O desejo, que s'estende
Ao que menos se concede,
Sôbre vós pede e pretende,
Como o doente que pede
O que mais se lhe defende.
Eu, qu'em ausencia vos vejo,
Tenho piedade e pejo
De me ver tão pobre estar,
Qu'então não tenho que dar,
Quando me pede o desejo.
Como áquelle que cegou,
He cousa vista e notoria,
Que a natureza ordenou
Que se lhe dobre em memoria
O qu'em vista lhe faltou:
Assi a mi, que não vejo
Co'os olhos o que desejo,
Na memoria e na firmeza
Me concede a natureza
O natural que não vejo.
– oOo —
MOTE ALHEIO
Sem vós, e com meu cuidado,
Olhae com quem, e sem quem.
Glosa
Vendo Amor que com vos ver
Mais levemente soffria
Os males que me fazia,
Não me pôde isto soffrer;
Conjurou-se com meu Fado;
Hum novo mal me ordenou:
Ambos me levão forçado,
Não sei onde, pois que vou
Sem vós e com meu cuidado.
Não sei qual he mais estranho
Destes dous males que sigo,
Se não vos ver, se comigo
Levar imigo tamanho.
O que fica, e o que vem,
Hum me mata, outro desejo:
Com tal mal, e sem tal bem,
Em taes extremos me vejo:
Olhae com quem, e sem quem !
– oOo —
AO MESMO
Amor, cuja providencia
Foi sempre que não errasse,
Porque n'alma vos levasse,
Respeitando o mal d'ausencia,
Quiz qu'em vós me transformasse.
E vendo-me ir maltratado,
Eu e meu cuidado sós,
Proveo nisso de attentado,
Por não me ausentar de vós,
Sem vós, e com meu cuidado.
Mas est'alma, qu'eu trazia,
Porque vós nella morais,
Deixa-me cego, e sem guia;
Que ha por melhor companhia
Ficar onde vós ficais.
Assi me vou de meu bem,
Onde quer a forte estrella,
Sem alma, qu'em si vos tem,
Co'o mal de viver sem ella:
Olhae com quem, e sem quem !
– oOo —
MOTE ALHEIO
Sem ventura he por demais.
Glosa
Todo o trabalhado bem
Promette gostoso fruito;
Mas os trabalhos, que vem,
Para quem dita não tem
Valem pouco, e custão muito.
Rompe toda a pedra dura,
Faz os homens immortais
O trabalho quando atura;
Mas querer achar ventura,
Sem ventura, he por demais.
– oOo —
MOTE ALHEIO
Minh'alma, lembrae-vos della.
Glosa
Pois o ver-vos tenho em mais
Que mil vidas que me deis,
Assi como a que me dais,
Meu bem, ja que mo negais,
Meus olhos, não mo negueis.
E se a tal estado vim
Guiado de minha estrella,
Quando houverdes dó de mim,
Minha vida, dae-lhe a fim,
Minh'alma, lembrae-vos della.
– oOo —
MOTE ALHEIO
Glosa
Tẽe tal jurdição Amor
N'alma donde se aposenta,
E de que se faz senhor,
Que a liberta e isenta
De todo humano temor.
E com mui justa razão,
Como senhor soberano,
Que Amor não consente dano.
E pois me soffre tenção,
Gritarei por desengano:
Tudo póde huma affeição.
– oOo —
TROVA DE BOSCÃO
Justa fué mi perdicion;
De mis males soy contento;
Ya no espero galardon,
Pues vuestro merecimiento
Satisfizo mi pasion.
Glosa
Despues que Amor me formó
Todo de amor, cual me veo,
En las leyes, que me dió,
El mirar me consintió,
Y defendióme el deseo.
Mas el alma, como injusta,
En viendo tal perfeccion,
Dió al deseo ocasion:
Y pues quebré ley tan justa,
Justa fué mi perdicion.
Mostrándoseme el Amor
Mas benigno que cruel,
Sobre tirano traidor,
De zelos de mi dolor,
Quiso tomar parte en él.
Yo que tan dulce tormento
No quiero dallo, aunque peco,
Resisto, y no lo consiento;
Mas si me lo toma á trueco
De mis males, soy contento.
Señora, ved lo que ordena
Este Amor tan falso nuestro!
Por pagar á costa agena,
Manda que de un mirar vuestro
Haga el premio de mi pena.
Mas vos, para que veais
Tan engañosa intencion,
Aunque muerto me sintais,
No mireis, que si mirais,
Ya no espero galardon.
Pues que premio (me direis)
Esperas que será bueno?
Sabed, sino lo sabeis,
Que es lo mas de lo que peno
Lo menos que mereceis.
Quien hace al mal tan ufano,
Y tan libre al sentimiento?
El deseo? No, que es vano.
El amor? No, que es tirano.
Pues? Vuestro merecimiento.
No pudiendo Amor robarme
De mis tan caros despojos,
Aunque fué por mas honrarme,
Vos sola para matarme
Le prestastes vuestros ojos.
Matáranme ambos á dos;
Mas á vos con mas razon
Debe el la satisfaccion;
Que á mi por él, y por vos,
Satisfizo mi pasion.
– oOo —
ALHEIO
Glosa
Ved que engaño señorea
Nuestro juicio tan loco,
Que por mucho que se crea,
Todo el bien, que se desea,
Alcanzado, queda poco.
Un bien de cualquiera grado,
Si de haberse es imposible,
Queda mucho deseado.
Mas para mucho, alcanzado,
Todo es poco lo posible.
Outro
Posible es á mi cuidado
Poderme hacer satisfecho,
Si fuera posible al hado
Hacer no hecho lo hecho,
Y futuro lo pasado.
Si olvido pudiera haber,
Fuera remedio sufrible;
Mas ya que no puede ser,
Para contento me hacer,
Todo es poco lo posible.
– oOo —
ALHEIO
Glosa
Mi corazon me han robado;
Y Amor viendo mis enojos,
Me dijo: Fuéte llevado
Por los mas hermosos ojos,
Que desque vivo he mirado.
Gracias sobrenaturales
Te lo tienen en prision.
Y si Amor tiene razon,
Señora, por las señales,
Vos teneis mi corazon.
– oOo —
MOTE
Qué veré que me contente?
Glosa
Desque una vez yo miré,
Señora, vuestra beldad,
Jamas por mi voluntad
Los ojos de vos quité.
Pues sin vos placer no siente
Mi vida, ni lo desea,
Si no quereis que yo os vea,
Qué veré que me contente?
– oOo —
MOTE
Sem vós, e com meu cuidado.
Glosa
Querendo Amor esconder-vos
Em parte que vos não visse,
Co'o extremo de querer-vos
Cegou-me os olhos com ver-vos,
Levou-vos, sem que vos visse.
Eu cego, mas atinado,
Quando vi que vos não via,
Do mesmo Amor indignado,
Ja vêdes qual ficaria
Sem vós e com meu cuidado.
– oOo —
MOTE
Retrato, vós não sois meu;
Retratárão-vos mui mal;
Que a serdes meu natural,
Foreis mofino como eu.
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