— Mas se o computador estava certo, então… então… — Theremon sacudiu a cabeça. — Então o quê? A Teoria da Gravitação Universal está errada? É isso que você está tentando me dizer?
— Isto mesmo.
As palavras pareceram sair com grande esforço da boca de Beenay. Ele parecia aturdido, chocado, arrasado. Theremon ficou olhando para o amigo. Não era de admirar que Beenay estivesse confuso. Não entendia, porém, porque a descoberta o deixara tão transtornado.
De repente, compreendeu tudo.
— É Athor! Você está com medo de magoar Athor, não é mesmo?
— Exatamente! — exclamou Beenay, dirigindo a Theremon um olhar de gratidão quase patético por haver entendido a situação. Desabou na cadeira, com os ombros caídos, a cabeça baixa, e disse, com voz embargada: — O velho é capaz de morrer de tristeza quando souber que alguém descobriu uma falha em sua teoria. E que fui eu, logo eu, quem descobriu essa falha. Ele tem sido como um segundo pai para mim, Theremon. Tudo que consegui fazer nos últimos dez anos foi graças à sua orientação, ao seu estímulo, ao… sim, porque não dizer? Ao seu amor. E agora eu o pago dessa forma. Eu não estaria apenas destruindo o trabalho de toda uma vida. Estaria esfaqueando o meu mestre pelas costas, Theremon.
— Já pensou em simplesmente manter sua descoberta em segredo?
Beenay olhou para o amigo, surpreso.
— Sabe que eu não poderia fazer isso!
— Sim. Sim, eu sei. Mas queria saber se você tinha chegado a pensar nesta solução.
— Se eu tinha chegado a pensar no impensável? Não, claro que não. Nem me passou pela cabeça. Que vou fazer, Theremon? Suponho que eu realmente poderia jogar fora todos os papéis e fazer de conta que jamais investiguei o assunto, mas isto seria monstruoso. Na verdade, tenho apenas duas escolhas: violentar a minha consciência ou trair Athor. Arruinar o homem que considero não só como expoente da minha profissão, mas também o meu mestre.
— Nesse caso, ele não deve ter sido um mestre tão bom assim.
O astrônomo fuzilou o amigo com os olhos.
— O que você está dizendo, Theremon!
— Calma, calma — disse Theremon, abrindo os braços em um gesto conciliatório. — Acho que você está fazendo pouco de Athor, Beenay. Se ele é mesmo um grande homem, não vai colocar a própria reputação acima da verdade científica. Entende o que quero dizer? A teoria de Athor não é um dogma de fé. Não existe nenhuma teoria que não possa ser aperfeiçoada. Concorda comigo? A ciência é construída a partir de aproximações sucessivas. Você mesmo me disse isto, faz muito tempo, e nunca mais me esqueci. Ora, isto quer dizer que todas as teorias estão sujeitas a constantes testes e modificações, não é mesmo? E se, no final, ficar patente que não estão próximas o suficiente da verdade, terão que ser substituídas por teorias mais precisas. Certo, Beenay? Certo?
Beenay estava tremendo. Seu rosto estava muito pálido.
— Quer pedir mais um drinque para mim, Theremon?
— Não. Preste atenção, ainda não terminei. Você me disse que está muito preocupado com Athor. Ele está velho; é um pessoa cansada e vulnerável; você não tem coragem de dizer-lhe que encontrou uma falha em sua teoria. Muito bem. É uma atitude digna e decente. Mas vamos usar de bom-senso, está bem? Se o cálculo da órbita de Kalgash é tão importante, mais cedo ou mais tarde, alguém vai tropeçar na mesma falha da teoria de Athor, e essa outra pessoa provavelmente não terá o mesmo tato que você para revelar a verdade a Athor. Pode ser até que se trate de um rival de Athor, ou mesmo um inimigo dele. Os cientistas também têm inimigos, pelo menos é o que você cansa de me dizer. Não seria melhor você procurar Athor e lhe contar, com jeito, o que descobriu, em vez de deixar que ele fique sabendo pelas manchetes da Crônica?
— Tem razão — murmurou Beenay. — Você tem toda razão.
— Vai falar com ele, então?
— Vou. Acho que não me resta outra saída — Beenay mordeu os lábios. — Theremon, estou me sentindo como se fosse um assassino.
— Eu sei. Mas não é Athor que você vai matar, e, sim, uma teoria defeituosa. As teorias defeituosas devem ser eliminadas. Sua obrigação, para com Athor e para com você mesmo, é defender a verdade acima de tudo. — Theremon hesitou. Uma nova ideia lhe ocorrera. — Naturalmente, existe outra possibilidade. Sou apenas um leigo, você sabe, e pode ser que eu esteja dizendo uma bobagem. Existe a possibilidade de que a Teoria da Gravitação esteja correta, apesar de tudo, de que as observações da órbita de Kalgash também estejam corretas, e um fator totalmente desconhecido seja responsável pelas discrepâncias?
— Claro que a possibilidade existe — disse Beenay, em tom desanimado. — Mas no momento em que começamos a invocar misteriosos fatores desconhecidos, deixamos o terreno da ciência para entrar no da fantasia. Vou lhe dar um exemplo. Digamos que exista um sétimo sol, um sol invisível. Ele tem uma certa massa e, portanto, exerce uma força gravitacional, mas não podemos vê-lo. Como não sabemos que existe, não foi incluído nos nossos cálculos, de modo que o resultado que obtivemos não corresponde à situação real. É em uma coisa assim que você está pensando?
— E por que não?
— Por que não imaginarmos que existem cinco sóis invisíveis? Ou cinquenta? Que tal um gigante invisível, que movimenta o planeta de acordo com os seus caprichos? Que acha de um dragão cujo bafo desvia Kalgash da órbita prevista? Não podemos provar que essas hipóteses são falsas, podemos? Quando você começa a especular, Theremon, qualquer coisa é possível e nada mais faz sentido. Para mim, pelo menos, é assim. Estou acostumado a lidar com fatos. Você pode estar certo quando diz que existe um fator desconhecido e, portanto, a lei da gravitação está certa. Espero sinceramente que tenha razão. Mas não posso basear meu trabalho em uma hipótese tão nebulosa. Só me resta procurar Athor, e isto vou fazer, prometo, e contar-lhe o que descobri. Não teria coragem de sugerir a ele nem a ninguém que as discrepâncias podem estar sendo causadas por um “fator desconhecido”. Se fizesse isto, estaria igualando-me aos Apóstolos do Fogo, que alegam haver recebido toda a sorte de revelações místicas. Theremon, estou mesmo precisando de outro drinque agora.
— Está bem. Vou pedir. E por falar nos Apóstolos do Fogo…
— Você queria que eu desse uma declaração a respeito, eu me lembro. — Beenay passou a mão no rosto. — Vamos lá. Não vou desapontá-lo. Esta noite, você já me ajudou muito… Que foi exatamente que os Apóstolos disseram? Eu esqueci.
— Foi Mondior 71 — disse Theremon. — O Sumo Sacerdote em pessoa. O que ele afirmou… deixe-me pensar… foi que está chegando a hora em que os deuses pretendem fazer nosso mundo pagar pelos seus pecados. Ele disse que é capaz de calcular o dia exato, até mesmo a hora exata, em que o castigo chegará do céu.
— E qual é a novidade? Não é isso que eles vêm dizendo há anos?
— É verdade, mas agora estão começando a entrar em detalhes. Os Apóstolos afirmam, você sabe, que esta não será a primeira vez em que o mundo é destruído. Eles ensinam que os deuses, deliberadamente, fizeram o homem imperfeito, como um teste, e nos deram um único ano (um dos seus anos divinos, não dos nossos pequenos anos) para chegarmos à perfeição. É o chamado Ano de Divindade, e corresponde a exatamente 2049 dos nossos anos. Vez após vez, quando o Ano de Divindade termina, os deuses descobrem que ainda somos maus e pecadores, e destroem o mundo fazendo chover fogo de lugares sagrados no céu chamados Estrelas. Assim dizem os Apóstolos.
— Estrelas? Será que eles estão se referindo aos sóis?
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