Passaram quatro horas. Luís, cansado, colocava as mãos nos joelhos e olhava para as prateleiras vendo o resultado; já tinha praticamente tudo fora do chão e devidamente acondicionado nas estantes. Ofegante, decidiu sentar-se e pensar no próximo passo a tomar, mas o cansaço físico toldava-lhe o discernimento e não conseguia raciocinar.
Sr. Joaquim espreitou pela porta com o seu aspecto roqueiro e exclamou:
– Puxa rapaz, grande revolução. Agora vamos almoçar que já deves ter fome.
Na realidade, Luís nem tinha dado pelo tempo passar e eram já 14h. Foram almoçar e o refeitório encontrava-se vazio: eram os últimos. O pessoal da Cozinha e Sala almoçava sempre antes da abertura do restaurante, pelas 11h30, e o pessoal dos Quartos e Recepção já tinha almoçado. Sr. Joaquim falou um pouco de si e Luís, por momentos, esqueceu-se do resto. A comida confortava-lhe o estômago e a companhia descontraía-o. Luis falou também um pouco de si até que veio um copeiro levantar as loiças e fechar o refeitório, que basicamente era uma pequena sala com duas mesas, um microondas e uma citação curiosa:
Regras da Hotelaria:1ª Regra: O cliente tem sempre razão;2ª Regra: O cliente tem sempre razão;3ª Regra: Quando o cliente não tem razão, aplicam-se a primeira ou segunda regra. |
Luís olhou para o relógio e ficou inquieto, eram quase 15h! Voltou à realidade e começou a pensar na tarefa hercúlea que tinha pela frente. Despediu-se de Sr. Joaquim, este ía subir aos quartos trocar uma lâmpada, já lhe tinham ligado duas vezes a comunicar a Ordem de Serviço.
Luís regressou a correr, sentou-se e começou a olhar para o monte de facturas e para o computador, olhou para o ícone no ambiente de trabalho do programa de gestão Logística e recordou-se que Jota talvez tivesse utilizado este sistema informático. A password estava afixada no monitor à mão de toda a gente, fez login enquanto ligava ao amigo.
O seu entusiasmo esmoreceu mais uma vez, quando o companheiro lhe disse que não conhecia aquele programa:
– Deve ser parecido Luís, tem calma. Procura algo que diga ‘recepção ou receiving’ para dares entrada do material em sistema o que automaticamente há-de actualizar os stocks. Luís estava perdido e ligou a Dona Teresa a questionar quem lhe podia dar formação :
– Para isso, tenho de marcar uma formação com a empresa que nos instalou o programa e aferir a disponibilidade deles para virem com a máxima urgência. Só o Santiago sabia mexer no sistema.
Luís endireitou os papéis enquanto pensava no que faria sem ajuda, não queria atrasar mais a papelada. Entretanto, os seus colegas não o queriam deixar a pensar muito nisso e vieram buscar mais material. A Senhora Maria Albertina apareceu com uma folha escrita à mão:
– Preciso disto para amanhã; cafés e chás e um reforço de água, tens aí os números de telefone – disse de forma autoritária e sem dar tempo de Luís fazer perguntas. Ainda ele acabava de ler a lista e já ela tinha saído. Luís olhava para a folha e rasurava à frente do artigo qual o fornecedor. A sua ideia era identificar todos os fornecedores por artigo e depois ligar a cada um a fazer a encomenda.
Estava a pensar como iria organizar aquela informação para no dia seguinte utilizá-la para conferir as entregas e recebeu uma chamada: era o fornecedor do pão a queixar-se que ainda não tinha recebido a encomenda e já passava da hora. Durante o dia, já perdera a conta de quantas chamadas internas tinha atendido, mas era a primeira de um fornecedor. Bastou saber-se que havia novo ecónomo e a procura tinha sido imensa a requisitar coisas e pedir favores por telefone: “Traz cá isso que agora não conseguimos ir aí” – pediam.
“Então como faziam antes de haver ecónomo?” – pensava Luis enquanto continuava a ajudar os colegas para não parecer inconveniente.
Ligou para a cozinha e pediu a encomenda do pão. O Chef resmungou e disse-lhe para dizer ao fornecedor que repetisse a encomenda do dia anterior. Toda aquela impaciência dos colegas desde manhã vinha a incomodar Luís. Olhava para o relógio e via a hora de saída a aproximar-se, ansiava ir para casa descansar e pensar no ‘plano de acção’ para os próximos dias.
Arranjou umas caixas de cartão e arrumou as facturas num lado e as requisições noutra, colocou ambas debaixo da secretária. O problema continuava lá, mas estava escondido e o armazém passado 8h de trabalho árduo já tinha um ar mais aprazível. Luís pediu uma vassoura e esfregona à Governanta e lavou o chão.
“Agora vou para casa amanhã, logo se vê” – pensava. Queria sair dali e tinha vontade de fugir. O Sr. Joaquim já tinha passado a despedir-se.
Luis ía a caminho do gabinete de Dona Teresa para dar feedback de como havia corrido o primeiro dia e depois esperava ir para casa.
– Luis, tenho aqui umas encomendas para amanhã, trata disso antes de saíres, se fazes favor, porque isso é urgente! – foi interpelado pelo Chef Rui.
Mais uma vez, Luís não reclamou e voltou para o escritório. Ligou para os fornecedores da carne e do peixe. Resmungaram com o horário tardio e pediram que as encomendas fossem feitas até as 16h.
“Ufa, isto nunca mais acaba, já estou farto que me chamem a atenção por tudo e por nada. Por hoje chega” – pensou Luís e foi embora.
O Economato de Dante
Luís precisava falar com alguém, desabafar. Chegou a casa era perto da hora de jantar. Toda a gente já estava à volta da mesa e ele apressou-se a tomar um duche para se juntar à família. O dia passava-lhe em revista à frente dos olhos e sentia um aperto no estômago. Sentou-se à mesa, contou o que se tinha passado e a desorganização que havia encontrado para além de que tinha de se desenrascar sozinho porque ninguém percebia do sistema informático e estavam sempre todos demasiado ocupados. As irmãs encorajaram-no e tentaram vincar os pontos positivos como ele ter arrumado o espaço físico. O pai barafustava que bem o tinha avisado para não ir trabalhar para o armazém.
Luís foi para o quarto e tentou descansar. Ligou à namorada, mas acabou por não falar muito, estava mesmo de rastos e tentou dormir. Naquela noite tinha companhia na cama; a ansiedade que o abraçava. Dava voltas, virava-se para um lado, depois para o outro, olhava para o relógio de cabeceira e os seus números luminosos no mostrador; via-os a avançarem rapidamente e já passava da meia noite. O corpo dormente do desgaste do primeiro dia lutava com a mente acelerada e lá acabou o corpo por vencer.
Luís sentiu a noite a passar demasiado rápido.
Não reparou no peculiar facto da casa deserta,
o carro já ligado aguardava-o.
A estrada vazia convidava à tortura dos pensamentos;
Latas em frente à Câmara Frigorífica e... o carro
deslizava pelo meio da neblina.
Estacionado o carro em frente ao Balcão da Recepção,
cumprimentou os seus colegas e desceu as escadas tortuosas
mais íngremes do que se lembrava;
Luís descia a interminável escada que se escusava a ter fim:
<>, podia ler-se finalmente.
Luís empurrou a pesada porta rochosa,
Prateleiras zigzagueantes colavam-se à escura parede,
envoltas em trepadeiras araliáceas. E o cheiro...
<>, pensou. Desespero.
<>, exclamou Sr. Joaquim,
<>.
Como quem ante si vê de repente uma inesperada coisa,
<>, disse desmaindo.
Luís incrédulo o Socorro procura, porém mudo fica.
O som de um trovão no espaço ecoa,
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