– William Bibbit! – Ela tentou tanto fazer a voz soar fria e severa. – William… Bibbit!
– Bom dia, Srta. Ratched – disse Billy, sem fazer um único gesto para se levantar e abotoar o pijama. Ele segurou a mão da garota e sorriu. – Esta é a Candy.
A língua da enfermeira estalou na sua garganta ossuda.
– Oh, Billy, Billy Billy… estou tão envergonhada por você.
Billy não estava suficientemente acordado para corresponder muito à vergonha dela, e a garota mexia-se à sua volta, olhando debaixo do colchão, procurando as meias, movendo-se devagar e parecendo à vontade e disposta depois de ter dormido. De vez em quando ela parava o seu tatear sonhador, olhava para cima e sorria para o vulto gelado da enfermaria de pé ali, com os braços cruzados. Verificava então se o suéter estava abotoado e continuava a puxar a meia, presa entre o colchão e o piso de ladrilhos. Os dois se moviam como gatos gordos, saciados de leite morno, preguiçosamente sob o sol; imaginei que ambos também estivessem bem bêbados.
– Oh, Billy – disse a enfermeira, como se estivesse tão desapontada que fosse capaz de cair em prantos. – Uma mulher como essa. Uma reles! Vagabunda! Pintada…
– Cortesã? – sugeriu Harding. – Jezebel? – A enfermeira voltou-se e tentou detê-lo com os olhos, mas ele continuou. – Jezebel, não? Não? – Ele coçou a cabeça e continuou: – Que tal Salomé? Ela é notoriamente má. Talvez "zinha" seja a palavra que quer. Bem, só estou tentando ajudar.
Ela tornou a voltar-se para Billy. Ele se estava concentrando para ficar de pé. Ficou de joelhos, o traseiro no ar como uma vaca se levantando, então tomou impulso com uma das mãos, pôs um pé, depois o outro e se endireitou. Parecia satisfeito com o sucesso obtido, como se não tivesse nem se apercebido de nossas pessoas amontoadas ali na porta, mexendo com ele e o estimulando.
A gritaria e o riso redemoinhavam em torno da enfermeira. Seus olhos passaram de Billy e a garota para o nosso grupo. O rosto esmaltado de plástico se estava desmantelando. Ela fechou ós olhos e se esforçou para deter o seu tremor, concentrando-se. Sabia que aquele era o momento, estava acuada contra a parede. Quando seus olhos se abriram novamente, estavam muito pequenos e calmos.
– O que me preocupa, Billy – pude ouvir a mudança no tom de sua voz – é como a sua pobre mãe vai receber isso.
Ela obteve a reação que procurava. Billy se contraiu e levou a mão ao rosto como se tivesse sido queimado com ácido.
– A Sra. Bibbit sempre teve tanto orgulho da sua discrição. Eu sei que isto vai perturbá-la profundamente. Sabe como ela fica quando está perturbada. Billy, você sabe como a pobre coitada pode ficar doente. Ela é muito sensível. Especialmente no que diz respeito ao seu filho. Ela sempre falou de você com tanto orgulho. Ela sem…
– Nuh! nuh! – A boca de Billy se esforçava. Ele sacudiu a cabeça, suplicando-lhe. – p-p-precisa!
– Billy, Billy, meu pobre Billy – disse ela. – Sua mãe e eu somos velhas amigas.
– Não! – gritou ele. A sua voz arranhou as paredes brancas, nuas da Sala de Isolamento. Levantou o queixo de forma que ficou gritando para a luz de lua no teto. – N – n – não!
Tínhamos parado de rir. Observamos Billy se encolher no chão, a cabeça para trás, os joelhos para frente. Esfregou a mão na perna da calça verde. Tremia de pânico, como uma criança a quem se prometeu uma surra tão logo se consiga uma vara. A enfermeira tocou o ombro dele para consolá-lo. O toque o sacudiu como uma pancada.
– Billy, não quero que ela acredite numa coisa dessas de você… mas que é que eu devo pensar?
– Nah – nah – não c-conte, S-S-S-Senhorita Ratched. Nah-nah-nah…
– Billy, tenho de contar. Detesto ter de acreditar que é capaz de um comportamento destes, mas, francamente, o que mais posso pensar? Encontro você sozinho, num colchão com esse tipo de mulher.
– Não!! Eu n-n-não. Eu estava – a mão dele subiu para o rosto de novo e ficou grudada ali. – Ela fez.
– Billy, essa moça não poderia ter trazido você para cá à força. – Ela sacudiu a cabeça. – Compreenda, eu gostaria de acreditar numa outra coisa… pelo bem da sua pobre mãe.
A mão desceu à força do rosto dele deixando marcas vermelhas.
– Ela f-fez. – Ele olhou em volta. – E McMurphy! Ele fez. E Harding! E o-o-o- resto todo! Eles im-im-implicaram comigo, me chamaram de coisas.
Agora o rosto dele estava preso ao dela. Não olhava nem para um lado, nem para outro, só em frente para o rosto dela, como se ali houvesse uma luz espiralada em vez de feições, uma espiral hipnotizante de branco cremoso, azul e laranja. Ele engoliu em seco e esperou que ela dissesse alguma coisa, mas ela não dizia; a sua habilidade, seu fantástico poder mecânico, voltou-lhe numa torrente, analisando a situação e ordenando-lhe que tudo que ela tinha de fazer era ficar calada.
– Eles me o-o-obrigaram! Por favor, S-Senhorita Ratched eles me obr-obri-obri-OBRI…
Ela controlou sua faixa de onda e o rosto de Billy sintonizou soluçando de alívio. Ela pôs a mão em volta do pescoço dele e lhe puxou o rosto para o colo engomado, acariciando o ombro dele enquanto lançava, lentamente, um olhar de desprezo para nós.
– Está bem, Billy. Está tudo bem. Ninguém mais vai machucar você. Está tudo bem. Vou explicar a sua mãe.
Ela continuou nos fuzilando com o olhar enquanto falava. Era estranho ouvir aquela voz suave e consoladora, aconchegante como um travesseiro, saindo de um rosto de porcelana.
– Está bem, Billy. Venha comigo. Pode esperar aqui no consultório do doutor. Não há nenhuma razão para que você seja obrigado a sentar aqui na enfermaria com esses… seus amigos.
Ela o levou para o consultório, acariciando-lhe a cabeça inclinada e dizendo:
– Pobre menino, pobre menininho – enquanto íamos voltando silenciosamente pelo corredor e nos sentávamos na enfermaria, sem nos olharmos ou nos falarmos. McMurphy foi o último a sentar-se.
Os Crônicos do outro lado haviam parado de se agitar e se estavam acomodando nas suas tocas. Olhei para McMurphy pelo canto do olho, tentando disfarçar. Ele estava na cadeira, no canto, descansando um segundo antes de se levantar para o próximo round - numa longa sucessão de rounds que viriam. A coisa contra a qual ele lutava não se podia abater definitivamente. Tudo que se podia fazer era continuar batendo nela até que não se conseguisse mais lutar e uma outra pessoa tivesse de tomar o seu lugar.
Mais telefonemas estavam sendo dados na Sala das Enfermeiras, e uma quantidade de autoridades aparecendo para ver as provas. Quando, finalmente, o próprio médico chegou, cada uma daquelas pessoas olhou para ele como se a coisa inteira tivesse sido planejada por ele ou pelo menos admitida tacitamente e autorizada. Estava pálido e trêmulo sob aqueles olhares. Percebia-se que ele já sabia da maior parte do que acontecera ali, na sua ala, mas a Chefona relatou-lhe de novo, em detalhes lentos e em voz alta, de forma que também pudéssemos ouvir. Ouvir da maneira correta, dessa vez, sérios, sem cochichos ou risadas enquanto ela falava. O médico balançava a cabeça e remexia os óculos, piscando os olhos tão lacrimejantes que pensei que estava respingando nela. Ela terminou contando-lhe sobre Billy e a trágica experiência pela qual tínhamos feito o pobre menino passar.
– Eu o deixei no seu consultório. A julgar pelo seu presente estado, sugiro que o veja imediatamente. Ele passou por uma terrível tortura. Estremeço só de pensar no mal que deve ter causado ao pobre menino.
Ela esperou até que o médico estremecesse também.
– Acho que deve ir ver se pode conversar com ele. Está precisando de apoio. Seu estado é lamentável.
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