Bem, se realmente se importasse, bastaria consultar uma folhinha. A verdade, porém, era que não se importava. Algumas pessoas sempre sabiam quais os sóis que estariam visíveis no dia seguinte (Beenay, com certeza, era uma delas), mas a atitude de Theremon era mais displicente. O que importava era que houvesse pelo menos um sol, fosse qual fosse, para iluminar o planeta no dia seguinte. E sempre havia. Pelo menos um. Às vezes, dois, três ou mesmo quatro. Cinco, em raras ocasiões.
O drinque chegou. Bebeu um gole e estalou a língua, satisfeito. Que coisa maravilhosa era um Tano Especial! O rum aromático das Ilhas VeIkareen, misturado com uma dose da bebida ainda mais forte que era destilada na costa de Bagilar, e apenas uma colherzinha de suco de sgarrino, para quebrar o amargo… ah, perfeito! Theremon não bebia muito, pelo menos não à altura da fama dos repórteres, mas raro era o dia em que não arranjava tempo para um ou dois Tanos Especiais nas horas tranquilas depois que Onos se punha.
— Isso aí parece gostoso, Theremon — disse uma voz familiar atrás dele.
— Beenay! Você está adiantado!
— Cheguei dez minutos mais cedo. Que é que você esta bebendo?
— O de sempre. Um Tano Especial.
— Ótimo. Acho que vou tomar um também.
— Você?
Theremon olhou para o amigo, surpreso. Nunca o vira beber algo mais forte do que suco de frutas. Beenay parecia estranho àquela noite: nervoso, cansado, aflito. Seus olhos tinham um brilho quase febril.
— Garçom! — chamou Theremon.
Ficou assustado ao ver a forma como Beenay bebeu. Ele engasgou depois do primeiro gole, como se o impacto fosse mais forte do que esperava, mas logo partiu para o segundo e o terceiro.
— Calma — advertiu Theremon. — Desse jeito, vai ficar tonto.
— Já estou.
— Andou bebendo antes de vir para cá?
— Não foi bebida. Foi um choque. Uma surpresa. — Pousou o copo e olhou, pensativo, para as luzes da cidade. Depois, pegou o copo de novo, quase distraído, e bebeu o que restava de um gole só. — É melhor eu esperar um pouco antes de pedir outro, não acha, Theremon?
— Concordo plenamente. — Theremon inclinou o corpo para frente e pousou a mão de leve no pulso do amigo.
— Que é que está acontecendo com você, rapaz?
— É… difícil explicar.
Ora, vamos! Como sabe, em minha profissão eu já ouvi de tudo. Você e Raissta…
— Não! Já disse que isso não tem nada a ver com ela. Nada.
— Está bem. Eu acredito.
— Estou com vontade de tomar outro drinque — disse Beenay.
— Daqui a pouco. Vamos, Beenay. O que foi?
O astrônomo suspirou.
— Sabe o que é a Teoria da Gravitação Universal, não sabe, Theremon?
— Claro que sei. Quero dizer, não conheço a teoria. Só existem doze pessoas em Kalgash que conseguem compreendê-la perfeitamente, não é mesmo? Mas acho que posso lhe dizer o que representa para a ciência.
— Então você também acredita nessa balela? — observou Beenay, com um riso irônico. — Pensa que a Teoria da Gravitação é tão complicada que apenas doze pessoas conseguem entendê-la?
— É o que dizem por aí.
— O que dizem por aí é um monte de bobagens. Posso resumir toda a matemática que realmente importa em uma única frase e tenho certeza de que você vai compreender.
— Pode? Vou?
— Tenho certeza. Preste atenção, Theremon: a Lei da Gravitação Universal ou, por outra, a Teoria da Gravitação Universal, afirma que existe uma força de atração entre todos os corpos do universo, tal que a força entre dois corpos quaisquer é proporcional ao produto das massas desses corpos dividida pelo quadrado da distância entre eles. É só isso.
— Só?
— Só! Mas levamos quatrocentos anos para descobri-la.
— Por que tanto tempo? Do jeito que você falou, parece muito simples.
— Porque as grandes leis não são descobertas em um lampejo de inspiração, como talvez você pense. Em geral, é necessário o trabalho combinado de um batalhão de cientistas durante um período de vários séculos. Depois que Genovi 41 descobriu que Kalgash gira em torno de Onos e não o contrário e isso aconteceu há quatrocentos anos, os astrônomos começaram a estudar por que os seis sóis aparecem e desaparecem do céu da forma como fazem. Os complexos movimentos dos seis sóis foram registrados e analisados. Teoria após teoria foi avançada, verificada, reverificada, modificada, abandonada, revivida e transformada em algo diferente. Foi um trabalho de cão.
Theremon assentiu, pensativo, e terminou seu drinque. Fez sinal para o garçom pedindo mais dois. Beenay parecia mais calmo agora que estava falando sobre ciência, pensou.
— Faz trinta anos — prosseguiu o astrônomo — que Athor 77 coroou o empreendimento, demonstrando que a Teoria da Gravitação Universal podia explicar perfeitamente os movimentos das órbitas dos seis sóis. Foi um feito notável. Uma das maiores realizações da história da ciência.
— Sei o quanto você admira o homem — disse Theremon -, mas o que isso tem a ver…
— Já chego lá. — Beenay se levantou e foi até o parapeito do terraço, levando o copo com ele. Ficou em silêncio por alguns instantes, olhando para Trey e Patru.
Theremon teve a impressão de que ele estava ficando agitado de novo, mas não disse nada. Afinal, Beenay bebeu um longo gole e disse, sem se voltar para o repórter:
— O problema é o seguinte. Faz alguns meses, comecei a calcular de novo os movimentos de Kalgash em volta de Onos, usando o novo computador da universidade. Forneci ao computador as posições de Kalgash nas últimas seis semanas e lhe pedi para calcular as posições para o resto do ano. Não esperava surpresas. Acho que, na verdade, estava atrás de um pretexto para mexer no computador. Naturalmente, usei a lei da gravitação nos meus cálculos. — Voltou-se bruscamente para encarar o amigo. Seus olhos tinham uma expressão assustada. — Theremon, os resultados estavam errados!
— Não compreendo.
— A órbita que o computador calculou não correspondia à órbita real. Quero que entenda que eu não estava trabalhando apenas com a interação Kalgash-Onos. Eu levara em conta todas as perturbações causadas pelos outros sóis. E o que eu obtive, o que o computador considerava como a verdadeira órbita de Kalgash, era muito diferente da órbita indicada na Teoria de Gravitação de Athor!
— Mas você disse que havia levado em conta todas as perturbações possíveis.
— E verdade.
— Nesse caso, como… — De repente, os olhos de Theremon se iluminaram. — Minha nossa! Que furo de reportagem! Você está dizendo-me que o supercomputador da Universidade de Saro, que acaba de ser instalado a um custo de não sei quantos milhões de créditos, está fornecendo resultados imprecisos? Que o dinheiro dos contribuintes foi jogado fora? Que…
— Não há nada de errado com o computador, Theremon. Acredite.
— Tem certeza?
— Tenho.
— Então como explica o que aconteceu?
— Talvez eu tivesse fornecido dados errados ao computador. O melhor computador do mundo não pode obter as respostas certas quando os dados são falsos.
— Então é por isso que você está tão aborrecido, Beenay! Escute rapaz, todos nós cometemos erros de vez em quando. Isto apenas mostra que você é humano. Por que não se acalma e…
— Eu tinha que ter absoluta certeza de que havia fornecido os números corretos ao computador, em primeiro lugar, e também de que o havia programado corretamente para processar esses números — prosseguiu Beenay, segurando o copo com tanta força que sua mão começou a tremer. Theremon notou que o copo estava de novo vazio. — Como você disse, todos nós cometemos erros de vez em quando. Por isso, fui falar com dois alunos de pós-graduação que considero muito espertos e lhes pedi para calcularem tudo de novo. Esta noite me mostraram os resultados. Lembra-se de eu ter lhe dito que tinha um encontro importante? Theremon, eles confirmaram meus resultados na íntegra. A órbita teórica é diferente da real.
Читать дальше