– e não sei quando aquela confusão excitada e inquieta de conversa e de riso e de ficar rodando pela enfermaria teria parado se aquela porta da ala não tivesse estalado com o girar de uma chave lá no fundo do corredor. O ruído fez todo mundo saltar como se um alarma de ladrões tivesse começado a tocar.
– Oh, Senhor meus Deus! – disse Turkle, batendo com a mão no alto da careca. – É a supervisora, vai me botar pra fora com um pontapé na bunda.
Todos nós corremos para o banheiro, apagamos a luz e ficamos no escuro, ouvindo a respiração uns dos outros. Podíamos ouvir a supervisora andando pela enfermaria, chamando o Sr. Turkle num murmúrio alto, meio assustado. A voz dela estava baixa e preocupada, subindo de tom no final, quando chamava:
– Sr. Turkle? Se – nhor Turkle?
– Diabo, onde é que ele se meteu? – murmurou McMurphy. – Por que não responde?
– Não se preocupe – disse Scanlon. – Ela não vai procurar no banheiro.
– Mas por que não responde? Vai ver que ficou alto demais.
– Cara, de quem é que você está falando? Não fico alto demais com uma porcariazinha como aquela. – Era a voz do Sr. Turkle, em algum lugar na escuridão, ali no banheiro, conosco.
– Jesus, Turkle, que é que você está fazendo aqui? – McMurphy tentava falar com severidade e prender o riso ao mesmo tempo. – Saia já daqui e veja o que ela quer. Que é que ela vai pensar se não encontrar você?
– Nosso fim está próximo – disse Harding, sentando. – Que Alá seja misericordioso.
Turkle abriu a porta, esgueirou-se para fora e foi encontrá-la no corredor. Ela viera ver por que todas as luzes estavam acesas. Qual o motivo para acender todas as luzes da ala? Turkle disse que todas as luzes não estavam acesas; que as luzes do dormitório estavam apagadas e as do banheiro também. Ela disse que aquilo não era desculpa com relação às outras luzes; e insistia na razão para todas aquelas luzes. Turkle não conseguiu inventar uma desculpa plausível e, durante a longa pausa, ouvi a garrafa ir passando de um para o outro, perto de mim, no escuro. Lá fora no corredor ela tornou a lhe fazer a mesma pergunta, e Turkle lhe disse que, bom, estava só dando uma limpeza, inspecionando tudo. Ela quis saber, então, por que o banheiro, o lugar que o seu trabalho o obrigava a manter limpo, era o único lugar às escuras? E a garrafa circulou de novo, enquanto esperávamos para saber o que ele responderia. Chegou as minhas mãos e tomei um gole. Sentia que estava precisando. Pude ouvir Turkle engolindo em seco lá fora no corredor, fazendo huuumm e ahh, procurando alguma coisa para dizer.
– Deu o branco nele – cochichou McMurphy. – Alguém vai ter de sair para ajudá-lo.
Ouvi uma descarga de latrina ser dada atrás de mim, e a porta se abriu e Harding foi iluminado pela luz do corredor enquanto ia saindo, levantando as calças do pijama. Ouvi a supervisora arquejar de susto ao vê-lo e ele lhe pediu que o desculpasse, mas que não a tinha visto, uma vez que estava tão escuro.
– Não está escuro.
– Quis dizer, no banheiro. Eu sempre apago as luzes para que meus intestinos funcionem melhor. Esses espelhos, compreende; quando a luz está acesa, os espelhos parecem estar sentados ali me julgando, para aplicar uma punição se tudo não sair direito.
– Mas o ajudante Turkle disse que estava fazendo limpeza aí dentro…
– E estava fazendo mesmo um bom trabalho,… considerando as restrições que lhe são impostas pela escuridão. Gostaria de ver? Venha comigo.
Harding abriu um pouco a porta, e uma faixa de luz correu pelo chão de ladrilhos do banheiro. Vi, de relance a supervisora recuar, dizendo que teria de recusar o oferecimento dele, pois tinha que fazer outras rondas. Ouvi a porta da ala ser destrancada de novo, lá no fim do corredor, e ela sair. Harding gritou-lhe que voltasse para uma outra visita, e todo mundo saiu depressa, apertou a mão dele e deu palmadinhas nas suas costas pela maneira brilhante como tinha resolvido tudo.
Ficamos ali no corredor, e o vinho tornou a circular. Sefelt disse que preferiria tomar aquela vodca se tivesse alguma coisa para misturar com ela. Perguntou ao Sr. Turkle se não havia alguma coisa na enfermaria para misturar na vodca e Turkle disse que nada havia a não ser água. Fredrickson perguntou que tal o xarope para tosse? – Eles me dão um pouco de vez em quando, de um vidro de meio galão do depósito de remédios. O gosto não é ruim. Você tem a chave de lá, Turkle?
Turkle disse que a supervisora era a única pessoa que tinha uma chave de lá durante a noite, mas McMurphy o convenceu a nos deixar tentar arrombar a porta. Turkle sorriu e concordou preguiçosamente. Enquanto ele e McMurphy trabalhavam em cima da fechadura com clips para papel, as garotas e o resto de nós se divertia na Sala das Enfermeiras abrindo os arquivos e lendo os dossiês.
– Olhem aqui – disse Scanlon, sacudindo uma das pastas. – Só pra falar em minúcias. Eles têm até o meu boletim do primário aqui. Aahh, que notas horríveis, simplesmente horríveis.
Billy e a sua namorada examinavam a pasta dele. Ela recuou para examiná-lo.
– Todas essas coisas, Billy? Não sei o quê, frênico e ps… psicopata… Você não parece que tem todas essas coisas.
A outra garota tinha aberto uma das gavetas de equipamento e estava achando suspeito o fato das enfermeiras precisarem de todos aqueles sacos de água quente, um milhão deles, e Harding estava sentado na mesa da Chefona, sacudindo a cabeça com desaprovação para o negócio todo.
McMurphy e Turkle conseguiram abrir a porta do depósito de remédios e trouxeram da geladeira uma garrafa de um líquido espesso cor de cereja. McMurphy virou a garrafa para a luz e leu o rótulo em voz alta.
– "Sabor artificial, cor, ácido cítrico. Setenta por cento de materiais neutros", isso deve ser água, "e vinte por cento de álcool", isto é bom, "dez por cento de codeína (Advertência: Narcótico. Pode Provocar Dependência)." – Ele destampou a garrafa e tomou um gole, fechando os olhos. Passou a língua pelos dentes, tomou um outro gole e leu o rótulo de novo. – Bem – disse ele e bateu com os dentes como se tivessem acabado de ser afiados – se abrandarmos isso aqui com um pouquinho de vodca, acho que vai ficar com. Como é que estamos de gelo, Turkle, meu velho?
Misturado nos copinhos de papel com vodca e o vinho-do-porto, o xarope tinha um gosto parecido com o de uma bebida de garotos, mas batia como o vinho de fruto de cacto que costumávamos tomar em The Dalles, frio e suave na garganta e quente e furioso logo que descia. Apagamos as luzes na enfermaria e nos sentamos em círculos para beber. Viramos os primeiros dois copos como se estivéssemos tomando remédio, sérios e silenciosos, e nos entreolhando para ver se ia matar alguém. McMurphy e Turkle alternavam o tempo todo, passando da bebida para os cigarros de Turkle e rindo enquanto discutiam como seria uma trepada com aquela enfermeirinha, da marca de nascença, que saía à meia-noite.
– Eu ficaria com medo – disse Turkle – que ela viesse pra cima de mim com aquela cruzona pendurada naquela corrente. Não seria uma puta duma brochada?
– Eu ficaria com medo – disse McMurphy – de que bem na hora da minha gozada, ela me enfiasse o termômetro por trás e me tomasse a temperatura!
Aquilo fez com que todo mundo caísse na gargalhada. Harding parou de rir apenas o tempo suficiente para continuar com a brincadeira.
– Ou pior ainda – disse ele. – Só ficasse ali deitada debaixo de você com uma terrível concentração no rosto, e dissesse… essa seria de amargar… e dissesse qual era o seu pulso!
– Ah, não… essa não…
– Ou pior ainda, só ficasse deitada ali tentando calcular o seu pulso e a sua temperatura… sem instrumentos!
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