Mesmo flutuando no vazio, Rand sentiu um calafrio. Será que eles mentiram? Não quero ser o Dragão Renascido . Ele segurou a espada mais firme. Tentou Cortando a Seda, mas Ba’alzamon defendeu todas as investidas. Fagulhas voaram, como se viessem da forja e do martelo de um ferreiro.
— Tenho assuntos a resolver em Falme, e nada para tratar com você. Nunca terei assuntos com você — decretou Rand. Preciso prender a atenção dele até que consigam libertar Egwene . Ainda daquele jeito estranho, ele conseguia ver a batalha. Ela varria os pátios de carroções e cercados de cavalos envoltos em névoa.
— Seu desgraçado, patético! Você tocou a Trombeta de Valere. Está ligado a ela, agora. Acha que aqueles vermes da Torre Branca vão libertá-lo algum dia, depois disso? Elas prenderão seu pescoço com correntes tão pesadas que você não será capaz de parti-las.
Rand ficou tão surpreso que sentiu aquilo dentro do vazio. Ele não sabe de tudo. Ele não sabe! Tinha certeza de que deixaria a sensação transparecer em seu rosto. Para encobrir seu deslize, atacou Ba’alzamon com ferocidade. Beija-flor Beija a Rosa-de-mel. Lua na Água. A Andorinha Plana no Ar. Raios cruzavam o espaço entre a espada e o bastão. Pontos de luz cegantes banhavam a névoa. Ainda assim, Ba’alzamon recuou, com os olhos ardendo como fornalhas.
No limiar da consciência, Rand percebeu os Seanchan recuando para as ruas de Falme, lutando em desespero. Damane rasgavam a terra com o Poder Único, mas aquilo era incapaz de ferir Artur Asa-de-gavião e os outros heróis da Trombeta.
— Você vai continuar sendo uma lesma embaixo de uma pedra? — rosnou Ba’alzamon. A escuridão atrás dele fervia e se agitava. — Vai se matar enquanto ficamos aqui. O Poder corre por você com fúria. Ele o queima. Isso está matando você! Apenas eu, no mundo inteiro, posso ensiná-lo a controlá-lo. Sirva-me e viva. Sirva-me ou morra!
— Nunca! — Preciso segurá-lo por tempo suficiente. Rápido, Asa-de-gavião. Rápido! Ele se lançou contra Ba’alzamon outra vez. A Pomba Alça Voo. A Folha que Cai.
Dessa vez, ele foi rechaçado. Vagamente, Rand viu os Seanchan abrirem caminho até os estábulos. Redobrou os esforços. O Martim-pescador Pega Um Dorso-prateado. Os Seanchan cederam a uma investida. Artur Asa-de-gavião e Perrin estavam lado a lado na vanguarda. Enrolando a Palha. Ba’alzamon deteve o golpe em um chafariz de fagulhas, explodindo como borboletas rubras, e Rand precisou saltar antes que o bastão acertasse sua cabeça. O golpe passou tão perto que agitou seus cabelos. Os Seanchan avançaram. Golpeando a Centelha. Fagulhas voaram como uma chuva de granizo. Ba’alzamon pulou para evitar o golpe e os Seanchan foram empurrados de volta para as ruas de pedra.
Rand quis uivar alto. De repente, percebeu que as batalhas estavam ligadas. Quando ele avançava, os heróis da Trombeta faziam os Seanchan recuar. Quando recuava, os Seanchan se recuperavam e avançavam.
— Eles não vão salvá-lo — explicou Ba’alzamon. — As pessoas que poderiam salvá-lo serão levadas para longe, para além do Oceano de Aryth. Se as vir de novo, elas serão escravas encolaradas. Destruirão você sob ordem de seus novos mestres.
Egwene. Eu não posso deixar que façam isso com ela .
A voz de Ba’alzamon se sobrepôs a seus pensamentos.
— Resta-lhe apenas uma salvação, Rand al’Thor. Lews Therin, o Fratricida. Eu sou sua única salvação. Sirva-me, e eu lhe darei o mundo. Resista, e o destruirei, como já fiz inúmeras vezes. Mas, desta vez, destruirei até sua alma. Vou destruí-lo completamente, para sempre.
Venci de novo, Lews Therin . O pensamento estava além do vazio, e mesmo assim foi necessário esforço para ignorá-lo, para não pensar em todas as vidas em que ouvira aquilo. Ele mudou a postura, e Ba’alzamon preparou o cajado.
Pela primeira vez, Rand se deu conta de que Ba’alzamon agia como se a lâmina com a marca da garça pudesse feri-lo. Aço não pode ferir o Tenebroso . Mas o inimigo olhava para a espada com preocupação. Rand era um com a lâmina. Podia sentir cada partícula dela, pedaços minúsculos mil vezes menores do que era possível enxergar com os olhos. E podia sentir o Poder que o inundava correndo também para a espada, percorrendo os desenhos intrincados forjados por Aes Sedai durante a Guerra do Poder.
Foi outra voz que ele ouviu, naquele momento. A voz de Lan. Chegará o momento em que você desejará algo ainda mais do que a própria vida . A voz de Ingtar. Todo homem tem direito de escolher quando Embainhar a Espada . Pensou em Egwene, encolarada, vivendo a vida de uma damane. Fios da minha vida em perigo. Egwene. Se Asa-de-gavião entrar em Falme, pode salvá- la . Antes de perceber, já assumira a primeira posição da Garça Atravessando os Juncos. Equilibrando-se em um pé só, com a espada no alto, com a guarda aberta. A morte é mais leve que a pluma. O dever, mais pesado que a montanha .
Ba’alzamon ficou olhando para ele.
— Por que está sorrindo como um idiota, seu tolo? Não sabe que posso destruí-lo por completo?
Rand sentia uma calma além da que vinha do vazio.
— Nunca servirei a você, Pai das Mentiras. Em mil vidas, nunca servi. Sei disso. Tenho certeza. Venha. É hora de morrer.
Os olhos de Ba’alzamon se arregalaram. Por um instante, viraram fornalhas que fizeram o rosto de Rand suar. O negrume atrás do Tenebroso fervia ao redor, e sua expressão endureceu.
— Então morra, verme! — Ele golpeou com o bastão, como se segurasse uma lança.
Rand gritou ao senti-lo perfurando seu flanco, queimando como um atiçador incandescente. O vazio tremeu, mas ele o manteve com as últimas forças que tinha e cravou a lâmina com marca de garça no coração de Ba’alzamon. O Tenebroso gritou, e a escuridão atrás dele também. O mundo explodiu em fogo.
48
A Primeira Reivindicação
Min subiu a ladeira de calçamento de pedra com dificuldade, abrindo caminho à força pela multidão que permanecia pálida e vidrada. Pelo menos, era como se comportavam os que não estavam dando gritos histéricos. Alguns corriam, parecendo não ter ideia de para onde ir, mas a maioria apenas se movia como marionetes mal manipuladas, mais temerosos de sair do que de ficar. Ela procurou entre os rostos, esperando encontrar Egwene, Elayne ou Nynaeve, mas via apenas falmenos. E algo a atraía, tão certo quanto se a puxasse por uma corda.
Ela se virou uma vez para olhar para trás. Navios Seanchan queimavam no porto. Ela conseguia ver outros, em chamas, além da entrada da enseada. Muitas embarcações quadradas já pareciam pequenas contra o sol poente, seguindo para oeste tão depressa quanto as damane conseguiam impeli-las. Um pequeno navio se afastava do porto, inclinando-se para pegar um vento que o levaria ao longo da costa. O Espuma . Não culpava Bayle Domon por desistir de esperar. Não depois do que vira. Achava admirável ele ter ficado tanto tempo.
Havia uma embarcação dos Seanchan no porto que não estava em chamas, embora as torres estivessem pretas pelo fogo já apagado. Enquanto o navio alto saía para o mar, uma figura a cavalo surgiu de repente por trás dos rochedos, contornando as margens do porto. Ela cavalgava sobre as águas. Min ficou boquiaberta. A figura ergueu um arco que cintilou ao sol. Um feixe prateado voou do arco até a embarcação, descrevendo uma linha brilhante. Com um rugido que Min conseguiu ouvir mesmo àquela distância, o fogo engolfou a torre da popa outra vez, e os marinheiros se agitaram no convés.
Min piscou e, quando voltou a olhar, a silhueta sumira. O navio seguia devagar rumo ao oceano, com a tripulação lutando contra as chamas.
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