— Porque a alteração tornou a Mudança inevitável? — disse Harlan com insegurança.
— Tornou? Você pode voltar atrás e anular a alteração, não pode?
— Creio que sim. Nunca o fiz, contudo. Ou alguém de quem eu tenha ouvido falar.
— Certo. Não há propósito em se anular uma alteração, portanto ela passa como planejada. Mas aqui temos algo mais. Uma alteração não intencional. Você mandou Cooper para o século errado, e agora eu pretendo firmemente anular essa alteração e trazer Cooper de volta para cá.
— Pelo amor do Tempo, como?
— Não estou certo ainda, mas deve haver uma maneira. Se não houvesse jeito, a alteração seria irreversível; a Mudança teria vindo de imediato. Mas não veio. Estamos ainda na Realidade da autobiografia de Mallansohn. Isso significa que a alteração é reversível e será revertida.
— O quê? — o pesadelo de Harlan estava se expandindo e girando, tornando-se mais sombrio e mais engolfante.
— Deve haver alguma maneira de se emendar o círculo no Tempo outra vez, e nossa habilidade quanto a descobrir o modo de fazê-lo deve ser uma coisa de alta probabilidade.
A partir do ponto em que nossa Realidade existe, podemos estar certos de que a solução continua com alta probabilidade. Se a qualquer momento, eu ou você tomarmos a decisão errada, se a probabilidade de se consertar o círculo cair sob alguma magnitude crucial, a Eternidade desaparecerá. Entende?
Harlan não estava certo de entender. Não estava tentando com muito empenho. Levantou-se lentamente e caminhou até uma cadeira. — Quer dizer que podemos trazer Cooper de volta…
— E mandá-lo para o lugar certo, sim. Apanhá-lo no momento em que deixar a caldeira e ele poderá chegar ao seu lugar adequado no século 24, não mais do que algumas fisio-horas depois; fisiodias, no máximo. Isso seria uma alteração, é claro, mas não de grandes dimensões, sem dúvida. A Realidade seria agitada, rapaz, mas não perturbada.
— Mas como o traremos?
— Sabemos que há um modo, ou a Eternidade não estaria existindo neste momento. Quanto a qual seja o modo, é por isso que preciso de você, que fiz esforço para tê-lo de volta ao meu lado. Você é o perito em Primitivo. Diga-me.
— Não posso — suspirou Harlan.
— Pode — insistiu Twissell.
De súbito, sumiram-se os traços de idade ou de cansaço da voz do velho. Seus olhos estavam inflamados com a luz do combate e ele brandia seu cigarro como uma lança.
Mesmo para os sentidos insensibilizados de Harlan, o homem parecia estar divertindo-se, realmente se divertindo, agora que a batalha havia sido iniciada.
— Podemos reconstruir o fato — disse Twissell. — Aqui está o controle de impulso. Você está diante dele esperando pelo sinal. Ele chega. Você aciona o contato e ao mesmo tempo comprime a força de impulso em direção descendente. Até onde?
— Não sei. Estou-lhe dizendo que não sei.
— Você não sabe, mas seus músculos sim. Fique aí e pegue o controle. Fique seguro de si. Pegue-os, rapaz. Você está esperando pelo sinal. Você está me odiando. Odiando o Conselho. Odiando a Eternidade. Você está voltando o seu coração para Noys. Coloque-se de volta àquele momento. Sinta o que sentiu então. Agora colocarei o relógio em movimento outra vez.
Dar-lhe-ei um minuto, rapaz, para lembrarse de suas emoções e forçá-las de volta ao seu tálamo. Então, quando o ponteiro aproximar-se do zero, deixe sua mão direita empurrar o controle como fez antes. Então tire a mão! Não o mova para trás novamente. Está pronto?
— Não creio que possa fazê-lo.
— Você não crê… Pai Tempo, você não tem escolha! Há outra forma de você recuperar sua garota?
Não havia. Harlan forçou-se de volta aos controles, e quando o fez, a emoção retornou. Ele não teve de invocá-la. A repetição dos movimentos físicos trouxe-a de volta. A agulha vermelha do relógio começou a se mover.
O último minuto de vida? — pensou ele desinteressadamente.
Trinta segundos.
Ele pensou: Não vai doer. Isto não é a morte.
Tentou pensar somente em Noys.
Quinze segundos.
Noys!
A mão esquerda de Harlan moveu para baixo um interruptor, em direção ao contato.
Doze segundos.
Contacto!
Sua mão direita moveu-se.
Cinco segundos!
Noys!
Sua mão direita moveu e espasmodiraroente (sic).
Ele pulou para longe, ofegante.
Twissell aproximou-se, examinando o mostrador. — Século Vinte — disse ele. — Mil novecentos e trinta e oito, para ser exato.
— Não sei — desabafou Harlan. — Tentei sentir o mesmo, mas foi diferente. Eu sabia o que estava fazendo e isso fez a diferença.
— Eu sei, eu sei — disse Twissell. — Pode ser que tudo esteja errado. Chame isto de uma primeira aproximação.
Ele fez uma pausa, em cálculo mental, tirou um computador de bolso de seu estojo e colocou-o novamente sem consultá-lo.
— Que vá para o Tempo os pontos decimais. Digamos que é de 0,99 a probabilidade de você tê-lo mandado de volta ao segundo quarto do século 20. Algum lugar entre 1925 e 1950. Está bem?
— Não sei.
— Bem, agora, olhe. Se eu tomar a firme decisão de concentrar nessa parte do Primitivo com exclusão de tudo o mais e estiver errado, corro o risco de ter perdido minha oportunidade de conservar fechado o círculo no Tempo e a Eternidade desaparecerá. A própria decisão será o ponto crucial, a Mínima Mudança Necessária, a M.M.N., para se processar a Mudança. Tomo agora a decisão. Decido, definitivamente…
Harlan olhou em volta com cautela, como se a Realidade tivesse se tornado tão frágil que um movimento súbito da cabeça pudessse abalá-la.
— Estou plenamente consciente da Eternidade — disse Harlan. (A calma de Twissell o havia influenciado a ponto de sua voz soar firme em seus próprios ouvidos.)
— Então a Eternidade ainda existe — disse Twissell de maneira brusca e convicta — e tomamos a decisão certa. Agora nada mais há a fazer aqui, por enquanto. Vamos ao meu escritório e poderemos deixar o subcomitê do Conselho aglomerar-se aqui, se isso os deixar um pouco mais felizes. No que diz respeito a eles, o projeto terminou com sucesso. Se não terminou, eles nunca saberão Nem nós.
Twissell observou seu cigarro e disse: — A pergunta que agora se nos confronta é esta: o que fará Cooper quando descobrir que está no século errado?
— Não sei.
— Uma coisa é óbvia. Ele é bem jovem, inteligente, imaginativo, não concorda?
Bem, ele é Mallansohn.
— Exatamente. E ele pensou na possibilidade de chegar ao lugar errado. Uma de suas últimas perguntas foi: “O que acontecerá se eu não parar no ponto certo?”
Lembra-se?
— Bem? — Harlan não tinha idéia de onde ele queria chegar com isso.
— Então ele está mentalmente preparado para ficar deslocado no Tempo. Ele fará algo. Tentará chegar a nós.
Tentara deixar traços para nós. Lembre-se de que ele foi um Eterno, parte de sua vida. Este é um fato importante.
Twissell soprou um círculo de fumaça, enganchou-o com um dedo e observou-o espiralar-se e dispersar-se. — Ele está acostumado à noção de comunicação através do Tempo.
Não é provável que ele se renda ao pensamento de estar abandonado no Tempo. Saberá que nós o estamos procurando.
— Sem caldeiras e sem Eternidade no século 20 — disse Harlan — como ele faria para comunicar-se conosco?
— com você, Técnico, com você. Use o singular. Você é o nosso perito em Primitivo. Você ensinou a Cooper sobre o Primitivo. Você é a pessoa que ele esperaria ser capaz de encontrar seus vestígios.
— Que vestígios. Computador?
O velho rosto perspicaz de Twissell fitou Harlan, suas feições se enrugando. — A intenção era deixar Cooper no Primitivo. Ele está sem a proteção de um escudo envolvente de fisiotempo. Sua vida inteira está entrelaçada na estrutura do Tempo e continuará assim até que eu ou você anule a alteração. Do mesmo modo, o fato de estar entrelaçado na estrutura do Tempo é algum artefato, sinal ou mensagem que ele pode ter deixado para nós. Certamente, deve haver fontes particulares que você usou no estudo do século 20. Documentos, arquivos, filmes, artefatos, obras de referência. Refiro-me a fontes primárias, datando do próprio Tempo.
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