– Ah, essa seria demais…
Rimos até rolarmos pelos sofás e pelas cadeiras, sem fôlego e com os olhos cheios de lágrimas. As garotas estavam tão moles de tanto rir que tiveram de tentar duas ou três vezes até conseguirem levantar-se.
– Eu tenho que… ir fazer pipi – disse a grandona, e saiu acenando e rindo em direção ao banheiro, errou a porta, entrou cambaleando no dormitório enquanto todos nós fazíamos "psiu" uns para os outros, com os dedos contra os lábios, esperando, até que ela deu um gritinho e ouvimos o velho Coronel Matterson, rugir "O travesseiro é… um cavalo" e sair correndo do dormitório, bem atrás dela, na sua cadeira de rodas.
Sefelt rodou o Coronel de volta para o dormitório e mostrou a ela, pessoalmente, onde ficava o banheiro; dis-se-lhe que geralmente só era usado por homens, mas que ele ficaria na porta enquanto ela estivesse ali dentro e montaria guarda contra intromissões na privacidade dela, jurando que a defenderia contra todos os assaltantes. Ela lhe agradeceu solenemente, apertou-lhe a mão, e eles trocaram uma saudação. Enquanto ela estava lá dentro, lá veio o Coronel saindo novamente do dormitório na cadeira de rodas, e Sefelt teve um bocado de trabalho para impedi-lo de entrar no banheiro. Quando a garota saiu ele estava tentando aparar os ataques da cadeira de rodas com o pé, enquanto assistíamos à confusão, estimulando com vivas ora um, ora outro. A garota ajudou Sefelt a pôr o Coronel de volta na cama e então os dois saíram valsando pelo corredor ao som de uma música que ninguém ouvia.
Harding bebeu, observou e sacudiu a cabeça.
– Isso não está acontecendo. É tudo uma mistura de Kafka com Mark Twain e Martini.
McMurphy e Turkle começaram a ficar preocupados com o fato de ainda haver luz em demasia. Assim, levantaram-se e saíram pelo corredor apagando tudo que brilhava, até as luzes pequenas, que ficavam acesas durante a noite, na altura do joelho, até que ficou tudo escuro como breu. Turkle tirou as lanternas e brincamos de pegar, correndo pelo corredor, para cima e para baixo, com as cadeiras de rodas do estoque, nos divertimos à grande até que ouvimos um dos gritos de convulsão de Sefelt e fomos encontrá-lo esparramado se contorcendo ao lado daquela garota grande, a Sandy. Ela estava sentada no chão, alisando a saia, olhando para Sefelt.
– Nunca tive uma experiência como esta – disse num tom baixo e respeitoso.
Fredrickson se ajoelhou ao lado do amigo e lhe enfiou uma carteira de notas entre os dentes, para impedir que mordesse a língua, e o ajudou a abotoar as calças. – Você está bem, Seef? Seef?
Sefelt não abriu os olhos, mas levantou uma mão frouxa e tirou a carteira da boca. Sorriu através da baba.
– Estou bem – disse ele. – Me dêem um remédio e me soltem de novo.
– Você realmente precisa de algum remédio, Seef?
– Remédio.
– Remédio – disse Fredrickson por sobre o ombro, ainda ajoelhado.
– Remédio – repetiu Harding e saiu com a lanterna para o depósito de remédios. Sandy o observou ir com os olhos vidrados. Estava sentada ao lado de Sefelt, acariciando-lhe a cabeça, atordoada.
– Talvez seja melhor trazer um pouco para mim também – gritou numa voz bêbada para Harding. – Nunca tive uma experiência que se parecesse de longe com isso.
No fundo do corredor ouvimos um ruído de vidro quebrado e Harding voltou com uma dose dupla de comprimidos; ele os deixou cair sobre Sefelt e a mulher como se estivesse arremessando torrões de terra sobre uma sepultura. Ergueu os olhos para o teto.
– Deus todo-misericordioso, tome esses dois pobres pecadores entre seus braços. E mantenha as portas abertas para a chegada do resto de nós porque está testemunhando o fim, o fim absoluto, irrevogável e fantástico. Eu finalmente me dei conta do que está acontecendo. É a nossa última jogada. Estamos condenados daqui por diante. Temos de levar a nossa coragem ao ponto máximo e enfrentar o nosso destino iminente. Nós seremos, todos nós, fuzilados ao amanhecer. Cem laxantes, por cabeça. A Srta. Ratched vai nos enfileirar contra a parede onde receberemos a terrível carga de armas de fogo que ela carregou com Miltwns! Thorazines! Libriuns! Stelazines! e com um aceno da sua espada, blum!, ela nos tranqüilizará por completo, pondo-nos para fora da existência.
Ele cambaleou contra a parede e escorregou para o chão, os comprimidos saltando de suas mãos em todas as direções como piolhos vermelhos, verdes e laranjas.
– Amém. – Disse e fechou os olhos.
A garota no chão alisou a saia sobre as pernas longas e eficientes, olhou para Sefelt ainda mostrando os dentes e se contorcendo sob as luzes, ao lado dela, e disse:
– Nunca na minha vida tive uma experiência que se aproximasse nem da metade dessa.
O discurso de Harding, se não conseguiu tornar as pessoas sóbrias, pelo menos fez com que tomassem consciência do que estavam fazendo. A noite estava avançando, e era preciso pensar um pouco na chegada do pessoal da manhã. Billy Bibbit e a sua garota comentaram que eram mais de quatro horas, e que se ninguém se importasse eles pediriam ao Sr. Turkle para destrancar a Sala do Isolamento. Saíram sob um arco de focos de luz de lanternas e nós fomos para a enfermaria para ver o que podíamos decidir quanto à limpeza. Turkle estava quase desmaiando quando voltou da Sala do Isolamento e tivemos de empurrá-lo para a Sala de Plantão numa cadeira de rodas.
Enquanto eu ia andando atrás deles, de repente me ocorreu, assim como uma espécie de surpresa, que eu estava bêbado, realmente bêbado, entusiasmado, sorridente e cambaleando de bêbado, pela primeira vez desde o Exército, bêbado junto com meia dúzia de outros caras e duas garotas – bem dentro da ala da Chefona! Bêbado e correndo e rindo e andando com mulheres exatamente no centro da mais poderosa fortaleza da Liga! Pensei no que tínhamos estado fazendo desde o princípio da noite e era quase impossível acreditar. Eu tinha de ficar lembrando a mim mesmo que realmente havia acontecido, que nós tínhamos feito com que acontecesse. Tínhamos simplesmente destrancado uma janela e permitido que aquilo entrasse, como se deixa entrar o ar fresco. Talvez a Liga não fosse toda-poderosa. Que é que nos impedia de fazer aquilo de novo, agora que estávamos vendo que podíamos? Ou que nos impedisse de fazer outras coisas que quiséssemos? Senti-me tão feliz, pensando nisso, que dei um grito e saltei sobre McMurphy e a garota que caminhavam juntos na minha frente, levantei os dois, um em cada braço, e corri por todo o caminho até a enfermaria com eles gritando e esperneando como crianças. Sentia-me bem a esse ponto.
O Coronel Matterson se levantou novamente, com os olhos brilhantes, cheio de lições, e Scanlon o empurrou de volta para a cama. Sefelt, Martini e Fredrickson disseram que era melhor irem dormir também. McMurphy, eu, Harding, a garota e o Sr. Turkle ficamos para acabar com o xarope e decidir o que iríamos fazer quanto à bagunça em que estava a ala. Harding e eu agíamos como se fôssemos os únicos realmente muito preocupados com aquilo; McMurphy e a garota apenas sentaram ali bebericando o xarope e sorrindo um para o outro e alisando-se com as mãos nas sombras; o Sr. Turkle volta e meia adormecia. Harding fez o melhor que pôde tentando fazer com que eles se preocupassem.
– Vocês todos parecem não compreender a complexidade da situação – disse ele.
– Besteira – disse McMurphy.
Harding bateu na mesa. – McMurphy, Turkle, vocês não se dão conta do que aconteceu aqui esta noite. Numa enfermaria de doentes mentais. A ala da Srta. Ratched! As repercussões serão… devastadoras!
McMurphy mordeu o lóbulo da orelha da garota. Turkle concordou com a cabeça, abriu um olho e disse:
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