Ricardo Beltran
Grandes Escolhas
autobiografia regeneradora
© Grandes Escolhas. Autobiografia regeneradora
© Ricardo Beltran
Março 2021
ISBN papel: 978-84-685-5653-6
ISBN ePub: 978-84-685-5654-3
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Índice
Grandes Escolhas Grandes Escolhas No verão de 1998, fiz uma viagem de autocarro pela antiga e sinuosa estrada nacional que liga as cidades de Chaves e Vila Real, em Trás-os-Montes, bem no norte de Portugal. Naquele autocarro, praticamente vazio, apercebi-me da presença de um jovem Tipo inquieto, que segurava firmemente na mão um papel amarrotado como se fosse uma qualquer joia de ouro. Durante aquela viagem, eu quis que o Tipo me fizesse um recapitulativo da sua ainda curta vida, e quis também saber o que representava afinal aquele papel amarrotado. Ao chegarmos à cidade de Vila Real — o destino final daquela viagem — confesso que tive receio de permanecer em contacto com o Tipo, e decidi desencontrar-me dele até que vinte anos mais tarde — no verão de 2019 — nos reencontrámos dentro de um gabinete médico. A história de vida do Tipo não é um exemplo a dar nem um exemplo a seguir. Não é uma lição de moral nem tão pouco se trata de uma mensagem. Não é uma bajulação aos corajosos nem um rebaixamento aos temerosos. É uma história real, e não faltam no mundo testemunhas humanas e documentos escritos que o comprovem. E por ser real, esta história está cheia de imperfeições e contradições.
Take I. 1998: o desencontro
Take II. A última das opções, pode ser a melhor Escolha
Take III. Os momentos de cada momento
Take IV. Crescer no retrocesso
Take V. A fome como alimento
Take VI. Retroceder no crescimento
Take VII. Mal-empregado
Take VIII. Colheitas vintage
Take IX. O propósito
Take IX. Concretizar
Take X. 2019: o reencontro
Take XI. Até já
Perdidos e Achados
Grandes Escolhas
No verão de 1998, fiz uma viagem de autocarro pela antiga e sinuosa estrada nacional que liga as cidades de Chaves e Vila Real, em Trás-os-Montes, bem no norte de Portugal. Naquele autocarro, praticamente vazio, apercebi-me da presença de um jovem Tipo inquieto, que segurava firmemente na mão um papel amarrotado como se fosse uma qualquer joia de ouro.
Durante aquela viagem, eu quis que o Tipo me fizesse um recapitulativo da sua ainda curta vida, e quis também saber o que representava afinal aquele papel amarrotado. Ao chegarmos à cidade de Vila Real — o destino final daquela viagem — confesso que tive receio de permanecer em contacto com o Tipo, e decidi desencontrar-me dele até que vinte anos mais tarde — no verão de 2019 — nos reencontrámos dentro de um gabinete médico.
A história de vida do Tipo não é um exemplo a dar nem um exemplo a seguir. Não é uma lição de moral nem tão pouco se trata de uma mensagem. Não é uma bajulação aos corajosos nem um rebaixamento aos temerosos. É uma história real, e não faltam no mundo testemunhas humanas e documentos escritos que o comprovem. E por ser real, esta história está cheia de imperfeições e contradições.
Take I.
1998: o desencontro
Sou o Tipo e tenho dezanove anos. A minha Mãe é uma daquelas Mães que Escolheu mudar de vida quando a vida mais a impedia de Escolher! Uma Mulher criada numa Família pobre no dinheiro e rica na alma, educada numa aldeia apartada do mundo e sem autorização para deixar de ser menina nem Escolher o seu futuro. No seu tempo de jovem, ou ficava condenada às mentalidades conservadoras do povo ou arranjava maneira de procurar outro destino pelo próprio pé, o que equivale a dizer, fazer uma Grande Escolha! E foi o que fez.
Em 1971, saltou da profundamente cavada aldeia da Avarenta — algures por achar entre as colinas do norte de Portugal — para aterrar de bagagem limitada em Lisboa, sem nada nem ninguém. Sem medo nem mais além.
O meu Pai, um dos muitos descendentes da Família Beltran Franco — pacíficos invasores espanhóis em terras alentejanas de Reguengos de Monsaraz —, que com o passar das gerações foram plantando vinhas e olivais para mais tarde plantarem deserção. Uma geração constrói, a segunda estabiliza e a terceira leva a posterior a recomeçar do zero. É quase sempre assim!
A minha Mãe e o meu Pai cruzaram destinos em Lisboa, e foi lá que nasci biologicamente, a 9 de março de 1979. Para dizer a verdade, o meu nascimento existencial foi aos cinco anos de idade, em Reguengos de Monsaraz, o sítio para onde os meus Pais decidiram ir morar. A bagagem foi completada pela minha Irmã e por aquela que foi, é e sempre será o meu amparo por esta vida e para além dela: a minha avó materna — Emília — que havia tido a ousadia de abandonar também a cavada aldeia da Avarenta, para se aninhar no suposto conforto do nosso lar no Alentejo. Por si só, um ato de rebeldia e coragem de uma senhora sexagenária que nos anos 80 rompeu com o tradicional e conservador amor à terra que a viu nascer para ir viver para o outro extremo do país, talvez inspirada pela fuga precoce da sua filha, minha Mãe. Mulheres de coragem e Escolha.
Aos meus cinco anos de idade, lá pousámos todos no Monte Novo, uma das herdades vinícolas dos Beltran Franco, situada nos arredores de Reguengos de Monsaraz. No Alentejo, habituei-me logo à vida no campo, entre insetos, cabras, ovelhas, coelhos, raposas, javalis, vinhas e tratoristas. Naquela linda época da minha infância, os louva-a-deus eram o único cenário que me poderia aterrorizar.
Em setembro de 1985, com seis anos de idade biológica, mas com apenas alguns meses de idade existencial, fui levado até à escola primária Conde de Monsaraz. Foi um marco profundo, pois eu já não estava habituado a lidar com seres humanos e muito menos com aquele sotaque tão encantador.
A princípio, o meu ar inocente e bondoso fez com que os miúdos mais astutos e mal-intencionados da escola me usassem como cobaia, acusando-me das suas próprias atrocidades sempre que podiam! Coisas típicas da miudagem, mas que naquela altura me causaram mossa pelo sentimento de injustiça que me abatia.
Nos primeiros recreios, os miúdos da minha turma jogavam ao berlinde ou à bola, enquanto eu me empoleirava no tronco da árvore mais acessível, tentando atrair atenções, pois naquela altura eu não conhecia qualquer tipo de atividade social ou desportiva que não fosse o convívio com a alma do campo.
Com o passar do tempo, percebi que do cimo da árvore se podiam contar histórias para a plateia. Percebi que se alguma pergunta me fosse lançada por uma só voz, a minha resposta poderia alcançar muitos ouvidos de uma só vez e, percebendo isso, deixei-me estar. Pousado.
Os intervalos das aulas passaram de ser um suplício a ser um desejo. O mundo circundante começava a intrigar-se e instintivamente percebi que a situação não poderia continuar por muito mais tempo: ou o mundo subia ao meu galho ou eu descia a estralho! E assim fiz. Desci para entender e aprender sobre os outros. Interrompi jogos de berlinde para que me perguntassem quem eu era e de onde vinha. Comecei a contar e a inventar histórias do meu mundo na herdade do Monte Novo, onde vivia, e ao mesmo tempo que os outros miúdos me ouviam, eu absorvia intuitivamente tudo o que tinham. De vítima passei a vilão, sem uma única arma na mão. De não saber nada sobre relacionamentos humanos, passei a ser o maior consumidor, criando laços muito especiais com dois miúdos, um do campo e outro da vila.
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