— Sim.
— E ele as estudou com você?
— Sim.
— E há alguma referência particular que seja a sua preferida, uma com a qual ele soubesse estar você intimamente familiarizado, de modo a reconhecer nela alguma referência dele?
— Entendo onde o senhor quer chegar, é claro — disse Harlan. Ele ficou pensativo.
— Bem? — perguntou Twissell com uma ponta de impaciência.
— Minhas revistas, quase com certeza — disse Harlan. — Revistas eram um fenômeno dos primeiros séculos 20. A revista da qual tenho uma coleção quase completa data do começo do século 20 e continua até o 22.
— Ótimo. Agora, há alguma maneira, você supõe, pela qual pudesse fazer uso dessas revistas para enviar uma mensagem? Lembre-se, ele saberia que você iria ler o periódico, que você estaria familiarizado com ele, que você saberia como procurar.
— Não sei. — Harlan chacoalhou a cabeça. — A revista assumia um estilo artificial. Era seletiva, antes que inclusiva, e totalmente imprevisível. Seria difícil ou mesmo impossível de se incluir em sua impressão alguma coisa que se planejasse ver impresso. Cooper não poderia criar notícias e estar certo de sua publicação. Mesmo que Cooper conseguisse obter uma boa posição no pessoal editorial da revista, o que é bem improvável, ele não poderia ter certeza de que suas palavras exatas passariam pelos vários editores. Não sei, Computador.
— Pelo amor do Tempo, pense! — disse Twissell. — Concentre-se naquelas revistas. Você está no século 20 e é Cooper com sua educação e conhecimento. Você ensinou o rapaz, Harlan. Você moldou seu pensamento. Agora, o que ele faria? Como faria ele para colocar alguma coisa na revista, algo com as palavras exatas que desejasse?
Os olhos de Harlan arregalaram-se. — Um anúncio!
— O quê?
— Uma propaganda! Uma notícia para que eles seriam compelidos a imprimir como pedido. Cooper e eu conversamos a respeito, ocasionalmente.
— Ah, sim. Eles têm essa espécie de coisa no século 186 — disse Twissell.
— Não como no século 20. O século 20 é o máximo nesse assunto. O meio cultural…
— Considerando-se o anúncio, agora — interrompeu Twissell com impaciência — de que tipo seria?
— Desejaria saber.
Twissell fitou a ponta acesa de seu cigarro, como se buscando inspiração. — Ele nada pode dizer diretamente. Ele não pode dizer: “Cooper, do século 78, encalhado no século 20 e chamando a Eternidade…”
— Como pode ter certeza?
— Impossível! Dar ao século 20 informações que sabemos que eles não teriam, seria tão prejudicial ao círculo de Mallansohn quanto uma ação errada de nossa parte. Nós ainda estamos aqui; portanto, durante toda a sua vida na Realidade corrente do Primitivo, ele não fez nenhum mal desse tipo.
— Além do que — disse Harlan, afastando-se da contemplação do raciocínio circular que parecia exigir tão pouco esforço de Twissell — não seria provável que a revista concordasse em publicar algo que lhe parecesse loucura ou que não se pudesse entender. Suspeitaria de fraude ou de alguma forma de ilegalidade e não desejaria se implicar. Portanto, Cooper não poderia usar Intertemporal Padrão na sua mensagem.
— Teria de ser algo sutil — disse Twissell. — Ele teria de usar um modo indireto. Teria de colocar um anúncio que parecesse perfeitamente normal para os homens do Primitivo. Perfeitamente normal! E contudo algo que fosse óbvio para nós, uma vez que saberíamos o que procurar. Muito óbvio. Óbvio a um olhar de relance, porque teria de ser encontrado entre incontáveis itens individuais. De que tamanho você supõe que seria, Harlan? Esses anúncios são caros?
— Bem caros, creio.
— E Cooper tinha de economizar seu dinheiro. Além disso, para evitar o tipo errado de atenção, o anúncio teria de ser pequeno, de qualquer forma. Imagine, Harlan. De que tamanho?
Harlan mostrou com as mãos. — Meia coluna?
— Coluna?
— Elas eram revistas impressas, o senhor sabe. Em papel. com a impressão distribuída em colunas.
— Oh, sim. Parece-me impossível separar literatura e filme, de certa forma… Bem, temos uma primeira aproximação de outro tipo, agora. Devemos procurar um anúncio de meia coluna que nos dará, praticamente à primeira vista, evidências de que o homem que a colocou veio de outro século (do futuro, é claro) e que, contudo, seja um anúncio tão normal que ninguém do século note qualquer coisa de suspeito nele.
— E se eu não o achar? — perguntou Harlan.
— Você achará. A Eternidade existe, não existe? Enquanto ela existir, estaremos no rastro certo. Diga-me: consegue lembrar-se de algum anúncio semelhante em seu trabalho com Cooper? Qualquer coisa que tenha lhe chamado a atenção, mesmo por um momento, por ser estranho, esquisito, incomum, sutilmente errada?
— Não.
— Não quero uma resposta tão rápida. Gaste cinco minutos para pensar.
— Não adianta. Na ocasião em que examinei as revistas com Cooper, ele não havia estado no século 20.
— Por favor, rapaz. Use a cabeça. O fato de mandar Cooper para o século 20 introduziu uma alteração. Não há Mudança; não é uma alteração irrevogável. Mas houve algumas mudanças com “c” minúsculo, ou micromudanças, como normalmente nos referimos a elas nas Computações. No instante em que Cooper foi mandado ao século 20, o anúncio apareceu na edição apropriada da revista. Sua própria Realidade micromudou, no sentido de que você pode ter olhado a página com esse anúncio, ao invés da página sem ele, como você fez na Realidade anterior. Entendeu?
Harlan estava novamente espantado, quase tanto com a facilidade com que Twissell abria caminho através da floresta de lógica temporal, quanto com os “paradoxos” do Tempo. Ele sacudiu a cabeça. — Não me lembro de nada semelhante.
— Bem, então, onde é que você guarda os arquivos daquele periódico?
— Eu fiz uma biblioteca especial na Galeria Dois, usando a prioridade de Cooper.
— Ótimo — disse Twissell. — Vamos lá. Agora! Harlan observou Twissell fitar curiosamente os velhos volumes encadernados da biblioteca e então tirar um. Eram tão velhos que o papel frágil tinha de ser preservados por métodos especiais, e chiou sob o manuseio insuficientemente cuidadoso de Twissell.
Harlan retraiu-se. Em melhores tempos, teria ordenado a Twissell que se afastasse dos livros, embora fosse um Computador Sênior.
O velho examinou as páginas ondulantes e pronunciou silenciosamente as palavras arcaicas. — Este é o inglês de que os lingüistas estão sempre falando, não é? — perguntou ele, dando pancadinhas na página.
— Sim. Inglês — murmurou Harlan.
Twissell recolocou o volume no lugar. — Pesado e desajeitado.
Harlan encolheu os ombros. Para ser certo, a maioria dos séculos da Eternidade eram épocas de filme. Uma respeitável minoria eram épocas de gravação molecular. Contudo, a impressão e papel não eram incomuns.
— Os livros não exigem o mesmo investimento em tecnologia que os filmes — disse ele.
Twissell coçou o queixo. — Tem razão. Vamos começar?
Ele tirou outro volume da prateleira, abrindo-o ao acaso e olhando a página com estranha atenção.
Será que o homem pensa que vai encontrar a solução por um golpe de sorte? — person Harlan.
O pensamento deve ter sido correto, pois Twissell, encontrando os olhos apreciadores de Harlan, enrubesceu e colocou o volume no lugar.
Harlan pegou o primeiro volume do Contiséculo de 19,25 e começou a virar as páginas metodicamente. Apenas sua mão direita e seus olhos se moviam. O resto do corpo permanecia em rígida atenção.
A intervalos que lhe pareciam eternos, Harlan se levantava, resmungando, para apanhar um novo volume. Nessas ocasiões, haveria o intervalo para o café, ou para o sanduíche, ou outros intervalos.
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