Por outro lado, industriais conhecidos, como Bottiker 888 e Vivin 99, defendiam abertamente os ensinamentos de Mondior e seus Apóstolos. Não seria surpresa se homens como Bottiker, Vivin e outros como eles houvessem contribuído para o tesouro dos Apóstolos.
E se a organização fosse tão antiga quanto afirmava ser (dez mil anos, era o que diziam!) e tivesse aplicado bem seu dinheiro através dos séculos, não havia o que os Apóstolos não pudessem ter conseguido através do milagre dos juros compostos, pensou Theremon. Sua fortuna podia chegar à casa dos bilhões. Podiam ser donos, secretamente, de metade da cidade de Saro.
Era um assunto que valia a pena investigar, disse para si mesmo.
Entrou no vasto saguão da grande torre e olhou em torno, admirado. Embora nunca tivesse estado ali antes, ouvira dizer que se tratava de um edifício de extremo luxo, tanto dentro como fora. Mas nada do que ouvira o preparara para a realidade que via diante de si.
Um piso de mármore polido, com incrustações em meia dúzia de cores vivas, se estendia até onde a vista podia alcançar. As paredes eram cobertas de mosaicos dourados que formavam figuras abstratas. Candelabros de ouro e prata banhavam a cena com uma iluminação feérica.
No lado oposto ao da entrada, Theremon viu o que parecia ser um modelo do universo, feito, ao que parecia, inteiramente de metais nobres e pedras preciosas: imensos globos suspensos, representando os seis sóis, pendiam do teto, sustentados por fios invisíveis. Cada um deles tinha um brilho diferente. O maior, que devia ser Onos, era dourado, o globo de Dovim era vermelho escuro, o par Tano-Sitha era branco azulado, e Patru e Trey tinham uma luz branca, mais suave. Um sétimo globo, que devia ser Kalgash, movia-se devagar entre eles, como um balão levado pelo vento, mudando de cor a cada instante, de acordo com sua posição em relação aos seis sóis.
Enquanto Theremon observava a cena, fascinado, uma voz, que não vinha de nenhum lugar em particular, perguntou:
— Posso saber o seu nome?
— Theremon 762. Tenho uma entrevista marcada com Mondior.
— Muito bem. Entre, por favor, na câmara à sua esquerda, Theremon 762.
O repórter não via nenhuma câmara do lado esquerdo do saguão. De repente, porém, um segmento da parede coberta de mosaicos deslizou suavemente, revelando uma pequeno compartimento oval, mais uma antessala do que uma câmara. As paredes eram revestidas por tapeçarias de veludo verde, uma única barra de luz âmbar fornecia a iluminação.
Theremon deu de ombros e entrou. A porta se fechou em seguida, e ele teve uma nítida sensação de movimento. Aquilo não era uma sala, era um elevador! Sim, estava subindo, tinha certeza disso. Só que muito devagar. Teve a impressão de que se havia passado uma eternidade antes de o elevador parar e a porta se abrir de novo. Uma figura usando uma veste negra estava à sua espera.
— Quer vir por aqui, por favor?
Um corredor estreito levava a uma espécie de sala de espera, onde um enorme retrato de Mondior 71 ocupava a maior parte de uma das paredes. Quando Theremon entrou, o retrato pareceu acender, tornando-se estranhamente vivo, de modo que os olhos escuros e penetrantes de Mondior olharam diretamente para ele e o rosto severo do Sumo Apóstolo assumiu uma radiância peculiar que o fez parecer quase belo.
Theremon enfrentou com tranquilidade o olhar do retrato. Mesmo o calejado repórter, porém, não podia deixar de se sentir emocionado ao pensar que em pouco tempo estaria entrevistando aquela mesma pessoa. Mondior no rádio ou na televisão era uma coisa, apenas um pregador excêntrico com uma mensagem absurda. Mas Mondior em carne e osso, imponente, hipnótico, misterioso, parecido com aquele retrato, seria uma coisa bem diferente.
— Entre, por favor — disse o monge vestido de preto. A parede à esquerda do retrato se abriu. Apareceu um escritório, tão modestamente mobiliado quanto uma cela.
Não havia nada no interior a não ser uma mesa nua, feita de um único bloco de pedra polida, e um banco baixo de incomum madeira cinza de veios vermelhos colocado em frente a ela. Atrás da mesa estava sentado um homem de evidente autoridade, usando a veste negra dos Apóstolos, com uma orla vermelha no capuz.
Era uma figura impressionante, mas não era Mondior 71. Mondior, a julgar pelas fotografias e pela forma como aparecia na televisão, tinha que ser um homem de 65 ou 7O anos, com uma espécie de intensa força masculina. Seus cabelos eram fartos e ondulados, negros com mechas brancas, e tinha um rosto cheio, carnudo, uma boca larga, nariz bem-feito, sobrancelhas escuras, olhos negros e penetrantes. Mas este homem era moço, não podia ter mais de quarenta anos, e embora também parecesse másculo, o era de forma inteiramente diversa. Era muito magro, com um rosto fino e anguloso e lábios estreitos. O cabelo que aparecia por baixo do capuz tinha uma estranha cor avermelhada, e os olhos eram azuis e frios.
Aquele homem era, sem dúvida, um alto funcionário da organização. Entretanto, a entrevista de Theremon era com Mondior.
Naquela manhã, depois de escrever uma reportagem a respeito das mais recentes previsões dos Apóstolos, o jornalista chegara à conclusão de que precisava conhecer melhor aquele culto misterioso. Tudo que haviam dito até o momento era absurdo, é claro, mas estava começando a parecer um absurdo interessante, digno de uma investigação mais aprofundada. Que forma melhor havia de aprender mais a respeito deles do que entrevistar o seu líder? Isto é, supondo que isso fosse possível. Para sua surpresa, o que lhe disseram, quando telefonou, foi que poderia ter uma audiência com Mondior 71 naquele mesmo dia. Tinha parecido fácil demais.
Agora estava começando a compreender que tinha sido fácil demais.
— Meu nome é Folimun 66 — disse o homem com uma voz leve, suave, que não se parecia nem um pouco com o baixo profundo de Mondior. No entanto, era a voz de alguém que está acostumado a ser obedecido. — Sou o diretor de relações públicas desta organização na cidade de Saro. Terei prazer em responder a suas perguntas.
— Marquei um encontro com Mondior em pessoa — disse Theremon.
Os olhos gelados de Folimun 66 não mostraram nenhum sinal de surpresa.
— Pode me considerar como a voz de Mondior.
— Fui levado a crer que seria uma entrevista pessoal.
— E é. Tudo que me disser será transmitido a Mondior; tudo que lhe disser será a palavra de Mondior.
— Mesmo assim, asseguraram-me que eu poderia conversar com Mondior. Não tenho dúvida de que o senhor está autorizado a falar em nome dele, mas o que procuro não são apenas informações. Gostaria de saber que tipo de pessoa é Mondior, o que pensa de outras coisas além da possível destruição do nosso planeta, quais são suas ideias a respeito…
— Só posso repetir o que já disse — declarou Folimun, interrompendo com suavidade o repórter. — Considere-me como a voz de Mondior. Infelizmente, Sua Serenidade não poderá recebê-lo em pessoa.
— Nesse caso, prefiro voltar outro dia, quando Sua Serenidade estiver…
— Devo informá-lo que Mondior não estará mais disponível para entrevistas pessoais. Nunca mais. O trabalho de Sua Serenidade é muito urgente, agora que restam apenas alguns meses para o Dia do Fogo. — Folimun sorriu de repente, um sorriso inesperadamente humano e gentil, talvez para compensar a recusa e para tirar um pouco do efeito da expressão melodramática “o Dia do Fogo”, Acrescentou, em tom de quem pede desculpas: — Deve ter havido um mal-entendido. O senhor não compreendeu que a entrevista seria com um porta-voz de Mondior, e não com o Sumo Apóstolo em pessoa. Mas é assim que deve ser. Se não quiser falar comigo, sinto muito por ter desperdiçado o seu tempo. Sou a melhor fonte de informação que o senhor encontrará aqui, hoje ou em qualquer outra ocasião.
Читать дальше