Após um tempo que pareceu um século, ocorreu novamente a indefinível modificação da vibração. Agora o indicador dizia:
LYS 1 MINUTO
e esse minuto foi o mais longo que Alvin já havia experimentado. A máquina diminuía de velocidade. Ela estava chegando a seu destino.
Sem solavancos e silenciosamente, o longo cilindro emergiu do túnel e entrou numa caverna que era a réplica da que havia em Diaspar. Por um momento, Alvin sentiu-se excitado demais para ver qualquer coisa com clareza, a porta permaneceu aberta por um tempo considerável antes que ele compreendesse que poderia deixar o veículo. Enquanto saía apressadamente, teve um último relance do indicador. A mensagem mudara e era infinitamente tranqüilizadora:
DIASPAR 35 MINUTOS
Enquanto se punha a procurar uma saída da caverna, Alvin teve o primeiro indício de que talvez estivesse numa civilização diferente da sua. O caminho para a superfície estendia-se claramente através de um túnel baixo e largo, numa das extremidades da caverna — e dele saía um lance de escadas. Escadas eram coisas extremamente raras em Diaspar. Os arquitetos da cidade haviam construído rampas ou corredores inclinados sempre que havia uma mudança de nível. Isso era um resquício dos tempos em que, em sua maioria, os robôs eram montados sobre rodas e por isso encontravam nos degraus uma barreira intransponível.
A escadaria era curta e terminava diante de portas que se abriram automaticamente ante a aproximação de Alvin. Entrou numa pequena câmara, semelhante à que o transportara pelo poço sob o Túmulo de Yarlan Zey, e não se surpreendeu quando, minutos depois, as portas se abriram de novo para revelar um corredor abobadado que subia até uma arcada que emoldurava um semicírculo de céu. Não havia nenhuma sensação de movimento, mas Alvin sabia que devia ter subido uma longa distância. Subiu correndo a rampa até a abertura ensolarada, esquecido de todos os temores na ânsia de verificar o que havia para ser visto.
Ele estava de pé no alto de uma colina baixa, e por um instante teve a impressão de que estava novamente no parque central de Diaspar. No entanto, se aquilo era um parque, era demasiado colossal para que sua mente o abarcasse. A cidade que ele tinha esperado ver não era visível em parte alguma. Até onde a vista alcançava, só havia florestas e planícies relvadas.
Então Alvin ergueu os olhos para o horizonte, e lá, acima das árvores, estendendo-se da direita para a esquerda num grande arco que abarcava o mundo, havia uma linha de pedra que teria reduzido a um nada os mais pujantes gigantes de Diaspar. Estava tão distante que seus detalhes confundiam-se numa mancha indistinta, mas alguma coisa em sua conformação intrigou Alvin. Por fim seus olhos se habituaram à escala daquela paisagem colossal, e ele percebeu que aquelas muralhas longínquas não eram construção humana.
O Tempo não havia conquistado tudo, a Terra ainda possuía montanhas de que se orgulhar.
Por muito tempo Alvin permaneceu à boca do túnel, procurando adaptar-se àquele mundo estranho. Sentia-se um tanto atônito pelo impacto das dimensões e do espaço, aquele anel de montanhas nevoentas poderia conter cerca de uma dezena de cidades do tamanho de Diaspar e, no entanto, Alvin não percebia nenhum vestígio de vida humana, muito embora a estrada que descia a colina parecesse bem conservada. Não havia coisa melhor a fazer senão seguir por ela.
Ao pé do outeiro, a estrada desaparecia entre grandes árvores, que quase ocultavam o sol. Quando penetrou na sombra, foi saudado por uma estranha mistura de aromas e sons. Alvin já conhecia o rumorejar do vento nas folhas, mas não daquele jeito, sublinhado por um milhão de vagos ruídos que nada significavam para ele. Assaltavam-no cores desconhecidas, bem como odores há muito perdidos na memória de sua raça. O calor, a profusão de perfumes e cores, bem como a presença invisível de um milhão de seres vivos o atingiam com uma violência quase física.
Alvin deu com o lago sem qualquer aviso. A direita, as árvores terminaram de repente, e diante dele surgiu uma enorme massa de água interrompida por ilhotas. Jamais em sua vida vira tanta água, as maiores piscinas de Diaspar não passavam de poças, comparadas com aquela massa de água. Alvin caminhou devagar até a margem do lago e colheu a água morna entre as mãos, deixando que ela lhe escorresse entre os dedos.
O grande peixe prateado que repentinamente forçou passagem entre os juncos aquáticos foi a primeira criatura não humana que Alvin viu. O peixe deveria ter-lhe parecido inteiramente estranho, mas no entanto sua forma feriu-lhe a mente com uma singular familiaridade. Pairando ali, no pálido vazio verde, onde suas nadadeiras formavam uma esmaecida mancha de movimento, o peixe parecia a verdadeira corporificação de força e velocidade. Ali, incorporadas em carne viva, estavam as linhas graciosas das poderosas naves que um dia haviam dominado os céus da Terra. A evolução e a ciência tinham chegado às mesmas respostas. E o trabalho da natureza durara mais.
Por fim, Alvin quebrou o encantamento que lhe provocava o lago e continuou a caminhar pela estrada batida pelo vento. Mais uma vez a floresta fechou-se a seu redor, mas apenas por um curto espaço, pois a estrada não demorou a desembocar numa grande clareira de quase um quilômetro de largura e cerca de dois quilômetros de comprimento — e Alvin compreendeu por que não havia percebido até então nenhum vestígio humano.
A clareira estava repleta de edifícios baixos, de dois pavimentos, pintados com cores suaves, que descansavam a vista mesmo ao clarão do sol. A maioria era de arquitetura simples, porém muitos apresentavam um complexo estilo arquitetônico, que envolvia a utilização de colunas esfriadas e pedras graciosamente engastadas. Naqueles edifícios, que pareciam muito antigos, repetia-se o invento incomensuravelmente remoto da ogiva.
Enquanto se aproximava da vila, Alvin ainda lutava por compreender aquele novo ambiente. Nada lhe era familiar. Até mesmo o ar mudara, com sua insinuação de vida palpitante e desconhecida. E as pessoas altas que passavam entre os prédios, com graça inconsciente, eram obviamente de uma raça diferente da dos homens de Diaspar.
Não tomaram conhecimento de Alvin, o que não deixava de ser estranho, pois as roupas que ele usava eram completamente diferentes das deles. A temperatura em Diaspar jamais se modificava e por isso as roupas eram puramente ornamentais e muitas vezes extremamente complicadas. Ali, os trajes pareciam sobretudo funcionais, projetados mais para serem usados do que exibidos, e freqüentemente consistiam, por isso, em um único pedaço de pano envolvendo o corpo.
Só quando Alvin já se encontrava dentro da vila é que a população de Lys reagiu à sua presença. E então a reação assumiu uma forma um tanto inesperada. De dentro de uma das casas saiu um grupo de cinco homens, que se puseram a caminhar diretamente para ele — como se, na verdade, o estivessem esperando: Alvin sentiu uma excitação súbita e violenta. O sangue quase se congelou em suas veias. Pensou em todos os encontros fatídicos que os homens deviam ter tido com raças diferentes em mundos distantes. Aqueles seres que se aproximavam dele agora eram obviamente de sua própria espécie, mas até que ponto teriam divergido nas eternidades que os separavam de Diaspar?
A delegação deteve-se a alguns passos de Alvin. O líder do grupo sorriu, estendendo a mão no remoto gesto de amizade.
— Achamos melhor recebê-lo aqui — disse. — Nossas moradias são muito diferentes das de Diaspar e a caminhada desde a estação dá aos visitantes oportunidade de… se aclimatarem.
Alvin aceitou a mão estendida, mas por um instante não pôde responder, tomado de surpresa. Agora compreendia por que todos os outros aldeões o haviam ignorado tão completamente..
Читать дальше