Robert Jordan - O Dragão Renascido
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Robert Jordan
O Dragão Renascido
Dedicado a
James Oliver Rigney
(1920–1988)
Ele me ensinou a sempre perseguir um sonho e, ao conquistá-lo, vivê-lo.
Prólogo
A Fortaleza da Luz
Os velhos olhos de Pedron Niall examinaram sua sala de audiências particular, mas aqueles olhos escuros, enevoados por pensamentos, não viram coisa alguma. Tapeçarias esfarrapadas, antigos estandartes de batalhas dos inimigos de sua juventude, se fundiam aos painéis de madeira escura assentados às paredes de pedra, que, mesmo ali, no coração da Fortaleza da Luz, eram robustas. A única cadeira do recinto, pesada, de espaldar alto, quase um trono, estava invisível a seus olhos, assim como as poucas mesas espalhadas que completavam o mobiliário. Até o homem de manto branco, com sua avidez mal contida, ajoelhado sobre o sol desenhado nas amplas tábuas no chão, escapou por um instante aos pensamentos de Niall, embora poucos fossem tão rápidos em deixar de lado as notícias que ele trazia.
Jaret Byar teve tempo de se lavar antes de ser levado até Niall, mas tanto o elmo como a armadura estavam sem brilho por causa da viagem e maltratados pelo uso. Olhos escuros e profundos brilhavam com uma luz febril e premente, que parecia ter consumido todo e qualquer pedaço de carne. Ele não portava espada, uma vez que armas não eram permitidas na presença de Niall, mas parecia prestes a cometer uma violência, como um cão esperando ser solto da coleira.
Duas fogueiras em lareiras compridas, nas duas extremidades do aposento, afastavam o frio do fim do inverno. Era uma sala simples e de um estilo militar, na verdade, tudo bem-feito, mas nada extravagante, exceto pelo sol desenhado no chão. A mobília da sala de audiências do Senhor Capitão Comandante dos Filhos da Luz era escolhida pelo homem que assumia o cargo. O sol dourado no piso ficara gasto após gerações de suplicantes, então fora pintado novamente e se gastara mais uma vez. Nele havia ouro suficiente para comprar qualquer estado de Amadícia, junto com o título de nobreza que o acompanhava. Niall passou dez anos caminhando naquele ouro, mas jamais pensou nele duas vezes, não mais do que pensou no sol radiante que adornava seu peitoral por cima da túnica branca. Pedron Niall não se interessava por ouro.
Enfim, ele voltou os olhos para a mesa a seu lado, repleta de mapas, cartas e relatórios espalhados. Três desenhos frouxamente enrolados jaziam entre a desordem. Pegou um, relutante. Não importava qual: todos retratavam a mesma cena, embora por mãos diferentes.
A pele de Niall era fina como pergaminho gasto, contraída e retesada pela idade sobre um corpo que parecia todo feito de ossos e nervos, mas nada havia de frágil nele. Nenhum homem havia ocupado aquela posição antes de ter os cabelos brancos, muito menos um homem mais fraco que as pedras do Domo da Verdade. Ainda assim, ele de súbito se deu conta da velhice da mão que segurava o desenho, e percebeu que precisava ser rápido. O tempo estava se esgotando. Seu tempo estava se esgotando. Tinha que ser suficiente. Ele teria que fazer o pouco que lhe restava ser suficiente.
Obrigou-se a desenrolar o pergaminho grosso pela metade, o suficiente para ver o rosto que despertara seu interesse. Os rabiscos de carvão estavam um pouco borrados por conta da viagem nos alforjes, mas o rosto estava nítido. Um jovem de olhos cinza e cabelos ruivos. Parecia alto, mas era difícil ter certeza. À exceção dos cabelos e olhos, o rapaz poderia fixar-se em qualquer cidade sem causar grande alvoroço.
— Este… garoto se proclama o Dragão Renascido? — murmurou Niall.
O Dragão. O nome o fez sentir o frio do inverno e da idade. O nome que Lews Therin Telamon usava quando condenou cada homem capaz de canalizar o Poder Único, naquela hora e para sempre, à insanidade e à morte, ele mesmo inclusive. Fazia mais de três mil anos que o orgulho das Aes Sedai e a Guerra da Sombra tinham posto um fim à Era das Lendas. Três mil anos, mas a profecia e a lenda avivavam a lembrança dos homens, traziam ao menos a essência daquela memória, embora os detalhes escapassem. Lews Therin Telamon, o Fratricida. O homem que iniciara a Ruptura do Mundo, quando loucos capazes de liberar o poder que regia o universo derrubaram montanhas e afundaram terras antigas sob os oceanos, quando toda a terra se alterou e todos os que sobreviveram fugiram como bestas diante de fogo. Não terminou até que o último homem Aes Sedai tombasse morto, e uma raça humana dispersa começasse a tentar reconstruir tudo a partir dos escombros, pelo menos onde havia vestígios de escombros. O acontecimento foi marcado na memória pelas histórias que as mães contavam aos filhos. E, segundo as profecias, o Dragão iria renascer.
Niall não tinha intenção de que o tom fosse interrogativo, mas Byar entendeu assim.
— Sim, meu Senhor Capitão Comandante, é isso mesmo. A loucura do rapaz é pior do que a de qualquer falso Dragão de que já ouvi falar. Milhares já se declararam a favor dele. Tarabon e Arad Doman estão em guerra civil, além de estarem em guerra entre si. As lutas se estendem por toda a Planície de Almoth e a Ponta de Toman, tarabonianos contra domaneses contra Amigos das Trevas, clamando pelo Dragão, pelo menos até o inverno chegar e resfriar quase tudo. Nunca vi algo se alastrar tão depressa, meu Senhor Capitão Comandante. Foi como lançar um archote sobre um monte de feno. A neve talvez os tenha enfraquecido, mas com a primavera as chamas explodirão ainda mais fortes do que antes.
Niall o interrompeu com o dedo em riste. Já era a segunda vez que o deixava contar aquela história, a voz queimando cheia de raiva e ódio. Algumas partes Niall ficara sabendo por outras fontes, e alguns pontos conhecia mais do que Byar, mas a cada vez que escutava, irritava-se outra vez.
— Geofram Bornhald e mil Filhos mortos. Obra das Aes Sedai. Você tem certeza, Filho Byar?
— Certeza absoluta, meu Senhor Capitão Comandante. Depois de um conflito no caminho para Falme, vi duas das bruxas de Tar Valon. Nos custaram mais de cinquenta homens antes que cravássemos nossas flechas nelas.
— Você tem certeza… tem certeza de que eram Aes Sedai?
— O chão explodiu sob nossos pés. — A voz de Byar era firme e confiante. Jaret Byar tinha pouca imaginação. A morte era parte da vida de um soldado, independentemente de como ela viesse. — Surgiram raios do céu azul que atingiram nosso grupo. Meu Senhor Capitão Comandante, o que mais poderiam ser?
Niall assentiu com uma careta de desgosto. Não havia homens Aes Sedai desde a Ruptura do Mundo, mas as mulheres que ainda reivindicavam o título eram ruins o bastante. Elas tagarelavam sobre seus Três Juramentos: não pronunciar palavras que não fossem verdadeiras, não fabricar armas para um homem matar outro, usar o Poder Único como arma apenas contra Amigos das Trevas e criaturas da Sombra. No entanto, haviam finalmente revelado que esses juramentos eram mentiras. Ele sempre soubera que ninguém poderia querer o poder que elas tinham para outra coisa que não desafiar o Criador, o que significava servir ao Tenebroso.
— E você não sabe nada a respeito dos invasores de Falme, que mataram metade de uma das minhas legiões?
— O Senhor Capitão Bornhald disse que eles se autodenominam Seanchan, Senhor Capitão Comandante — afirmou Byar, impassível. — Disse que eram Amigos das Trevas. E a investida dele dominou as forças inimigas, ainda que tenha lhe custado a vida. — Sua voz ganhou intensidade. — Há muitos refugiados de lá. Todos com quem falei concordaram que os forasteiros foram derrotados e fugiram. Foi o Senhor Capitão Bornhald quem os venceu.
Niall deu um leve suspiro. Eram quase as mesmas palavras que Byar havia usado nas duas primeiras vezes que falara a respeito do exército que supostamente surgira do nada para invadir Falme. Um bom soldado , pensou Niall, como Geofram Bornhald sempre disse, mas não um homem capaz de pensar.
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