Reparou especialmente em três jovens com ar de estudantes que entraram pela porta principal e passaram descontraídos directamente ao restaurante. Alguns clientes saíam do restaurante e dirigiam-se ao bar, pediam um café e sentavam-se a ler o jornal da manhã ou a falar da partida de futebol da noite anterior com o Barman. Luis, observando a envolvente, nem se apercebeu a chegada duma senhora de meia idade, óculos na ponta do nariz e vestido cinza. A senhora sorriu e identificou-se como Teresa de Lencastre, era quem lhe havia ligado para realizar a entrevista. Ela reparou de imediato que Luís estava um pouco curvado para a frente e não parecia muito descontraído.
– Deu bem com o hotel? Vem mesmo de onde o Luís? – perguntou, procurando pô-lo mais à-vontade.
Luís falara um pouco sobre si e sobre a cidade onde havia crescido e vivido a maior parte do tempo, com excepção dos tempos na Universidade.
– Ainda é um pouco longe, mas o Luis decerto está habituado a conduzir na cidade?
Luis continuou a falar sobre si e estava cada vez mais à-vontade. Foram para uma pequena sala: parecia uma sala de reuniões, talvez levasse no máximo 20 pessoas. Dona Teresa iniciou a entrevista e Luís ia respondendo às suas perguntas sem se alongar muito. Aos poucos a tensão inicial foi-se dissipando e começou a sentir-se mais descontraído.
– Onde se vê daqui a dez anos? – esta Luís estava preparado para responder, via-se a gerir um hotel ainda que de pequena dimensão.
Nisto, a normalidade da entrevista foi interrompida pelo vibrar persistente do telemóvel de Dona Teresa:
– Desculpe, Luís, tenho de ver o que se passa – D. Teresa atendeu: “– Ainda estou em entrevista. O que se passa tão urgente? O quê? Vou já aí!” – reclamou saindo.
Abandonou a sala prometendo ser breve e passado poucos segundos ouviu vozes na sala ao lado e reconheceu a de Dona Teresa:
“– Então expliquem-me lá o que se passou?” – Luís em seguida ouviu um murmúrio não conseguindo discernir o que era dito.
“– Que isto não volte a acontecer ou teremos de tomar medidas mais graves, considerem-se avisados” – reclamou Dona Teresa.
“Ui, alguém fez porcaria!” – pensou Luís.
Passado isto, Dona Teresa regressou, voltando a pedir desculpa e começou a contar o sucedido. Pelos vistos, um pequeno grupo de jovens estudantes de uma Universidade próxima estava a tomar o pequeno-almoço alegando estarem hospedados no hotel. Era o risco de terem uma equipa pequena e não terem ninguém à entrada da Sala a controlar as entradas.
– Eles tinham atitude: quando lhes perguntaram se estavam hospedados disseram que sim e dispararam um número aleatório. Só a confirmação com a Recepção apurou a verdade! Não admira que a última vez que o fizeram ninguém tenha reparado. Gabo-lhes a coragem – Dona Teresa sorria no meio do infortúnio. Admirava o espírito rebelde dos jovens e tinha sido isso que a tinha levado a chamar Luís para entrevista apesar de não ter qualquer experiência em Economato..
Dona Teresa perguntou-lhe que contacto tinha tido com o Economato ao que ele respondeu que apenas durante o estágio de Restaurante em que era o sacrificado por ir ao armazém buscar as grades de água. Haviam colegas que o chamavam o “rapaz das águas” em tom de brincadeira.
Dona Teresa explicou-lhe quais seriam as suas funções:
– Assegurar todas as compras conforme as listagens enviadas pelo Chef de Cozinha, pelo Responsável da Sala, pela Governanta e pelo Chefe de Recepção. As compras de Manutenção, regra geral, são feitas pelo Responsável na drogaria e lojas de material eléctrico das redondezas;
– Gerir o stock de Economato não deixando acabar nenhum produto;
– Lançar as facturas no sistema informático;
– No final do mês, fazer o inventário de todas as secções e apresentar o mapa com o resumo de consumos.
Explicou ainda que o objectivo, no início, era arrumar o espaço, mantendo os fornecedores habituais sem se preocupar muito com os preços. Mais adiante, quando tudo estivesse organizado passariam para a negociação e se necessário mudariam alguns fornecedores.
Explicou ainda o que Luís iria encontrar: O antigo ecónomo, um rapaz um pouco mais velho do que ele, tinha tido uma proposta aliciante para um Hotel de categoria superior e forçado a saída sem dar o devido tempo à casa. Tinham colocado anúncio para ecónomo, mas os poucos candidatos estavam acima do orçamento. Como o Luís estava disponível para entrada imediata, Dona Teresa propôs começar no dia seguinte. Havia que recuperar o perto de três semanas sem ecónomo.
Luís não estava muito confiante na proposta que lhe acabava de ser feita, porém dois meses a enviar curriculos sem respostas ou propostas concretas estavam a deixá-lo frustrado e, ao fim ao cabo, o importante era começar por algum lado. Colocou o seu sorriso mais confiante e respondeu:
– Sim – apertando a mão a Dona Teresa e agradecendo a oportunidade.
Dona Teresa exclamou sorrindo com aquele ar tranquilizador que só ela tinha:
– O que gosto mesmo é de descobrir jovens talentos e acredito que o Luís seja mais um!
Luis despediu-se e foi para casa a pensar na etapa que iniciaria no dia seguinte. Luís era invadido por um sentimento agridoce. Tinha conseguido trabalho, ainda por cima no ramo hoteleiro que era o que desejava, no entanto, aquela história do Economato deixava-o desconfortável. O desconhecimento do que o esperava deixava-o ansioso e sentia-se inseguro, tinha medo. A confiança resulta de ter coragem para avançar rumo ao desconhecido e isso faltava a Luís.
O Primeiro Dia
Contou aos pais que tinha conseguido o emprego e começava logo no dia seguinte. O pai olhou-o com desconfiança quando lhe disse que ía estar no armazém. Na sua cabeça, via o filho na Recepção a receber os clientes e um dia a ser Chefe de Recepção ou Director. Luís partilhou da sua visão e lamentou que de momento era a única possibilidade que existia. A mãe, sempre carinhosa e compreensiva, encorajou-o e disse-lhe para acreditar nele e que estava no início de uma bela carreira.
Luis praticamente não jantou. A ansiedade tirava-lhe o apetite. Sofreu insónias e acordou imensas vezes durante a noite pelo que acabou de pé uma hora antes do previsto. Saiu com umas calças de ganga e pólo. A Dona Teresa tinha-o precavido para ir com sapatos confortáveis e roupa prática, pois desde a saída do anterior ecónomo o armazém estava bastante desarrumado e era necessário algum trabalho físico de reorganização e limpeza. Não havia farda, apenas uma bata azul para proteger a roupa que traziam de casa.
Luís Alberto chegou ao hotel quinze minutos antes de Dona Teresa e esperou-a na recepção conforme tinha ficado combinado. Cruzava os braços para disfarçar o nervosismo enquanto olhava para a janela procurando algo que o distraísse. Nisto chegou a Dona Teresa com o seu habitual sorriso:
– Bom dia Luis, preparado? Vamos a isto!
Luis seguiu-a e ela foi mostrando os cantos à casa enquanto o ía apresentando aos colaboradores por quem iam passando. Alguns sorriam e davam as boas-vindas, outros mostravam-se mais desconfiados talvez por verem um jovem assumir aquela responsabilidade. Mais tarde veio a descobrir que era hábito fazerem apostas quando chegava um novo elemento sobre o tempo que ele aguentava. Talvez o estivessem a avaliar para dar o melhor palpite.
Passaram pela cozinha onde conheceram o Chef Rui Martins. Sentiu as suas mãos ásperas quando o cumprimentou, não era um cozinheiro “encartado”, tinha trabalhado na construção civil e o gosto de miúdo pela cozinha tinha feito com que concorresse à vaga. Dona Teresa tinha gostado da sua atitude e vontade de desempenhar o ofício: era hábito surpreender tudo e todos com as suas contratações e, no entanto, normalmente tinha sucesso. A Responsável do Restaurante era a senhora Maria Albertina que estava no hotel desde os seus 18 anos. Começara na Copa, depois fora para o Restaurante e Pequenos-Almoços e, entretanto, chegara a Chefe de Sala. As equipas eram pequenas à imagem da dimensão do Hotel.
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