Alvin encaminhou-se para os túneis mais próximos. Dera apenas alguns passos quando percebeu que alguma coisa estava acontecendo ao chão onde ele pisava. O chão estava-se tornando transparente. Alguns metros mais adiante, teve a impressão de estar suspenso no ar sem apoio visível. Parou e olhou para o vazio embaixo.
— Khedron! Venha cá e olhe isso!
O outro chegou e juntos fitaram a maravilha que se descortinava sob os pés. Claramente visível, a uma profundidade indefinida, havia um enorme mapa — uma imensa rede de linhas que convergiam para um ponto central debaixo do poço central. Por um momento, olharam-no em silêncio. Khedron perguntou tranqüilamente:
— Compreende o que é isso?
— Acho que sim — respondeu Alvin. — É um mapa do sistema de transportes. Aqueles círculos pequenos devem indicar as outras cidades da Terra. Posso ver nomes ao lado deles, mas estão apagados demais para lê-los.
— Deve ter havido alguma forma de iluminação interna no passado — disse Khedron com ar ausente. Estava traçando as linhas debaixo de seus pés, acompanhando-as com os olhos até as paredes da caverna. — Bem como pensei! — exclamou de repente. — Está vendo todas essas linhas radiantes que convergem para os pequenos túneis?
Alvin havia percebido, ao lado dos grandes arcos dos caminhos móveis, inumeráveis túneis menores que saíam da caverna. Eram túneis que, ao invés de subirem, desciam.
Khedron prosseguiu, sem esperar resposta.
— É difícil imaginar um sistema mais simples. As pessoas desciam pelas vias móveis, escolhiam o lugar que desejavam visitar e então seguiam a linha apropriada no mapa.
— E o que acontecia depois disso? — perguntou Alvin. Khedron estava em silêncio, buscando com os olhos o mistério daqueles túneis descendentes. Eram trinta ou quarenta, parecendo todos exatamente iguais. Somente os nomes no mapa poderiam distingui-los, mas esses nomes estavam agora indecifráveis.
Tendo-se afastado, Alvin rodeara a coluna central. Sua voz chegou a Khedron ligeiramente abafada pelos ecos das paredes da sala.
— O que é? — perguntou Khedron, sem querer mover-se, pois quase conseguira ler um dos grupos de letras, quase apagados. Mas como Alvin chamava com insistência, atendeu-o. Tratava-se da outra metade do grande mapa, com sua tênue rede de linhas radiando para os pontos cardeais. Dessa vez, porém, nem todo ele estava escuro demais para ser visto com clareza, pois uma das linhas, e somente uma, estava brilhantemente iluminada. Era como se ela não tivesse conexão com o resto do sistema, e apontava, como uma flecha de luz, um dos túneis ascendentes. Pouco antes de seu fim, a linha transfixava um círculo de luz dourada, e contra esse círculo havia uma única palavra: LYS. ISSO era tudo.
Por muito tempo, Alvin e Khedron fitaram aquele símbolo silencioso. Para Khedron, era um desafio que ele sabia não poder aceitar jamais, e que, na verdade, ele preferia que não existisse. Mas para Alvin aquilo representava como que o prenuncio da realização de todos os seus sonhos. Embora o nome Lys não significasse nada para ele, deixou-o rolar pela boca, provando-lhe a sibilância como se fosse uma especiaria exótica. O sangue disparava em suas veias, as maçãs de seu rosto queimavam febricitantes. Alvin olhou em volta do imenso recinto, tentando imaginar como teria sido nos dias remotos, quando o transporte aéreo havia chegado ao fim, mas as cidades da Terra ainda mantinham contato entre si. Pensou nos incontáveis milhões de anos em que o tráfego havia minguado gradualmente e imaginou as luzes do grande mapa apagando-se uma a uma, até só restar aquela única linha. Por quanto tempo, pensou, ela havia brilhado ali, entre suas companheiras apagadas, esperando para guiar passos que nunca vinham, até Yarlan Zey ter lacrado os caminhos móveis e fechado Diaspar para o mundo.
Isso acontecera havia um bilhão de anos. Ainda então, Lys devia estar em contato com Diaspar. Parecia impossível que ela pudesse ter sobrevivido, era possível que, afinal de contas, o mapa nada significasse agora.
Khedron interrompeu finalmente seu devaneio. Dava sinais de nervosismo e impaciência. Não era a mesma pessoa segura e confiante que sempre fora na cidade lá em cima.
— Não creio que devamos ir adiante agora — disse. — Pode não ser seguro até… até estarmos mais preparados.
Havia verdade nisso, mas Alvin percebeu o tom de medo na voz de Khedron. Não fora esse fato, Alvin talvez se deixasse influenciar, mas uma aguda consciência de sua própria coragem, combinada por desdém pela timidez do companheiro, impulsionou-o para a frente. Parecia tolice ter chegado tão longe e retornar quando a meta parecia estar à vista.
— Vou descer por aquele túnel — disse obstinadamente, como se desafiasse Khedron a detê-lo. — Quero saber até onde vai. — Partiu com resolução e após um instante de hesitação o Bufão acompanhou-o pela flecha luminosa.
Ao entrarem no túnel, sentiram o repuxão familiar do campo peristáltico, e daí a pouco deslizavam sem esforço para baixo. A viagem não chegou a durar um minuto, quando o campo os libertou, estavam de pé numa extremidade de uma longa câmara em forma de semicilindro. Na outra extremidade, dois túneis pequenos e escuros seguiam para o infinito.
Homens de quase todas as civilizações que haviam existido desde o Alvorecer teriam achado o ambiente inteiramente familiar, mas para Alvin e Khedron tratava-se de uma visão de outro mundo. A finalidade da longa máquina aerodinâmica que esperava, como um projétil, no túnel, era óbvia, mas isso não tornava o ambiente menos insólito. Sua parte superior era transparente e, olhando através das paredes, Alvin viu filas de poltronas luxuosas. Não havia nenhum sinal de entrada, a máquina flutuava a pouco mais de um palmo acima de uma única barra metálica que sumia na distância, desaparecendo por um dos túneis. Alguns metros mais adiante, outra barra conduzia ao segundo túnel, mas sobre ela nenhuma máquina flutuava. Alvin sabia, como se lhe tivesse sido dito, que em algum lugar, sob a desconhecida e distante Lys, a segunda máquina estaria à espera em outra câmara semelhante àquela.
Khedron começou a falar, um pouco depressa demais.
— Que estranho sistema de transporte! Só pode transportar cem pessoas de cada vez, e isso mostra que o tráfego não era intenso. E por que subterrâneo, se os céus ainda estavam abertos? Talvez os Invasores nem mesmo permitissem que voassem, ainda que eu ache difícil acreditar nisso. Ou teria isso sido construído no período de transição, enquanto os homens ainda viajavam, mas não queriam lembrar-se do espaço? Podiam ir de cidade a cidade e nunca ver o céu e as estrelas. — Sorriu nervosamente. — De uma coisa tenho certeza, Alvin. Quando Lys existiu, era muito parecida com Diaspar. Todas as cidades deviam ser essencialmente idênticas. Não é de admirar que todas terminassem por ser abandonadas e se reduzissem a Diaspar. De que adiantaria haver mais de uma?
Alvin mal o escutava. Estava ocupado em examinar o longo projétil, tentando encontrar a entrada. Se a máquina era controlada por alguma ordem mental ou verbal, talvez jamais fosse capaz de fazer com que ela o obedecesse, e aquilo se reduziria a um enigma enlouquecedor para o resto de sua vida.
Quando a porta se abriu silenciosamente, foi tomado de surpresa. Não houve som nem aviso, uma parte da parede simplesmente desapareceu de vista e o interior lindamente decorado surgiu diante de seus olhos.
Aquele era o momento de opção. Até então ele sempre tinha sido capaz de voltar, se assim desejasse. Mas se transpusesse aquela porta, sabia o que ia acontecer, embora não soubesse para onde iria. Já não exercia controle sobre seu próprio destino, estaria entregue a forças desconhecidas.
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