Opposthe thern (25.° dia). Está nevando neserem [12] Neve fina em vendaval moderado; uma espécie de tempestade de neve fraca.
. Impossível viajar. Dormimos todo o dia. Temos rebocado o trenó há quinze dias, o sono nos fará bem.
Ottormenbod thern (26.° dia). Ainda neserem. Dormimos o bastante. Ai ensinou-me um jogo da Terra que se joga com pequenas pedras quadradas; é um jogo excelente e difícil, chama-se go. Como ele observou, há muitas pedras aqui para se jogar go. Ele está suportando o frio bastante bem, e se coragem bastasse, iria até gostar dela como um verme da neve. É engraçado vê-lo entrouxado em casaco, manta e capuz, quando a temperatura está acima de zero; mas quando estamos arrastando o trenó, se o sol está a descoberto e o vento não muito cortante, ele tira o casaco e transpira como qualquer um de nós. Combinamos uma regra de meio termo quanto ao aquecimento da tenda. Ele gostaria que ela fosse mais quente e eu, mais fria, pois o conforto de um é a pneumonia do outro. Decidimos por uma média e ele tirita quando está fora do saco de dormir, enquanto eu transpiro abundantemente no meu; mas tomando-se em consideração a distância de mundos que nos separa, partilharmos juntos essa tenda já é um sucesso razoável.
Getheny thanern (segundo mês de inverno — 1.° dia). Saímos da tempestade de neve; vento acalmado, temperatura em torno de quinze graus todo o dia. Acampamos na vertente ocidental do vulcão mais próximo, monte Dremegole, segundo o meu mapa de Orgoreyn. Seu companheiro, do outro lado do rio gelado, é chamado Drumner. O mapa é pobre em informações; há um grande pico a oeste que não está registrado nele e tudo está fora de escala. Os orgotas, evidentemente, conhecem pouco suas montanhas de Fogo. Na verdade há muito pouco a oferecer, a não ser grandeza. Hoje o trabalho foi pesado, arrastamos o trenó numa extensão de onze milhas. Solo muito rochoso. Ai já está dormindo. Eu arranhei o tendão do meu calcanhar, tentando desvencilhar o pé que se encravara entre dois pedregulhos, e manquei a tarde toda. O repouso noturno deve curá-lo. Amanhã deveremos estar na descida para a geleira.
Nosso estoque de alimentos tem caído assustadoramente, mas é porque temos comido do alimento mais sólido. Tínhamos cerca de cem libras de comida bruta, metade dela roubada em Turuf; sessenta libras se foram após quinze dias de viagem. Já comecei o gichy-michy, uma libra por dia, economizando dois sacos de germe de kadik, açúcar e um cesto de bolos de peixes secos para variarmos depois. Estou contente de haver consumido esta carga mais pesada, pois o trenó desliza mais fácil.
Sordny thanern (2° dia). Estamos a vinte graus; chuva gelada, vento descendo pelo rio de gelo como uma correnteza num túnel. Acampamos a um quarto de milha da orla, ao longo de uma comprida estria de fim. A descida do Dremegole foi áspera e difícil, na rocha nua ou em terreno rochoso; as bordas da geleira são cheias de fissuras e tão coalhadas de cascalhos e rochas descidas junto com o gelo, que achamos melhor colocar o trenó novamente sobre rodas.
Antes que tivéssemos percorrido cem jardas, uma roda rachou e o eixo entortou. Usaremos lâminas, de agora em diante. Fizemos apenas quatro milhas hoje; ainda na direção errada. A geleira parece fazer uma longa curva para oeste até o platô de Gobrin. Aqui, entre vulcões, a distância é de cerca de quatro milhas de largura e não deveria ser difícil caminhar para o centro, apesar de se apresentar com mais fendas e com uma superfície mais irregular do que eu esperava.
O Drumner está em erupção. A saraivada úmida que cai nos chega à boca com gosto de fumaça e de enxofre. Uma escuridão pairou todo o dia a oeste, mesmo sob as nuvens de chuva. De vez em quando, as nuvens, a chuva, o gelo, o ar, tudo se transformava, tingindo-se de um vermelho sombrio, que ia desmaiando lentamente até o acinzentado. A geleira treme um pouco sob nossos pés.
Eskichwe rem ir Her apresentou uma hipótese sobre a atividade vulcânica na zona nordeste de Orgoreyn e do Arquipélago: sua atividade seria gradativamente aumentada nestes últimos milênios e pressagiaria o fim da era glacial, ou, pelo menos, sua recessão, e o começo de um período interglacial. O gás carbônico liberado pelos vulcões na atmosfera serviria como isolador, conservando a energia calórica das ondas longas refletidas pela superfície da terra, embora permitindo que o calor solar direto, provindo de fora, penetrasse sem qualquer perda calórica. A temperatura média mundial, ele diz, terá, no final, uma elevação de trinta graus, até atingir setenta e dois. Sinto-me feliz em não estar vivo nesta ocasião. Ai diz que teorias semelhantes têm sido apresentadas pelos sábios da Terra para explicar a recessão da sua última Idade do Gelo. Tais teorias permanecem, na maior parte, sem possibilidades de prova e irrefutáveis; ninguém sabe, com certeza, por que o gelo vai ou vem. A neve da ignorância continua virgem.
Uma grande mesa de fogo arde, agora, na escuridão, sobre o vulcão Drumner.
Eps thanern (3.° dia). O medidor acusa dezesseis milhas de percurso hoje, mas não temos mais do que oito milhas em linha reta, do acampamento de ontem à noite. Estamos ainda no passo de gelo, entre os dois vulcões. O Drumner está em erupção. Vermes de fogo rastejam, descendo suas vertentes, e podem ser vistos quando o vento varre os sedimentos em ebulição, as nuvens de cinzas e o vapor branco. Sem pausa, de modo contínuo, um chiado ressoa, subitamente, no ar, tão longo e imenso que penetra em todos os poros do nosso ser. A geleira treme, estala, oscila e parte-se sob nossos pés, demoradamente. Todas as passagens que as nevascas poderiam ter lançado através, das fendas profundas desapareceram, desmanteladas por esses tremores de terra sob o gelo. Movemo-nos para a frente e para trás procurando o término de uma dessas aberturas a fim de impedir que o trenó seja engolido para dentro, em busca da próxima passagem, tendo sempre em mira a direção norte, mas forçados a tomar laterais, ora para a direita, ora para a esquerda.
Mais acima, o Dremegole, fazendo coro com a atividade do Drumner, grunhe e expele uma fumaça fétida.
Esta manhã, quando olhei para Ai, vi que seu rosto havia sido ulcerado pelo frio: nariz, orelhas, queixo, tudo estava de um cinza de morto. Fiz-lhe massagem para lhe restituir a circulação e a vida. Temos que tomar mais cuidado. O vento que sopra aqui é mortífero, esta é a verdade; e temos que recebê-lo pela frente quando fazemos nosso arrastão. Sentir-me-ei feliz quando conseguir sair desse braço de gelo cheio de rugas e fendas, entre esses dois monstros rosnando. Montanhas são para serem vistas, e não ouvidas.
Arhad thanern. Alguma neve sove, entre quinze e vinte graus. Caminhamos vinte milhas hoje, cinco destas denotando avanço; a borda do Gobrin está visivelmente próxima, ao norte, na nossa frente. Podemos agora ver que o rio de gelo tem a largura de milhas, o “braço” entre os dois vulcões não passa de um dedo e agora chegamos ao dorso da mão.
Olhando para trás, para o caminho já percorrido, vê-se uma corrente de geleiras divididas, estraçalhadas, esmigalhadas pelos picos negros em ebulição. Na frente, ela se alarga, subindo lentamente e encurvando-se suave, tornando mínimas as bordas escuras de terra, indo ao encontro do paredão de gelo mais acima, sob camadas de nuvens, fumaça e neve.
Cinzas vulcânicas caem, agora, misturadas com a neve e o gelo, o chão está coalhado de rebarbas; é uma superfície muito boa para se caminhar mas muito áspera para arrastar coisas, e as lâminas do trenó necessitam de renovação constante das camadas de revestimento protetor.
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