Seja como for, era a hora em que as bruxas saem de suas tocas.
A Sra. Dunwiddy tirou e guardou a toalha de mesa xadrez de plástico vermelho. Disse:
— Quem trouxe as velas pretas?
— Fui eu — respondeu a Sra. Noles. Ela tinha uma sacola de supermercado aos pés, da qual, depois de vasculhar um pouco, retirou quatro velas. Eram pretas quase que por inteiro. Uma era alta e decorada. As outras três tinham o formato de um pingüim de desenho animado, preto e amarelo, com o pavio saindo da cabeça. — Só achei essas — disse, desculpando-se. — E eu tive que ir a três lojas até achar.
A Sra. Dunwiddy não disse nada, só balançou a cabeça. Arrumou as quatro velas nos quatro cantos da mesa, usando a única vela preta que não tinha formato de pingüim para colocar na ponta da mesa onde estava sentada. Ela pegou uma grande caixa de sal grosso, abriu o lacre e derramou algumas pedrinhas em cima da mesa, formando um montinho. Depois ficou olhando intensamente pro sal e empurrando as pedrinhas com um dedo indicador murcho e enrugado, formando montinhos menores e espirais.
A Sra. Noles voltou da cozinha com uma grande tigela de vidro, que colocou no centro da mesa. Destampou uma garrafa de xerez e derramou uma quantidade generosa da bebida dentro da tigela.
— E agora — começou a Sra. Dunwiddy —, a grama das Bermudas, o jalapão e o amaranto.
A Sra. Bustamonte vasculhou a sacola de supermercado e tirou de lá um pequeno pote de vidro.
— São ervas mistas — explicou. — Achei que não teria problema.
— Ervas mistas! Ervas mistas!— exclamou a Sra. Dunwiddy.
— Tem problema? — perguntou a Sra. Bustamonte. — É o que eu sempre uso quando a receita diz manjericão, orégano, essas coisas, e eu não consigo achar as ervas. Pra mim, é tudo ervas mistas. A Sra. Dunwiddy suspirou.
— Põe aí.
Ela derramou metade do frasco de ervas mistas dentro do xerez. As folhinhas secas flutuavam sobre a superfície.
— Agora — continuou a Sra. Dunwiddy —, os quatro punhados de terra. Espero — ela escolheu as palavras com cuidado — que ninguém vá me dizer que não conseguiu achar a terra e que a gente vai ter que se transformar em uma pedrinha, uma água-viva, um ímã de geladeira e uma barra de sabão.
— Eu consegui a terra — disse a Sra. Higgler. Pegou seu saco de papelão e tirou dele quatro saquinhos Ziploc contendo o que parecia ser areja ou argila seca de diferentes cores. Esvaziou cada um em um dos quatro cantos da mesa.
— Ainda bem que pelo menos uma pessoa está fazendo direito — observou a Sra. Dunwiddy.
A Sra. Noles acendeu as velas e, enquanto o fazia, comentava o quanto as velinhas de pingüim acendiam facilmente e como eram bonitinhas e engraçadinhas.
A Sra. Bustamonte serviu um copo do restante do xerez para cada uma das quatro mulheres.
— Não vou beber também? — perguntou Fat Charlie, mas na verdade não queria beber. Não gostava de xerez.
— Não — respondeu a Sra. Dunwiddy com firmeza. — Não vai. Você precisa ficar alerta.
Ela pegou a bolsa e tirou de lá uma pequena caixinha dourada para guardar comprimidos. A Sra. Higgler apagou a luz. Os cinco sentaram-se à mesa, à luz das velas.
— E agora? — perguntou Fat Charlie. — A gente dá as mãos e entra em contato com os mortos?
— Não — sussurrou a Sra. Dunwiddy. — E não quero ouvir mais nenhuma palavra.
— Desculpe — respondeu Fat Charlie, e depois desejou que não tivesse falado nada.
— Escuta — começou a Sra. Dunwiddy —, você vai prum lugar onde podem te ajudar. Mesmo assim, nunca dê a eles nada que você possua, e não faça nenhuma promessa. Entendeu? Se tiver que dar alguma coisa pra alguém, então veja se vai receber algo do mesmo valor em troca. Certo?
Fat Charlie quase respondeu “sim”, mas parou a tempo e apenas assentiu com a cabeça.
— Ótimo.
Com isso, a Sra. Dunwiddy começou a cantarolar com os lábios fechados, pelo nariz, de um jeito desafinado, com sua voz de velha, tremida e fraca.
A Sra. Noles começou a fazer o mesmo, mas de um jeito um pouco mais melódico. A voz dela era mais alta, mais forte.
A Sra. Bustamonte não fez o mesmo. Ela fazia um “shhhh” parecido com o de uma cobra, ininterrupto, que parecia encorpar-se ao ritmo do “hum-hum” das outras e fluir acima e abaixo daquele som.
A Sra. Higgler também começou a fazer um ruído, e o dela não era nem um “hum-hum” nem um “shhh”. Ela fazia um zumbido, como o de uma mosca batendo numa janela, criando um som vibrante com a língua e os dentes, de um jeito tão estranho que era como se tivesse um monte de abelhas zangadas dentro da boca, zumbindo, tentando sair de lá.
Fat Charlie se perguntou se deveria acompanhá-las, mas não tinha a menor idéia do que teria que fazer. Então se concentrou apenas em ficar sentado e não se irritar com aquela barulheira toda.
A Sra. Higgler jogou uma pitada de terra vermelha dentro da tigela com xerez e ervas. A Sra. Bustamonte jogou uma pitada de terra amarela. A Sra. Noles jogou terra marrom, e a Sra. Dunwiddy inclinou-se lentamente, com dificuldade, e jogou um pedaço de lama preta.
Depois tomou um pequeno gole do xerez. Então, com dedos cheios de artrite remexendo na caixinha de comprimidos, tirou algo de lá e jogou na chama da vela. Por um instante, a sala ficou com cheiro de limão, mas logo ficou apenas com cheiro de algo queimado.
A Sra. Noles começou a batucar na mesa. Não tinha parado de fazer o “hum-hum”. As chamas das velas estremeceram, lançando grandes sombras sobre as paredes. A Sra. Higgler começou a batucar na mesa também, criando com os dedos um ritmo diferente daquele da Sra. Noles, mais rápido, mais percussivo, e as duas batidas formavam um ritmo só.
Na mente de Fat Charlie, tudo aquilo começou a se fundir e formar um único som estranho. O hum-hum, o shhhh, o zumbido as batidas. Começou a se sentir meio zonzo. Nos barulhos que mulheres faziam, começava a ouvir os sons de uma floresta, o crepitar de enormes fogueiras. Sentia seus dedos esticados, moles, e os pés como se estivessem muito longe do resto do corpo.
Parecia pairar sobre elas, sobre tudo, e que abaixo dele havia cinco pessoas em volta de uma mesa. Uma das mulheres à mesa fez um gesto e derramou algo na tigela que havia no centro da mesa. Aquilo ficou com uma luz tão forte que cegou Fat Charlie por alguns instantes. Ele fechou os olhos e percebeu que de nada adiantava. Mesmo com os olhos fechados, a luz continuava muito forte.
Esfregou os olhos, à luz do dia. Olhou em volta.
Uma parede rochosa se estendia até o céu, por trás dele: era uma montanha. À sua frente havia um fosso profundo: um penhasco íngreme. Foi até a beira do penhasco e olhou com cuidado. Viu algumas coisinhas brancas que pensou serem ovelhas até se dar conta de que eram nuvens: grandes, brancas, fofas, bem distantes dele. Por trás das nuvens, não havia mais nada. Ele podia ver o céu azul. Parecia que, se continuasse olhando, veria o espaço e, além dele, nada além do brilho frio das estrelas.
Deu um passo para trás.
Virou-se e caminhou em direção às montanhas, tão altas que ele não conseguia ver o topo, tão altas que teve a impressão de que cairiam sobre ele, que o soterrariam para sempre. Forçou-se a olhar novamente para baixo, a manter os olhos no chão e, ao fazer isso, notou buracos na rocha que pareciam cavernas naturais.
O lugar entre as montanhas e o penhasco, onde ele estava, deveria ter, em sua avaliação, menos de 400 metros de largura. Era uma estrada de areia cheia de seixos grandes, com plantinhas e árvores marrons aqui e ali. A estrada parecia circundar as montanhas até desaparecer numa névoa distante.
“Tem alguém me observando”, pensou Fat Charlie.
Читать дальше