— Quem é você? — indagou Min.
A mulher olhou para ela. Apenas olhou, mas Min percebeu que se encolhia nos travesseiros, agarrando-se a Rand com força.
— Garota, eu me chamo Lanfear.
De repente, a boca de Min ficou tão seca que ela não conseguiria falar, nem mesmo se sua vida dependesse disso. Um dos Abandonados! Não! Luz, não! Tudo que conseguiu fazer foi balançar a cabeça. A negação fez Lanfear sorrir.
— Lews Therin foi e é meu, garota. Cuide bem dele para mim até eu vir buscá-lo. — Então sumiu.
Min ficou boquiaberta. Em um instante ela estava ali, e então havia desaparecido. A jovem percebeu que abraçava o corpo inconsciente de Rand com força. Como gostaria de não sentir que queria que ele a protegesse…
Com o rosto cadavérico decidido, Byar galopava com o sol poente às costas e não olhava para trás. Vira tudo que precisava ver. Tudo que conseguira, com aquele maldito nevoeiro. A legião tinha morrido, o senhor Capitão Geofram Bornhald tinha morrido, e havia apenas uma explicação: foram traídos por Amigos das Trevas. Amigos das Trevas como aquele Perrin de Dois Rios. Aquela era a notícia que precisava levar a Dain Bornhald, filho do senhor Capitão, que estava com os Filhos da Luz que montavam vigília em Tar Valon. Mas tinha coisas piores a contar, e para ninguém menos do que o próprio Pedron Niall. Precisava contar o que vira no céu acima de Falme. Atiçou o cavalo com as rédeas e não olhou para trás.
Rand abriu os olhos e notou que olhava para cima, para a luz do sol atravessando uma folha-de-couro. As folhas largas e grossas ainda estavam verdes, apesar da época do ano. O vento que agitava os galhos trazia o anúncio da neve que cairia ao anoitecer. Estava deitado de barriga para cima e conseguia sentir os cobertores sob suas mãos. Seu casaco e sua camisa pareciam ter sumido, mas alguma coisa estava amarrada em seu peito, e sentia dor do lado esquerdo do corpo. Virou a cabeça e viu Min sentada ali, no chão, observando-o. Quase não a reconheceu ao vê-la em um vestido. Ela sorriu, hesitante.
— Min. É você. De onde saiu? Onde estamos?
A memória voltava em lampejos, fragmentada. Conseguia se lembrar de acontecimentos antigos, mas os últimos dias pareciam pedaços de um espelho quebrado girando em sua mente, mostrando vislumbres que sumiam antes que conseguisse vê-los direito.
— Saímos de Falme — respondeu a jovem. — Estamos cinco dias a leste de lá agora, e você dormiu o tempo todo.
— Falme. — Mais lembranças. Mat tocara a Trombeta de Valere. — Egwene! Ela está…? Eles a libertaram? — Ele prendeu a respiração.
— Eu não sei quem são esses “eles” que você está falando, mas ela está livre. Nós a libertamos sozinhas.
— Nós? Não entendo. — Ela está livre. Pelo menos ela está…
— Nynaeve, Elayne e eu.
— Nynaeve? Elayne? Como? Todas vocês estavam em Falme? — Ele tentou se levantar, mas ela o empurrou de volta com facilidade e ficou ali parada, com as mãos em seus ombros e o olhar fixo em seu rosto. — Onde ela está?
— Foi embora. — O rosto de Min corou. — Todos foram embora. Egwene, Nynaeve, Mat, Hurin e Verin. Hurin não queria deixar você para trás, de verdade. Estão todos a caminho de Tar Valon. Egwene e Nynaeve retomarão o treinamento na Torre, e Mat vai ver o que as Aes Sedai podem fazer a respeito da adaga. E levaram a Trombeta de Valere. Não consigo acreditar que a vi de verdade.
— Foi embora — murmurou ele. — Ela nem esperou eu acordar.
O rubor no rosto de Min aumentou, e ela se sentou, fitando o próprio colo.
Ele ergueu as mãos para passá-las no rosto, mas parou, encarando as palmas, chocado. Havia mais uma garça na palma da mão esquerda, para combinar com a da mão direita. As linhas eram nítidas e fortes. Uma vez a garça, para traçar seu caminho; Duas vezes a garça, para proclamá-lo verdadeiro .
— Não!
— Eles foram embora — disse ela. — Negar não muda isso.
Ele sacudiu a cabeça. Algo lhe dizia que a dor na lateral do corpo era importante. Não conseguia se lembrar de ter sido ferido, mas era importante. Começou a levantar os cobertores para olhar, mas Min afastou suas mãos com um tapa.
— Você não pode fazer nada a respeito disso. Ainda não sarou completamente. Verin tentou a Cura, mas disse que não funcionou como deveria. — Ela hesitou, mordendo o lábio. — Moiraine disse que Nynaeve deve ter feito alguma coisa, ou você não teria sobrevivido até o levarmos para Verin. Mas Nynaeve a firmou que estava assustada demais até para acender uma vela. Tem… algo errado com sua ferida. Você vai ter que esperar que ela cure naturalmente. — Ela parecia perturbada.
— Moiraine está aqui? — Ele soltou uma risada amarga. — Quando você disse que Verin tinha ido embora, achei que estivesse livre das Aes Sedai.
— Estou aqui — respondeu Moiraine.
Ela apareceu, toda de azul e serena como se estivesse na Torre Branca, e se aproximou para sentar ao lado dele. Min franzia a testa para a Aes Sedai. Rand tinha a estranha sensação de que ela queria protegê-lo da mulher.
— Queria que não estivesse — retrucou para a Aes Sedai. — No que me diz respeito, pode voltar para onde quer que estivesse se escondendo e ficar por lá.
— Não estava me escondendo — respondeu Moiraine, muito calma. — Fiz tudo o que podia, tanto na Ponta de Toman quando em Falme. Foi pouco, mas descobri muitas coisas. E falhei em resgatar duas de minhas irmãs antes que os Seanchan as levassem nos navios junto com as outras Encolaradas, mas fiz o que podia.
— O que podia. Você mandou Verin me vigiar, mas eu não sou nenhuma ovelha, Moiraine. Você disse que eu poderia ir para onde quisesse, e pretendo ir para onde você não estiver.
— E não mandei Verin segui-lo. — Moiraine franziu a testa. — Ela foi atrás de você por conta própria. Muita gente se interessa por você, Rand. Foi Fain quem o encontrou ou o contrário?
A súbita mudança de assunto o pegou de surpresa.
— Fain? Não. Belo herói eu sou. Tentei resgatar Egwene, e Min a resgatou antes de mim. Fain disse que faria mal ao pessoal de Campo de Emond se eu não o enfrentasse, e nem cheguei a vê-lo. Ele também partiu com os Seanchan?
Moiraine sacudiu a cabeça.
— Não sei. Queria saber. Mas é bom que você não o encontre. Pelo menos, não até entender o que ele é.
— Ele é um Amigo das Trevas.
— Mais que isso. Pior que isso. Padan Fain era uma criatura do Tenebroso até as profundezas da alma, mas creio que tenha sido corrompido por Mordeth, em Shadar Logoth. Aquele homem era tão vil em sua luta contra a Sombra quanto a própria Sombra foi. Mordeth tentou consumir a alma de Fain, ter um corpo humano outra vez, mas encontrou uma alma tocada pelo Tenebroso. O resultado… Bem, não foi Padan Fain, e nem Mordeth. Foi algo muito pior, uma mistura dos dois. Fain… Bem, vamos chamá-lo assim. Fain é mais perigoso do que você acredita. Você poderia não ter sobrevivido ao encontro, e, se tivesse, poderia ter acontecido algo pior do que ser levado para o lado da Sombra.
— Se ele está vivo, e se não foi com os Seanchan, eu preciso… — Ele parou quando ela tirou a espada com a marca da garça de baixo do manto. A lâmina terminava de repente, um pouco além de um palmo do cabo, como se tivesse sido derretida. A lembrança veio com um choque. — Eu o matei — disse, em voz baixa. — Dessa vez, eu o matei.
Moiraine deixou a espada arruinada de lado como a coisa inútil que passara a ser e esfregou as mãos.
— Não se mata o Tenebroso assim tão fácil. O simples fato de ele ter aparecido nos céus acima de Falme já é mais do que preocupante. Ele não deveria ser capaz de fazer isso, se estivesse preso como acreditamos. E, se não está, por que não destruiu tudo?
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