitária câmara desapareceu atrás dele. Sua passagem deixou uma sensação de medo na mente de Alvin, pois pela primeira vez compreendia realmente o significado daquele grande mapa obscurecido debaixo de Diaspar. O mundo estava mais cheio de maravilhas do que ele jamais sonhara.
Alvin relanceou os olhos novamente pelo indicador. Não mudara. A passagem pela grande caverna levara menos de um minuto. A máquina estava acelerando novamente, embora a sensação de movimento fosse mínima, as paredes do túnel passavam a uma velocidade, de ambos os lados, que ele não podia sequer estimar.
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