Por esta travéssa
Se vai acolhendo:
Ei-lo vai correndo,
Fugindo a grã pressa.
Nesta mão, e nessa
O falso se atreve,
Que hum real me deve.
Comprou-me o amor,
Sem lhe fazer preço:
Eu não lhe mereço
Dar-me desfavor.
Dá-me tanta dor,
Que ando apos elle
Pelo que me deve.
Eu de cá bradando,
Elle vai fugindo;
Elle sempre rindo,
Eu sempre chorando.
E de quando em quando
No amor se atreve,
Como que não deve.
A fallar verdade
Elle ja pagou;
Mas ainda ficou
Devendo ametade.
Minha liberdade
He a que me deve:
Só nella se atreve.
– oOo —
MOTE
Dó la mi ventura,
Que no veo alguna?
Voltas
Sepa quien padece,
Que en la sepultura
Se esconde ventura
De quien la merece.
Allá me parece,
Que quiere fortuna
Que yo halle alguna.
Naciendo mesquino,
Dolor fué mi cama;
Tristeza fué el ama,
Cuidado el padrino.
Vestióse el destino
Negra vestidura,
Huyó la ventura.
No se halló tormento,
Que alli no se hallase;
Ni bien, que pasase,
Sinó como viento.
Oh qué nacimiento,
Que luego en la cuna
Me siguió fortuna!
Esta dicha mia,
Que siempre busqué,
Buscándola, hallé
Que no la hallaria;
Que quien nace en dia
D'estrella tan dura,
Nunca halla ventura.
No puso mi estrella
Mas ventura em min:
Ansí vive en fin
Quien nace sin ella.
No me quejo della;
Quéjome que atura
Vida tan escura.
– oOo —
MOTE
Volta
Dous tormentos vejo
Grandes por extremo:
Se vos vejo, temo,
E se não, desejo.
Quando me despejo,
E venho a escolher,
Temendo o desejo,
Desejo temer.
– oOo —
CANTIGA ALHEIA
Pastora da serra,
Da serra da Estrella,
Perco-me por ella.
Voltas
Nos seus olhos bellos
Tanto Amor se atreve,
Que abraza entre a neve
Quantos ousão vellos.
Não sólta os cabellos
Aurora mais bella:
Perco-me por ella.
Não teve esta serra
No meio d'altura
Mais que a formosura,
Que nella se encerra.
Bem ceo fica a terra,
Que tẽe tal estrella:
Perco-me por ella.
Sendo entre pastores
Causa de mil males,
Não se ouvem nos vales
Senão seus louvores.
Eu só por amores
Não sei fallar nella,
Sei morrer por ella.
D'alguns, que sentindo
Seu mal vão mostrando.
Se ri, não cuidando
Qu'inda paga rindo.
Eu triste, encobrindo
Só meus males della,
Perco-me por ella.
Se flores deseja
Por ventura bellas,
Das que colhe dellas
Mil morrem d'inveja.
Não ha quem não veja
Todo o melhor nella:
Perco-me por ella.
Se n'ágoa corrente
Seus olhos inclina,
Faz a luz divina
Parar a corrente.
Tal se vê, que sente
Por ver-se a ágoa nella:
Perco-me por ella.
– oOo —
ENDECHAS
Vós sois huma Dama
Das feias do mundo;
De toda a má fama
Sois cabo profundo.
A vossa figura
Não he para ver;
Em vosso poder
Não ha formosura.
Vós fostes dotada
De toda a maldade;
Perfeita beldade
De vós he tirada.
Sois muito acabada
De taixa e de glosa:
Pois quanto a formosa,
Em vós não ha nada.
Do grão merecer
Sois bem apartada;
Andais alongada
Do bem parecer.
Bem claro mostrais
Em vós fealdade:
Não ha hi maldade,
Que não precedais.
De fresco carão
Vos vejo ausente;
Em vós he presente
A má condição.
De ter perfeição
Mui alheia estais;
Mui muito alcançais
De pouca razão.
– oOo —
ENDECHAS
Vai o bem fugindo,
Cresce o mal co'os annos,
Vão-se descubrindo
Co'o tempo os enganos.
Amor e alegria.
Menos tempo dura.
Triste de quem fia
Nos bens da ventura!
Bem sem fundamento
Tẽe certa a mudança,
Certo o sentimento
Na dor da lembrança.
Quem vive contente,
Viva receoso:
Mal que se não sente,
He mais perigoso.
Quem males sentio,
Saiba ja temer;
E pelo que vio
Julgue o qu'ha de ser.
Alegre vivia,
Triste vivo agora;
Chora a alma de dia,
E de noite chora.
Confesso os enganos
De meu pensamento:
Bem de tantos annos
Foi-se n'hum momento.
Meus olhos, que vistes?
Pois vos atrevestes,
Chorae, olhos tristes,
O bem que perdestes.
A luz do sol pura
Só a vós se negue;
Seja noite escura,
Nunca a manhãa chegue.
O campo floreça,
Murmurem as ágoas,
Tudo me entristeça,
Cresção minhas mágoas.
Quizera mostrar
O mal que padeço;
Não lhe dá lugar
Quem lhe deu comêço.
Em tristes cuidados
Passo a triste vida;
Cuidados cansados,
Vida aborrecida.
Nunca pude crer
O que agora creio:
Cegou-me o prazer
Do mal que me veio.
Ah ventura minha,
Como me negaste!
Hum so bem que tinha,
Porque mo roubaste?
Triste fantasia
Quanta cousa guarda!
Quem ja visse o dia,
Que tanto lhe tarda!
Nesta vida cega
Nada permanece;
O qu'inda não chega,
Ja desaparece.
Qualquer esperança
Foge como o vento:
Tudo faz mudança,
Salvo meu tormento.
Amor cego e triste,
Quem o tẽe padece:
Mal quem lhe resiste!
Mal quem lhe obedece!
No meu mal esquivo
Sei como Amor trata:
E pois nelle vivo,
Nenhum amor mata.
Foge-me pouco a pouco a curta vida,
Se por caso he verdade qu'inda vivo;
Vai-se-me o breve tempo d'ante os olhos;
Chóro por o passado; e em quanto fallo,
Se me passão os dias passo a passo.
Vai-se-me, emfim, a idade, e fica a pena.
Que maneira tão aspera de pena!
Pois nunca hum'hora vio tão longa vida
Em que do mal mover se visse hum passo.
Que mais me monta ser morto que vivo?
Para que chóro, emfim? para que fallo,
Se lograr-me não pude de meus olhos?
Oh formosos, gentís e claros olhos,
Cuja ausencia me move a tanta pena,
Quanta se não comprende em quanto fallo!
Se no fim de tão longa e curta vida
De vós m'inflammasse inda o raio vivo,
Por bem teria todo o mal que passo.
Читать дальше